27/10/2014 06:30 - O Globo
Responsável desde o mês passado por todo o sistema de
reboque e depósito de veículos apreendidos pela prefeitura do Rio — cujos
contratos devem movimentar cerca de R$ 60 milhões nos próximos dois anos —, a
JS Salazar está sendo investigada pelo Ministério Público ( MP) estadual por
suspeita de fraude numa licitação realizada há cerca de quatro anos para um
serviço semelhante em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. O inquérito
encontra-se sob sigilo, mas um dos pontos que está sendo apurado é se a empresa
teria usado "laranjas" na composição societária. Dados levantados
pelo GLOBO na Junta Comercial mostram que, apesar de ter um capital social de
R$ 7,5 milhões, os dois sócios da firma, Normélia e Jaílson dos Santos Salazar,
mãe e filho, moram numa casa simples também em São João de Meriti. A Secretaria
municipal de Ordem Pública (Seop), que realizou a contratação da JS Salazar,
nega qualquer irregularidade.
A investigação foi aberta quando a empresa ainda chamava-se
Alarm Rio. Antes da licitação para os reboques do Rio, o nome mudou para JS
Salazar, mas o CNPJ continua o mesmo até hoje. O MP também tem um outro
inquérito em andamento que apura "eventual conluio existente com agentes
públicos para a realização de apreensão, reboque, depósito e leilão de
automóveis”. A Alarm Rio ficou conhecida em 2012 após denúncias de envolvimento
no caso conhecido como "golpe do guincho”, em que carros apreendidos em blitzes
na capital eram levados irregularmente para o depósito da empresa na Baixada
Fluminense. O caso foi denunciado pelo jornal "Extra”. À época, a firma só
tinha autorização para atuar na cidade de São João de Meriti, cujo contrato com
a prefeitura local terminou naquele mesmo ano e não foi mais renovado. As taxas
cobradas chegavam a ser 200% maiores do que as da empresa então autorizada a
trabalhar na cidade do Rio. Depois que ganhou a licitação na capital este ano,
a JS Salazar transferiu sua sede, em um depósito em Meriti, para um imóvel na
Rua Murundu, em Padre Miguel, na Zona Oeste.
Desde o dia 1º de agosto, a JS Salazar opera o lote que
engloba Zona Oeste, Barra e Jacarepaguá do serviço de reboques. No dia 19 de
setembro, iniciou os trabalhos no lote restante (Centro e zonas Sul e Norte),
ficando com todo o Rio de Janeiro. A estimativa da licitação era que os
contratos movimentassem cerca de R$ 60 milhões até meados de 2016, valor que
foi baseado numa média de veículos apreendidos nos últimos anos. Mas, na
prática, a empresa receberá de acordo com a quantidade recolhida. Para se ter
uma ideia, um carro que permanece por um dia no pátio gera R$ 199,72 (R$ 142,25
de taxa de reboque e R$ 57,47 de diária). Deste valor, pouco mais de 17% ficam
com a prefeitura, e o resto vai para os cofres da firma. Somente no mês
passado, foram para o depósito da JS Salazar, no Recreio dos Bandeirantes,
3.358 veículos.
Desde que assumiu o serviço, a JS Salazar vinha descumprindo
pelo menos um item bastante claro nos dois editais das licitações que foram
vencidas pela empresa: todos os seus reboques teriam que ser emplacados na
capital fluminense. Mas não é isso que está ocorrendo. Repórteres do GLOBO
estiveram nos depósitos do Recreio e no do Centro na semana passada e, em ambos
os casos, todos os reboques vistos tinham placa de São João de Meriti. A Seop
minimizou o problema e informou em nota que a firma tem um prazo para
solucioná-lo. No edital, porém, não havia qualquer referência a prazo para
adaptação.
SECRETÁRIO: SERVIÇOS VÃO MELHORAR
Por vários dias, O GLOBO tentou contato por telefone e
pessoalmente com a empresa JS Salazar, sem sucesso. A última informação dada
por telefone, na casa de Normélia, uma idosa de 72 anos, é que ela teria
viajado. Ao menos até 2012, era ela quem constava como principal sócia e
administradora da empresa, inclusive nas convenções coletivas assinadas com
sindicatos de trabalhadores. Em julho deste ano, porém, seu filho Jaílson
passou a ter 98% das cotas da firma.
O secretário de Ordem Pública, Leandro Matieli, afirmou que
não há nada que desabone a empresa, que apresentou toda a documentação
necessária para participar das licitações. Ele acrescentou que os serviços
devem melhorar nos próximos meses, com a implementação de mais um depósito para
cada lote (Realengo e Inhaúma), para facilitar a vida dos motoristas que
tiverem seus carros rebocados:
— A empresa anterior não vinha fazendo um bom atendimento. O
fato de a JS Salazar estar sendo investigada não quer dizer que há nada
comprovado contra ela. Não é uma empresa inidônea e não poderíamos retirá- la
do pregão, que ela venceu de forma lícita.
Antes da JS Salazar, o serviço de reboques vinha sendo feito
pela Muriaé Transportes, com sede em São Paulo, que tinha contrato em vigor até
2016. Em junho deste ano, porém, o secretário anunciou a suspensão da Muriaé,
alegando que a firma não fazia um trabalho satisfatório. Mas como a empresa
ainda tem pagamentos a receber, o contrato não foi oficialmente suspenso. A
Seop informou que a Muriaé será notificada porque abandonou os serviços antes
de ser completada a transferência para a JS Salazar.
A Muriaé havia assumido o serviço de reboques em 2011, em
meio a uma crise instaurada na Seop. À época, uma operação da Delegacia de
Roubos e Furtos de Veículos (DRFA) desmantelou um esquema de liberação
irregular de carros apreendidos, que terminou com 19 pessoas presas. Mediante
pagamento, o bando conseguia apagar multas. A empresa responsável era a
Locanty, de Duque de Caxias, que teve o seu contrato suspenso após as
denúncias.
O sistema de reboque e depósito de veículos também apresentou problemas recentemente no Detran. Em outubro do ano passado, o órgão estadual rescindiu o contrato em vigor com a 2007 Ata Inovação, que foi declarada inidônea. A empresa havia iniciado os serviços em fevereiro de 2013 e tinha a previsão de receber quase R$ 100 milhões por três anos. Desde então, o próprio Detran passou a administrar seus pátios, e os reboques passaram a ser de responsabilidade do Departamento de Transportes Rodoviários (Detro).