Ainda tem dúvidas sobre home office no Brasil? - Stella Wilderom

05/06/2018 08:25 - Blog ‘Papo com Cris’

Por Stella Wilderom

Para quem ainda tinha dúvida sobre o home office no Brasil, os últimos dias tem sido altamente desafiadores. Independente do posicionamento político, da classe social ou região do país, todos temos sentido na pele o impacto da paralisação dos caminhoneiros.

Se por um lado temos visto manifestações humanas como carona, compartilhamento e ajuda mútua, também temos esbarrado em tentativas loucas de se levar vantagem das pessoas espalhando boatos, pânico e criando uma alucinação coletiva sobre a qual não vamos tratar aqui.

O tema desse post diz respeito a algo que soa lindo nas entrevistas de CEOs e em portais e revistas de gestão mas que, na vida real, passa longe de acontecer em muitos casos: o trabalho remoto, mais conhecido por aqui como home office.

Seja por dificuldade de cultura organizacional, principalmente quando temos gerações diferentes coexistindo sob o mesmo teto e com referências tão diferentes no que tange à trabalho e produtividade, seja por falta de capacitação dos gestores e ferramentas que os façam ser capazes de sentir que a produtividade vai além de alguém sentado ao seu lado trabalhando. Some-se ainda a isso a ausência de hábito dos nossos profissionais que, por falta de experiência em lidar com a situação ou receio de ser mal interpretados no ambiente de trabalho, relutam em adotar o sistema.

O fato é que, em uma situação como que estamos enfrentando de falta de combustível e limitação de locomoção, o teletrabalho se faz muito necessário e se demonstra incipiente Brasil afora. Participo de dezenas de grupos de bairros onde residi ou trabalhei e observa-se um tom de desolação de milhares de pessoas nesses fóruns comentando que sentem-se sim explorados por pagar mais pelo combustível, exaustos em passar 4,5h em uma fila ou ainda ludibriados com falsas informações correndo atrás de abastecimento pela cidade, mas que precisam comparecer aos seus trabalhos.

Podem me questionar aqui: mas essa é uma excepcionalidade, o gestor pode liberar a equipe, a empresa pode adotar políticas diferentes. Sim, claramente pode! Mas – na vida real – quantas realmente estão fazendo? E, se estão fazendo, por que então as pessoas se submetem a toda essa situação sob o medo de não chegar aos seus locais de trabalho?

Existe ainda um grande “buraco negro” no que tange à trabalhar de casa. Ainda existe preconceito, problemas trabalhistas e pessoais envolvidos que fazem com que essa modalidade ainda cresça aquém do que a tecnologia atual permite.

Um estudo da Universidade de Stanford (que pode ser acessado em todos seus detalhes aqui) observou que as pessoas trabalham mais felizes, mas que há uma série de dimensões que impactam o trabalhar remotamente, como pontuei acima. Mas é fato que para que o home office se ajuste aos ambientes organizacionais, há de se conjugar os fatores, cultura + educação + tecnologia de forma que trabalhem juntos para o resultado final sair a contento.

Como experiência pessoal, curiosamente a empresa em que desenvolvi uma carreira mais longeva foi justamente a que me contratou sob o regime de trabalho remoto. Era seu início de operações no país e, por vender mobilidade, ela se viu muito mais motivada a nos fazer usar a ferramenta e provar sua funcionalidade na vida real e manter seus custos mais enxutos do que colocar todos em baías em um escritório. Loucura considerando que isso foi há mais de uma década? Talvez, mas me gerou aprendizados que carrego até hoje e aplico no meu próprio negócio.

1.       Home office é trabalho como qualquer outro

Uma mística é que trabalhar em casa é mais relaxante, as pessoas acabam se desfocando com outras coisas e que a produtividade é menor. Na real, é bem o contrário: se você não toma cuidado, se vê respondendo mensagens fora do horário e jantando com seu notebook e fazendo uma call em meio ao jantar em família. A regra de outro do trabalho remoto aqui é organizar-se para produzir em horário comercial como se estivesse em um escritório e fazer as pausas do café, almoço e final de expediente.

2.       Eu não consigo me focar em casa

Claro que há perfis e perfis de pessoas, situações e situações mas essa é uma das desculpas mais comuns e mais questionáveis. Afinal a pessoa não consegue focar sozinha em um ambiente mas é procura loucamente uma sala de reunião vazia para se trancar e render mais no escritório? Pessoas reclamam de filhos e cônjuges em casa mas param para conversar com os colegas várias vezes durante o dia para falar de assuntos alheios à trabalho, coerência onde? Como comento há perfis e casos, mas conheço profissionais que se adaptaram e introduziram o home office perfeitamente às vidas e famílias, inclusive a filhos pequenos e pais idosos.

3.       O medo da falta de profissionalismo ao se dizer “trabalho em casa”

Quando fundei minha empresa há quase uma década, optamos por todo time trabalhar remotamente com reuniões de equipe e em clientes quando necessário de acordo com os projetos vigentes. Nesse meio tempo o negócio prosperou e muito (felizmente!), mas não é raro eu perder concorrências para o mercado por não ter uma sede para ostentar ou por clientes sentirem-se inseguros por contratar uma rede de pessoas que trabalha conectada virtualmente e não em uma sede física. O mercado melhorou? Sim, ainda bem! Mas ainda há um longo caminho e paradigmas a se quebrarem, inclusive falo mais sobre isso em outro post no Linkedin, onde conto como recebo meus clientes em casa, sem o menor constrangimento!

4.       Confiar, delegar e exercer empatia

Lembro-me de ter trabalhado em uma empresa que contratava todos nós como home-office, fornecia toda infra estrutura necessária (desde computadores, celulares, planos de voz e dados passando até por mobiliário, impressora entre outros) e havia executivos – meus pares – que iam diariamente ao escritório e obrigavam sua equipe a estar lá com um rigor digno de área fabril. Estavam errados? Em tese não… Motivavam seus times? Em muitos casos, não! Eram motivo de fofocas de corredor, reclamações e constantes vítimas de turnover pois seus times se sentiam injustiçados por não gozar do benefício dos colegas… Muitas vezes sou duramente questionada pelos clientes como posso “garantir” que a equipe que os atende é dedicada, produtiva e comprometida e minha resposta é simples: contrato corretamente! Como assim? Busco perfis que querem trabalhar remotamente, que enxergam valor nesse benefício de carreira, que se encantam em trabalhar amparados pelas tecnologias de gestão de trabalho e projetos online, video confs e toda sorte de apps e ferramentas de produtividade e conexão. Resultado: quem entra em nossa equipe fica, quem sai porque o projeto terminou quer voltar.

5.       Entender que somos, apesar de tudo, humanos

E que é normal acordar mais motivado alguns dias, outros menos. Que um problema em casa nos desfoca e resolvê-los e depois voltar às atividades é melhor do que ficar em um escritório sofrendo. É saber que quem entra pra trabalhar as 11am e prefere produzir até as 20h e que quem começa as 6h para ficar livre as 16h é tão profissional quanto… Que trabalhar em um escritório, numa cafeteria ou em uma biblioteca não são deméritos ou coisas da geração Y ou Z mas sim formas de ser produtivo à maneira de cada um. Um VP, certa vez, ao me entrevistar me disse “eu não me importo, de verdade, como você trabalha: se você acorda meio dia mas entrega, seus resultados são bons, você está bem avaliada pelos seus pares e superiores para mim está ótimo”. À época isso me soou uma demagogia sem fim mas, ao longo da carreira e gerenciando pessoas em países e fusos distintos foi uma das frases que mais me marcou. Afinal de contas, o que é ser produtivo para cada um de nós? Por que forçarmos o outro para se adaptar ao nosso modelo?

Honestamente, esse é um tema que me fascina, poderia escrever um tratado (será que isso me anima a escrever um novo livro para somar aos demais da minha carreira?), mas encerro essa reflexão aqui deixando as provocações acima e convidando vocês: executivos, empreendedores, funcionários a refletir sobre o tema e pensar “por que não?”. Se eu puder contribuir positivamente para que mais empresas e pessoas abracem a causa e tenhamos um mundo menos estressado, com pessoas presas no trânsito e lutando para equilibrar os aspectos pessoais e profissionais, sentirei que o propósito desse artigo está mantido!

Stella Wilderom - diretora de operações e sócia fundadora da BunnyCo.