A mobilidade urbana na agenda - Aloisio Campelo Jr. e Viviane Bittencourt

25/01/2018 07:42 - Valor Econômico

O ano de eleição começa com dois temas recorrentes dominando o debate público: corrupção e segurança. Outros assuntos que certamente constarão do discurso, mas não necessariamente da prática dos candidatos depois de eleitos, são saúde e educação pública.

Neste artigo chamamos atenção para a importância de se enfrentar os custos econômicos e sociais da precária rede de transportes urbanos nas grandes cidades brasileiras. Estudo de Vianna e Young (2015), com dados do Censo de 2010, estima uma perda anual entre 1,3% e 2,6% do PIB em todo o país. As perdas são maiores nas grandes cidades, que cresceram ao longo de décadas de forma desordenada, privilegiando formas ineficientes de transporte.

Usando metodologia análoga, combinando dados do IBGE com os da Sondagem do Bem-Estar da FGV Ibre, estimamos perdas entre 2,7% e 3,8% do PIB em 2015, na média de Rio de Janeiro e São Paulo. Além das perdas econômicas, os costumeiros congestionamentos, superlotação e filas nos serviços de transporte urbano provocam perdas no bem-estar da população.

De acordo com Bittencourt e Leripio (2017), o tempo gasto em deslocamentos diários exerce efeito negativo e estatisticamente significativo sobre a satisfação com a vida reportada pelas populações de Rio e São Paulo, independente de outros fatores. Um problema adicional é que o impacto da perda de bem-estar é seis vezes superior para aqueles que gastam mais de 140 minutos em trânsito por dia - uma parcela não desprezível de 27% da população das duas maiores cidades do país - na comparação com aqueles que gastam menos de 90 minutos por dia.

Como a maioria das pessoas que realizam estas "superjornadas" são de estratos mais baixos de renda, o efeito perverso da precária rede urbana retroalimenta e amplifica desigualdades sociais ao reduzir o tempo que esta população teria para buscar aprendizado, cuidar da educação dos filhos ou da própria saúde.

A solução para a questão da mobilidade urbana passa necessariamente pela melhoria e aumento da participação do uso do transporte público pela população.

A Sondagem do Bem-Estar de 2016 foi realizada em duas etapas: uma antes e outra depois das Olimpíadas. Na primeira rodada, o tempo médio gasto em deslocamentos diários havia sido de 108 minutos no Rio de Janeiro e 97 minutos em São Paulo. Na segunda etapa, após a inauguração da Linha 4 de Metrô e da extensão do BRT para diversas áreas da Zona Oeste da capital fluminense, o tempo médio caiu para 93 minutos no Rio enquanto o de São Paulo se manteve.

Esta redução do tempo em trânsito teve impacto sobre a percepção de bem-estar subjetivo pela população carioca, principalmente para os moradores da Zona Oeste, região mais beneficiada pela ampliação da rede. (Com a crise econômica recente do Estado do Rio de Janeiro é possível que parte desses ganhos de bem-estar tenham sido perdidos. Mas isso já é outra história.)

A solução ótima para a maioria das grandes cidades brasileiras talvez fosse a ampliação da rede de metrôs, um meio de transporte rápido e eficiente. Mas este é um investimento vultoso e pouco provável de se viabilizar em larga escala na atual conjuntura, dado o péssimo estado das finanças públicas em todas as esferas de governo. Enquanto isso não ocorre, medidas como a restrição de acesso por automóveis a determinadas áreas das cidades e/ou em horários específicos, o estímulo a meios de transporte solidários e a regulamentação de novas modalidades de transporte coletivo ou que estimulem as pessoas a deixarem seus carros em casa, podem ajudar.

A Sondagem da FGV consultou sobre as condições necessárias para que a população opte por usar a rede de transporte público coletivo com maior frequência. Tanto cariocas quanto paulistanos apontam diversas questões como tendo igual relevância, dentre as quais o aumento da rapidez, da segurança, do conforto, a oferta de mais opções de horários e menores preços.

Há uma preocupação ligeiramente maior dos cariocas com a segurança e dos paulistas com a rapidez. Como se vê, as respostas dão algumas dicas, mas estão longe de resolver o imbróglio.

Melhorar o sistema de transportes urbanos terá como consequência o aumento da produtividade do trabalho e da renda, além de possibilitar um ganho de tempo que poderá ser revertido em investimentos na qualificação dos trabalhadores ou no lazer, contribuindo para o aumento do bem-estar da população.

Há muito o que se fazer. O papel de Estados e municípios é crucial neste processo, mas estudos recentes (como FGV DAPP, 2014) têm sinalizado a existência de uma demanda latente por parte da população por algum tipo de órgão que formule políticas, organize e regule as políticas de mobilidade urbana nas grandes cidades.

O problema é sério e demanda soluções tão urgentes que a proposta de um diálogo nacional, assim como se esboça em relação a outros temas, não parece ser má ideia.

Aloisio Campelo Júnior, economista, é superintendente de Estatísticas Públicas da FGV Ibre

Viviane Seda Bittencourt é coordenadora da Superintendência Adjunta de Ciclos Econômicos do Ibre, responsável por pesquisas como a Sondagem do Consumidor e a Sondagem de Bem-Estar.