A oposição à mudança climática - Benjamin Franta

26/07/2017 06:00 - Valor Econômico

Vinte e cinco anos após a adoção da Convenção-Quadro sobre Mudança Climática da ONU, em 9 de maio de 1992, o planeta ainda não implementou um tratado que enfrente de maneira efetiva o aquecimento global. Agora, após o presidente Donald Trump ter retirado os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o clima, chegou a hora de investigar com mais profundidade as forças que estão por trás dessa demora.

Por toda a década de 1990, o Instituto Americano do Petróleo (API, nas iniciais em inglês) - a maior associação de classe e grupo de lobby americano do setor de petróleo e gás - se valeu reiteradamente de modelos econômicos criados por dois economistas, Paul Bernstein e W. David Montgomery, para argumentar que, se implementadas, as políticas pró-clima seriam devastadoramente caras. A API foi bem-sucedida em seu lobby em favor do adiamento de medidas destinadas a abordar soluções para a mudança climática, lançando mão das projeções de Bernstein e Montgomery para afirmar que os fechamentos de postos de trabalho e os custos econômicos ultrapassariam os benefícios ambientais.

Esses argumentos foram usados em 1991, para torpedear a ideia dos controles ao dióxido de carbono; em 1993, contra o pretendido imposto sobre BTUs proposto pelo governo Clinton (uma sobretaxa sobre a energia que teria incidido sobre fontes com base em seu calor e teor de carbono); em 1996, contra as metas da Conferência das Partes da ONU de Genebra (CoP-2); em 1997, contra as metas da Conferência das Partes da ONU de Kyoto (CoP-3); e em 1998, contra a implementação do Protocolo de Kyoto. O plano de lobby da API foi repetitivo. Mas funcionou.

O setor de petróleo e gás retratava os relatórios que encomendava a Bernstein, que no passado tinha trabalhado na Companhia Elétrica do Havaí, e a Montgomery, ex-vice-secretário-assistente de política pública do Departamento de Energia dos EUA, como factuais, independentes e fruto de debate econômico genuíno. Às vésperas do encontro de 1997 em Kyoto, Japão, por exemplo, a petrolífera Mobil afirmou, em anúncio publicado no "The Wall Street Journal" e no "The New York Times" que "o custo de restringir as emissões poderá variar de US$ 200 a US$ 580 por tonelada de carbono, com base em "estudo que acaba de ser lançado pela Charles River Associates [CRA]". A Mobil não identificou quem escreveu o relatório da CRA (Bernstein e Montgomery foram os dois primeiros autores) e quem o financiou (a API).

A mensagem da Mobil era enganosa, mas será que a análise de Bernstein e Montgomery era falha? Consideremos o seguinte: eles ignoraram os custos negativos da mudança climática e sugeriram que a energia limpa nunca seria competitiva, em termos de preço, com os combustíveis fósseis, o que simplesmente não é verdade. Eles presumiram o resultado que afirmaram demonstrar.

O setor de petróleo e gás foi regiamente recompensado por abusar da confiança da opinião pública. Os americanos acabaram elegendo um presidente, George W. Bush, que comprou as afirmações do setor e tirou os EUA do Protocolo de Kyoto.

Dezesseis anos mais tarde, Trump, postado no Jardim das Rosas da Casa Branca, anunciou, com a mesma sofística, que o Acordo de Paris sobre o clima devastaria a economia dos EUA e custaria ao país cerca de 2,7 milhões de postos de trabalho, principalmente no setor de construção civil, até 2025. Esse cálculo, disse Trump no mês passado, era "da National Economic Research Associates".

Caso você esteja em dúvida, os primeiros dois autores do relatório citado por Trump - recém-publicado em março - são Bernstein e Montgomery. Desta vez, eles foram contratados pelo American Council for Capital Formation, um instituto de análise e pesquisa e grupo de lobby sediado em Washington com um histórico de encomendar estudos profundamente falhos usados para contestar a política climática.

Por toda a década de 1990, o setor de petróleo e gás e seus aliados aperfeiçoaram a arte de barrar o apoio dos EUA a iniciativas fundamentais de combate à mudança climática global. Os maestros, ao que parece, voltaram, e seu repertório não mudou. Nunca precisou mudar.

Além de encomendar estudos que afirmam que as políticas climáticas prejudicariam a economia dos EUA, o setor afirma sistematicamente que os esforços para enfrentar o aquecimento global seriam singularmente prejudiciais aos EUA, não reduziriam os riscos e poderiam impedir o alívio da pobreza. Todos esses três argumentos adicionais também aparecem no anúncio de Trump sobre o Acordo de Paris.

Quando uma tartaruga está sentada sobre um pilar, a gente sabe que ela não chegou lá por conta própria. O ressurgimento dos mesmos quatro argumentos desenvolvidos 25 anos atrás por um setor que se beneficia do protelamento das políticas climáticas - argumentos usados com grande sucesso precisamente porque sua origem e verdadeira finalidade estavam ocultas aos olhos da opinião pública - se parece muito com as quatro aceleradas patas da tartaruga.

Se a história rima, como teria dito Mark Twain, podemos prever o seguinte para os próximos meses: "estudos" econômicos, conteúdo on-line espalhafatoso, relatórios de institutos de análise e refinados grupos de fachada posando de organizações populares, todos patrocinados pelo setor. Esses são componentes de eficiência comprovada da estratégia empregada pelo setor de combustíveis fósseis e outros para barrar, obstruir e controlar a política climática.

Não podemos, de maneira nenhuma, permitir que o setor continue a obstruir a política climática. Isso significa rastrear o dinheiro que custeia a pseudociência do atraso, e pôr a nu os intelectuais cooptados que alimentam a opinião pública com falsas imagens de discussão.

Os mesmos argumentos - e as mesmas pessoas - usados pelo setor de combustíveis fósseis para barrar as políticas climáticas décadas atrás voltaram. Pelo bem da humanidade, não podemos deixá-los ter êxito de novo. (Tradução de Rachel Warszawski).

Benjamin Franta é ex-pesquisador-visitante do Belfer Center for Science and International Affairs da Faculdade de Governo Kennedy de Harvard, é um doutorando em história da ciência da Universidade de Stanford, onde sua pesquisa se concentra em política climática e manipulação da ciência.