“Acreditamos que podemos ficar ricos ficando verdes”, diz embaixador britânico

07/06/2021 06:00 - Valor Econômico

Por Daniela Chiaretti — De São Paulo

“Independentemente do que os governos fizerem, investidores irão colocar seu dinheiro onde puderem conseguir emissões líquidas zero em 2050 e irão deixar de investir em quem não agir assim. É um sinal muito poderoso da comunidade financeira que está dizendo “não podemos tolerar mais esse nível de risco’”. A mensagem é de Peter Wilson, embaixador britânico no Brasil, que traduz o recado do mercado financeiro aos países que não têm metas de corte de emissões ambiciosas e bem estruturadas.

O Reino Unido sedia a CoP 26, a nova rodada de negociações das Nações Unidas em novembro, em Glasgow. É considerada evento tão importante para mudar o rumo da crise climática como foi o encontro em Paris, em 2015.

Há algumas cúpulas antes de Glasgow que podem adiantar a agenda. A do G-7, dia 11 de junho, que reúne as sete economias mais fortes do mundo e é presidida pelo Reino Unido, pode chegar a algum consenso sobre a taxa de carbono que a União Europeia pretende aprovar em breve e os Estados Unidos consideram, embora não a curto prazo. O Reino Unido tem abordagem pragmática sobre o tema. “Nossa ênfase tem sido no preço do carbono e no mercado como ferramentas fundamentais para descarbonizarmos a economia até 2050”, diz Wilson.

Um ponto importante é fechar a promessa dos países ricos de mobilizar US$ 100 bilhões ao ano, em clima, para o mundo em desenvolvimento, a partir de 2020. Até hoje não aconteceu - estima-se que estes recursos estejam em US$ 80 bilhões entre doações e empréstimos públicos e privados.

O embaixador alerta, contudo, que a despeito das decisões dos governos, o mundo está mudando de qualquer forma. Investidores, diz, evitam “países e empresas que desmatam irresponsavelmente”. E há uma tendência clara de se abandonar os combustíveis fósseis e limpar a matriz global de energia.

O Reino Unido, em 2012, tinha 40% da energia baseada no carvão. Hoje o percentual é menos de 2%. O país se tornou o maior produtor mundial de energia eólica offshore em 20 anos. Este movimento reduz o preço de energia no país. “Se o Brasil criar uma regulamentação para energia eólica offshore, poderemos investir”, avisa. “Queremos ser o país mais rápido entre os do G-7 a descarbonizar o transporte individual. Acreditamos que podemos ficar ricos ficando verdes”.

Há um recado sutil, mas claro, ao Brasil, nas negociações em torno do artigo 6, dos mercados de carbono. A estratégia britânica é “criar um mercado global dando preço ao carbono”, diz Wilson. “Se conseguirmos fazer isso, países como o Brasil irão se beneficiar maciçamente porque têm reservatórios gigantes de carbono.”

O porém fica por conta da integridade desses créditos e dos compromissos climáticos. “Empresas olharão para os melhores investimentos possíveis. Se houver dupla contagem em um país ou se houver metas de carbono de baixa qualidade, o mercado irá evitá-los e buscar créditos mais qualificados.” Na última CoP, em Madri, o Brasil foi acusado de defender uma proposta que possibilitava a dupla contagem de emissões. A seguir trechos da entrevista:

Valor: A CoP 26 será presencial?

Peter Wilson: Queremos que sim. Alok Sharma, o presidente da conferência, usa uma expressão que espero conseguir traduzir - quer uma “full fat CoP”. É o leite gordo, não o desnatado. É isso que os países estão pedindo. Governos estão dizendo: se temos que negociar, temos que fazer isso pessoalmente. Mas não queremos deixar toda a negociação para os dias da conferência. As questões políticas vamos conversar com os países-chave, inclusive o Brasil, antes da CoP, para buscar um entendimento. Esta conferência é muito importante. John Kerry, o enviado especial da Casa Branca para clima, a descreve como “a última melhor esperança para a humanidade”. Nós a enxergamos assim também.

Investidores estão evitando países e empresas que desmatam e consumidores não toleram mais isso”

Valor: Muitos líderes se comprometeram no encontro de abril do presidente Joe Biden com 1,5°C de limite de aumento da temperatura até 2100. Ainda é possível?

Wilson: Este é um ponto muito importante. Podemos chegar a isso se os países se comprometerem com metas de emissões líquidas zero na metade do século e se tivermos progresso nos mercados de carbono. Mas haverá mudança do clima de qualquer modo, por isso uma parte do nosso esforço é ajudar na adaptação das comunidades e dos países que serão mais afetados com a crise climática, muitos deles os mais pobres do mundo.

Valor: O Reino Unido tem quatro vertentes prioritárias para a CoP 26. Uma é adaptação. E as outras?

Wilson: Ter metas ambiciosas para 2030. O Reino Unido tem a meta mais ambiciosa do mundo entre as grandes economias, de 78% de redução em 2035 com base nos volumes de 1990 e temos planos para conseguir chegar lá. A grande prioridade de Alok Sharma é o financiamento climático. Os países desenvolvidos se comprometeram em mobilizar pelo menos US$ 100 bilhões ao ano e temos que conseguir cumprir a promessa. Isso envolve as instituições financeiras, o setor privado e os governos dos países desenvolvidos.

Valor: E a quarta frente?

Wilson: Trabalhar juntos. Finalizar o livro de regras do Acordo de Paris, que são os detalhes que transformam o Acordo em algo operacional. Trabalhar juntos envolve os negócios, a sociedade civil, os investidores. Gestoras de investimentos responsáveis por gerenciar US$ 37 trilhões em ativos estão se comprometendo com metas de emissões líquidas zero em 2050. Ou seja: independentemente do que os governos fizerem, investidores irão colocar seu dinheiro onde puderem conseguir emissões líquidas zero em 2050 e irão deixar de investir em quem não fizer isso. É um sinal muito poderoso da comunidade financeira que está dizendo “não podemos tolerar mais esse nível de risco”.

Valor: A Agência Internacional de Energia propôs há poucos dias uma moratória de perfuração de poços de petróleo. Os investidores estão indo nesta direção também?

Wilson: Estão fazendo várias coisas. Uma é evitar países e empresas que desmatam irresponsavelmente, e os consumidores não toleram mais isso. A outra, abandonar os combustíveis fósseis e limpar a matriz global de energia. Este movimento tem sido bom para a economia do Reino Unido. Hoje somos o maior produtor do mundo de energia eólica offshore e não tinhamos virtualmente nada há 20 anos. Foi uma mudança radical no nosso mix energético. E isso vai reduzir maciçamente o preço da energia para nós. Costumávamos subsidiar energia eólica e não precisamos mais porque hoje é mais barata do que outras fontes. Gostaríamos de trabalhar mais com o Brasil neste ponto: se o país criar uma regulamentação para energia eólica offshore, poderemos investir. Não posso ajudar mais companhias petrolíferas com seu antigo negócio, mas posso ajudá-los com energias renováveis.

Valor: Quanto o Reino Unido usa hoje de carvão em sua matriz?

Wilson: Em 2012, 40% da nossa energia vinha do carvão. Isso há apenas nove anos. Hoje o percentual é menos de 2%, uma mudança radical. Pretendemos abandonar usinas térmicas a carvão em 2025. Anunciamos que iremos acabar com a venda de carros a gasolina e diesel no Reino Unido em 2030. Queremos ser o país mais rápido entre os do G-7 a descarbonizar carros e vans, queremos carros elétricos. Nosso país terá se adaptado e isso será melhor para o Reino Unido e para o clima. Acreditamos que podemos ficar ricos ficando verdes.

Valor: O Reino Unido está construindo uma rede para recarregar os carros elétricos nas rodovias?

Wilson: Está indo rápido. Mudamos as regulamentações, os incentivos e os negócios também mudaram. Acreditamos no poder do mercado de promover mudanças. Nos postos de gasolina da Shell há sempre carregadores elétricos. Não querem vender gasolina, mas serem fornecedores de energia.

Valor: Há empresas de petróleo acelerando esforços em novas descobertas antes que a demanda recue diante dos cortes de emissões dos países. O que acha disso?

Wilson: Empresas de energia no mundo estão mudando seu mix de energia. Estão investindo muito mais em renováveis do que faziam antes. Isso está acontecendo com a Shell e a BP, por exemplo. Também se prevê uma diminuição na demanda de petróleo ao longo do tempo. O Reino Unido está fazendo a mudança porque vemos que a demanda global irá mudar e queremos sair na frente nesta revolução econômica e ambiental.

Valor: Carros a combustão estão sendo vendidos em países em desenvolvimento enquanto o mercado de elétricos cresce na Europa. É o setor privado que tem que acompanhar as políticas públicas?

Wilson: Várias coisas têm que acontecer ao mesmo tempo. Os governos lançam os marcos regulatórios, e os que fazem isso antes têm vantagem. O segundo ponto é que o mercado promove mudança. Quem é o maior fabricante de carros elétricos no mundo? A China. O governo mudou as regras porque são grandes exportadores e viram mudanças no mercado global. O governo lança a regulação, o mercado responde e o preço cai. Foi o que aconteceu com os painéis solares e com eólica. A vantagem de países que ainda não construíram muita infraestrutura é não precisar reconstruir quando chega nova onda tecnológica. Países como o Brasil que querem fazer investimentos em infraestrutura podem ficar à frente dessa curva.

Valor: O presidente da CoP, Alok Sharma, diz que é seu objetivo pessoal acabar com o uso do carvão do mundo. Mas o Reino Unido está discutindo abrir nova mina em Cumbria, com o argumento que evitaria emissões de transporte do carvão dos EUA ou Austrália para produzir ferro. Como vê esta contradição?

Wilson: É um bom exemplo para mostrar como essas escolhas são difíceis e não têm apenas vencedores. Nesse ponto específico há uma consulta pública em curso agora. Mas a direção do país é clara. O Reino Unido tinha uma base de 40% de carvão em sua matriz em 2012, agora são 2% e esperamos eliminar completamente o uso em 2025.

Valor: Como estão as negociações do artigo 6 do Acordo de Paris, que trata do mercado de carbono?

Wilson: Precisamos ter um acordo no artigo 6 que permita ao mundo criar um mercado global dando preço ao carbono. Se conseguirmos fazer isso, países como o Brasil irão se beneficiar maciçamente porque têm reservatórios gigantes de carbono. O segundo ponto é: para fazer com que isso funcione vai existir um mercado. Empresas olharão para os melhores investimentos possíveis. Por exemplo, se houver dupla contagem em um país ou se houver metas de carbono de baixa qualidade, o mercado irá evitá-los e buscar créditos de carbono mais qualificados. É do interesse do Brasil buscar créditos de carbono de alta qualidade, sem dupla contagem. Sabemos que esse foi um ponto crítico nas negociações em Madri.

Valor: O Reino Unido sedia o encontro do G-7 esta semana. Finanças climáticas estão na agenda?

Wilson: No G-7 são países desenvolvidos e democráticos que podem usar seu poder coletivo para gerar mudança. Somos os maiores contribuintes para as instituições financeiras internacionais e queremos mover o debate para finanças climáticas. Estamos coordenando isso com a Itália, com quem dividimos a organização da CoP, e a Itália é sede da reunião do G-20, que também tem papel fundamental em finanças. Vamos usar os dois fóruns para obter movimentos.

Valor: Em que cifra estão os US$ 100 bilhões ao ano que os países ricos prometeram aos em desenvolvimento em clima?

Wilson: Estamos ainda longe disso. Queremos um compromisso público sobre os US$ 100 bilhões e mobilizar recursos privados. Um bom exemplo de como podemos usar o dinheiro privado de maneira mais eficiente é a Coalizão Leaf, para proteção das florestas tropicais que lançamos durante o evento do presidente Biden. É uma aliança dos governos do Reino Unido, Noruega e EUA com empresas para salvar as florestas. Empresas precisam que os governos garantam a credibilidade do esquema e governos precisam das empresas que geram muito carbono e têm responsabilidade. Queremos seguir nessa rota para mobilizar recursos privados.

Valor: É também um canal que se abre para governos locais?

Wilson: Sim. Este processo precisa envolver diferentes partes da sociedade para ter credibilidade. O Brasil não é o único a ser questionado pelas ONGs. No Reino Unido temos ONGs muito vigorosas e queremos trabalhar com elas. É justo que as pessoas examinem o que estamos fazendo. Empresas também têm que ser verossímeis não só aos olhos dos governos mas aos olhos da sociedade. Porque, no fim das contas, empresas vendem para as pessoas que escolhem de quem querem comprar. Mais e mais consumidores estão fazendo escolhas baseados na percepção de empresas fazendo esforços ambientais. É um grande movimento que afeta as vendas no meu país e no mundo, e afeta investidores.

Valor: Sobre a discussão de vacinas no G-7, o que pode acontecer?

Wilson: Não posso falar muito sobre esse ponto, mas sabemos que ninguém está salvo a menos que todos estejam a salvo. Nos comprometemos com grande volume de recursos com o Covax, que é a maneira mais justa de se distribuir vacinas no mundo. Sabemos, diante da crise atual na Índia, que precisamos encontrar outras maneiras para fornecer vacinas. O G-7 irá discutir estes pontos. No Brasil estamos fazendo algo incrível com a parceria entre AstraZeneca /Oxford e a Fiocruz. AstraZeneca é uma empresa generosa e não está tendo lucro algum com essa vacina. Estão transferindo a tecnologia para países poderem fazer sua produção doméstica como é o caso da Fiocruz, um parceiro de muita experiência técnica.

Valor: O primeiro-ministro Boris Johnson convidou Austrália, Coreia do Sul, Africa do Sul e Índia para a reunião. Porque o Brasil está fora?

Wilson: Tempos atrás dissemos que queríamos ter uma representação geográfica com ênfase no Pacífico asiático e há uma tradição no G-7 de sempre convidar países africanos. O que é importante com o Brasil é que nossa ênfase tem sido na colaboração bilateral, que está indo muito bem. O Brasil é central em temas que queremos fortalecer, como tecnologia, segurança e clima, nossa prioridade número um. Também teremos cooperação com o G-20, o lugar onde estarão juntas as economias-chave do mundo, em encontro presidido pela Itália.

Valor: Como está vendo a alta do desmatamento na Amazônia?

Wilson: Desmatamento é um grande assunto para nós. Queremos trabalhar perto do Brasil nas metas que o presidente Bolsonaro anunciou no encontro do presidente Biden, quando disse pela primeira vez que se compromete com o desmatamento ilegal zero em 2030. Foi um avanço importante na posição brasileira. É importante para o mundo que o desmatamento seja enfrentado e o Brasil é dono de 60% da Amazônia. É a soberania brasileira e são as escolhas brasileiras, mas a Amazônia também representa um terço dos reservatórios de carbono do mundo. Compartilhamos o pensamento com o Brasil que estamos subvalorizando os recursos da Amazônia.

Valor: Como valorizá-la?

Wilson: Através de mercados globais de carbono pode-se começar a reconhecer o valor de um ativo como a Amazônia. A bioeconomia é um dos pilares de crescimento do futuro e a Amazônia permite ao Brasil ser um dos países mais competitivos do mundo. A biodiversidade da Amazônia é um ativo incrível.

Valor: Há quem desconfie muito do real interesse dos países ricos na Amazônia.

Wilson: Essa é uma agenda gigantesca e com enorme potencial. Não estou cego aos desafios. Mas essa não é uma questão dos países ricos contra os países em desenvolvimento, isso não é verdade, assim como o argumento de que é algo da esquerda contra a direita também não é verdade. No Reino Unido a única competição política é quem pode fazer mais pelo meio ambiente. Trabalho para um governo que acredita fortemente no poder do mercado para resolver essas questões. Estamos tentando estar à frente desse debate porque acreditamos na defesa do planeta, mas também porque acreditamos que há grandes oportunidades neste tema.

Valor: Qual o impacto na relação do Reino Unido com o Brasil diante das investigações envolvendo a cúpula do Ibama e o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles?

Wilson: Não é meu papel fazer comentários sobre esse assunto. Temos uma relação ativa com o Brasil sobre ambiente em várias esferas, o que inclui o governo federal em muitos níveis e também nos campos estadual e municipal. Há cinco cidades no Brasil na corrida para se transformar em emissões zero. Temos um diálogo muito rico com o Brasil.

Valor: A União Europeia quer aprovar a taxa de carbono de fronteira. Os EUA a mencionam como uma possibilidade. O que pensa o Reino Unido sobre isso?

Wilson: Nossa ênfase tem sido no preço do carbono e no mercado como ferramentas fundamentais para descarbonizarmos a economia até 2050.

Valor: O sr. é otimista em relação às mudanças globais necessárias para combater a crise climática?

Wilson: Temos o dever de proteger a nossa herança. O mundo inteiro está mudando. É uma mudança ambiental e uma mudança econômica que estão acontecendo em tempo real. Governos têm papel fundamental em estabelecer as regras, mas isso está acontecendo de qualquer forma. Fracassamos em cumprir as promessas anteriores. Agora temos que correr atrás do prejuízo.