"A luta do metrô é pela sobrevivência", afirma superintendente da CBTU no Recife

14/05/2016 09:46 - Folha de Pernambuco

A paralisação dos funcionários do metrô, prevista para esta segunda-feira (16), expõe a faceta mais cruel pela qual o sistema vem passando: a falta de condições financeiras para garantir o mínimo. Faltam recursos para investir em segurança, inibir a presença de ambulantes e para a manutenção dos trens, que quebram frequentemente.

Com um orçamento contingenciado, o superintendente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) no Recife, Clélio Corrêa Lima, é taxativo: a luta tem sido pela sobrevivência do transporte sobre trilhos. Em entrevista à Folha de Pernambuco, o gestor fala das dificuldades, de perspectivas para soluções e expõe a mais grave das possibilidades da crise financeira: o fechamento do metrô aos sábados e domingos.

Em dezembro, a direção nacional da CBTU veio a Pernambuco discutir as dificuldades econômicas do sistema. Na ocasião, voltou à tona uma dívida que o Grande Recife Consórcio de Transporte tem com o metrô, referente ao repasse de parte da verba da bilhetagem eletrônica das integrações com terminais de ônibus, e que, na época, beirava R$ 50 milhões. Como está essa questão?
Em relação à dívida, não tem nada resolvido, por enquanto. O que a gente conseguiu a duras penas foi regularizar, a partir de janeiro deste ano, os repasses quinzenais, mas nenhum centavo da dívida que o Grande Recife, inclusive, já reconheceu, foi pago até agora. Eles disseram que até março estariam apresentando um cronograma para pagamentos atrasados, mas esse cronograma não foi apresentado, provavelmente um reflexo da situação do País. A dívida, ela cresce todo ano, porque, na verdade, todo mês tem juros, tem capitalização, tem correção, então é um valor que fica aumentando. O que a gente tem em relação a essa dívida são ações judiciais propostas e está brigando na Justiça, mas, no Judiciário, as coisas tendem a demorar. Também estamos tentando discutir com o Governo do Estado para que, na verdade, haja uma conscientização sobre a dívida e se ponha em prática alguma programação de pagamento. Eu espero que isso venha a acontecer.

Até que ponto esse dinheiro fez falta ao sistema?
Como é que é calculado o orçamento de um órgão público, ou de uma sociedade de economia mista, que é dependente, como a CBTU? É calculado com base nas necessidades e no poder de arrecadação. Se existe a previsão que o órgão, a entidade, vai arrecadar R$ 60 milhões, teoricamente, pelo menos isso poderia ser conseguido de orçamento. Agora, se a unidade prevê que vai arrecadar R$ 60 milhões e arrecada R$ 10 (milhões), o orçamento já é diminuído proporcionalmente. Então, com esse déficit, nos dois anos que a gente teve aí, em relação ao Consórcio (Grande Recife), foram praticamente R$ 50 milhões a menos. Na hora de pleitear orçamento, tudo fica mais difícil e o orçamento da CBTU foi bem prejudicado por conta disso. Na verdade, esse déficit é um divisor de águas em relação ao orçamento que a gente poderia conseguir para a CBTU melhorar o sistema aqui.

Qual é o orçamento para este ano?
Foi aprovado um orçamento de aproximadamente R$ 82 milhões, inicialmente. Depois, houve um contingenciamento e ele caiu para R$ 77 (milhões), e atualmente está em R$ 51,9 milhões. Houve um novo contingenciamento agora no começo do mês. Os R$ 82 milhões já eram um aperto incrível. Já era, na verdade, uma redução nominal de aproximadamente 10% em relação a 2015.

Já se sabe onde ocorrerão cortes?
Quando o orçamento caiu para R$ 82 milhões, já se fazia necessário todo tipo de corte. Com R$ 77 (milhões), (os cortes) foram aumentados e, agora, a gente está com as áreas técnicas trabalhando, fazendo um esforço para ver quais vão ser os cortes necessários e como é que a CBTU vai conseguir funcionar. A gente está numa situação crítica com esse orçamento de R$ 52 milhões...

A CBTU afirmou, na semana passada, que haverá redução no número de viagens em sistemas em que opera no País todo. Na próxima segunda-feira, o de Maceió passará a ter menos viagens. Há alguma previsão de cortes no atendimento no Recife?
O corte orçamentário foi repassado para a CBTU, que repassou para os sistemas. Então, provavelmente Maceió, que é um sistema menor que Recife, já concluiu seu dever de casa e a expectativa é que haja uma redução no número de viagens. No nosso caso, eu não saberia adiantar porque nossos técnicos ainda estão trabalhando nisso.

Mas, no fim do ano passado, já se estudava internamente suspender a operação no Recife, aos sábados, a partir do meio-dia, e aos domingos, o dia todo. Essa possibilidade é real?
Não sei se vai ser só sábado e domingo. Particularmente digo que ainda não há uma definição, mas acredito que vai ter que ser algo mais severo do que apenas sábado e domingo. Se o orçamento não for restabelecido, na minha concepção, a redução da prestação de serviço vai ser bem mais severa que somente no sábado e domingo.

Severa até que ponto?
Essa questão do sábado e domingo era num cenário em que a gente tinha um orçamento de R$ 82 milhões. Agora, estamos falando de um cenário onde o orçamento não passa de R$ 52 (milhões). Eu acredito que esses orçamentos têm que ser restabelecidos, mas, para isso, a gente depende de uma posição proativa do Governo Federal. Eu não acho que a situação da CBTU é uma situação isolada. Acho que é um reflexo de problemas que estão atingindo o Brasil.

O senhor acha que o sistema metroviário público brasileiro está sendo asfixiado, como estudiosos do tema costumam dizer?
Acho que a gente precisa olhar o sistema metroviário com outros olhos. Acho que a gente tem que valorizá-lo como ele realmente é. Aqui para o Recife, por exemplo, ele é vital para a mobilidade. A gente está falando de um sistema que movimenta quase 400 mil pessoas por dia.

O sistema perdeu usuários?
Acho que até por conta de problemas econômicos, houve variação (de passageiros), mas uma variação pequena. É o transporte mais barato que a gente tem aqui.

Há previsão de aumentar a passagem (hoje em R$ 1,60)?
Não, não tem previsão, por enquanto. Na verdade, depende de uma decisão maior. Depende do Governo Federal.

Então, de onde viria o dinheiro para suprir as dificuldades?
A solução que a gente vê é a recomposição do orçamento. Eu entendo que existe um projeto de lei no Congresso Nacional para aprovar um déficit que eu acho que, quando foi apresentado, era de R$ 96 bilhões, e está em R$ 110 bilhões hoje. Sendo aprovado, acredito que vai poder haver uma folga no orçamento. Não estou falando só para a CBTU, mas para todos os órgãos públicos federais. Porque, sem uma recomposição do orçamento, a gente vai fazer um grande esforço, mas não vejo como a operação vai atender a necessidade da população da forma como ela precisa.

Como estão investimentos em segurança e para solucionar a questão dos ambulante, cada vez mais presentes no sistema?
Ambulantes, segurança, todos esses são problemas constantes, que temos que estar pensando e trabalhando cotidianamente, até porque se você deixar de trabalhar, eles voltam. Se você conseguir mitigá-los, no minuto em que você para de dar atenção, eles voltam. Mas, no momento, pelo menos a preocupação da administração – não é que a gente tenha esquecido desse lado – é que a gente está com um entrave na questão orçamentária, que é uma questão de sobrevivência do sistema. Se a gente não faz o sistema sobreviver, a gente não para nem para pensar em ambulante e outros problemas. São problemas que existem no sistema. Então, se existem, a gente precisa de condições mínimas para enfrentá-los. Um orçamento digno é pelo que a gente está tentando batalhar agora.

Há algum plano para inibir a presença de ambulantes?
Para ambulante, há uma comissão formada para discutir soluções para isso, mas confesso que nossa atenção está voltada para a questão orçamentária, porque é um problema que tem que se resolver agora e que, se não for resolvido, a resolução dos outros problemas também ficará afetada.

E o cronograma do plano de segurança, apresentado no mês passado à Justiça do Trabalho? Será cumprido?
A CBTU é uma sociedade de economia mista dependente. Atualmente, acho que a taxa de cobertura, se não me engano, está girando numa faixa de 17%, o que quer dizer que 83% da operação é bancada, subsidiada pelo Governo Federal. Esses 17% são passagem, alguns aluguéis de sala comercial, publicidade. É muito pouco. Quando a gente fala em investimentos, orçamento para custeio, todos os itens estão a definir porque a gente precisa de definição do Governo Federal. A gente não pode prometer que vai ter isso, que vai ter aquilo em segurança sem ter o recurso referente a isso. O plano de segurança ao qual você se referiu é um dos planos que vêm sendo tratados, inclusive, antes de eu tomar posse. Existem outras ideias para a segurança, todas estão sendo discutidas internamente.

Mas há alguma medida emergencial de segurança prevista?
A questão é um problema de segurança pública e tem que ser lidada pelo Governo do Estado, mas acho que, dentro das nossas estações, a gente tem muito a fazer. A gente pode conseguir mais seguranças, a gente pode dar um treinamento para quem já está dentro da casa e atua de forma efetiva no sistema. Existem várias estratégias que estão programadas, vamos tentar colocá-las em prática, mas, sem uma ajuda efetiva do Governo do Estado... se a insegurança está em todo lugar, quando você tem 39 estações, obviamente vai ser atingido também. Somos uma empresa de transporte de passageiros, não uma empresa de segurança.

Nessa situação de crise, falar em expansão do sistema, nem pensar...
A gente tem alguns recursos de expansão que vieram pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), recursos distintos, na verdade. Eles vêm para uma finalidade específica. Há alguns planejamentos de melhoria do sistema, sim, existem alguns processos em andamento e eles vão ser tocados, mas a minha opinião particular é que a gente tem que pensar agora no custeio do sistema, em orçamento para o custeio do sistema.