Alto índice de poluição faz Rio Ninguém ser considerado valão

01/10/2015 07:16 - O Globo

RIO — O nome, Rio Ninguém. O tamanho, 3,2 quilômetros. A nascente, provavelmente em algum ponto do Morro do Fubá, em Cascadura — a Secretaria municipal de Saneamento e Recursos Hídricos diz que não há registro indicando sua posição exata. A foz, por sua vez, tem localização conhecida e visível: na Rua José Carvalho Salgado, perto da Escola Municipal Mozart Lago, em Oswaldo Cruz.

É nesse deságue no Rio das Pedras que o Ninguém ganhou uma espécie de atestado de óbito — o que, por ironia do destino, o torna um "ninguém” em termos ambientais. A pedido do GLOBO, o laboratório Laqam avaliou a qualidade da água do rio na foz. Talvez tenha sido a primeira análise do tipo feita ali — o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) afirmou, em nota, nunca ter realizado esse monitoramento. Na amostra coletada pelo Laqam no último dia 21, foram encontrados 0,1 mg/L de oxigênio dissolvido na água e mais de 24.196 NMP/100mL de coliformes termotolerantes. Pesquisador do Laboratório de Hidrologia e Estudos do Meio Ambiente da Coppe/UFRJ, Paulo Carneiro afirma que os números indicam que o Ninguém, como muitos corpos hídricos cariocas, pode ser considerado um "rio morto”.

— A entrada de matéria orgânica supera a capacidade de autodepuração do sistema hídrico. Nessas condições, não é possível a manutenção de vida aeróbica, como peixes. Quando o rio se encontra nessas condições, dizemos que está morto — afirma Carneiro. — É preciso ressaltar que esse estágio é ao menos parcialmente reversível, se forem interrompidos ou controlados os lançamentos de esgoto.

NINGUÉM SABE ORIGEM DO NOME

A negação não está só no nome ou na qualidade da água do Rio Ninguém: está também no próprio reconhecimento de sua existência. Geová José de Oliveira, de 49 anos, cultiva hortas numa área de servidão da Light em Cascadura, pela qual passa o rio. Ele é categórico quando perguntado sobre o (naquele trecho) córrego:

— Nome? Não tem nome, não. É esgoto! — disse Oliveira, que entra no rio para limpá-lo com botas e capa, evitando cheias.

O esgoto ao qual se refere o agricultor é, segundo a Cedae, coletado em 80% dos bairros por onde passa o Rio Ninguém — Cascadura, Madureira e Oswaldo Cruz. De acordo com a companhia, está sendo elaborado um projeto para que suas águas passem pela Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Penha ou por outra. As águas do Ninguém se ligam sucessivamente às dos rios das Pedras, Acari e São João de Meriti, desembocando na Baía de Guanabara.

O aposentado Alberto Augusto, de 79 anos, mora com a mulher há 58 em Oswaldo Cruz, ao lado de um trecho do Rio Ninguém. Ele, diferentemente de muitos cariocas, conhece o nome e o trajeto do curso d’água. O aposentado se lembra de enchentes e de posteriores canalizações, que, a seu ver, amenizaram o problema. A origem do nome "Ninguém”, no entanto, Alberto desconhece.

— Seria ótimo ter alguém para esclarecer isso. Eu sempre tive curiosidade de saber — conta, reclamando dos vizinhos que jogam lixo no leito do rio.

A resposta para a curiosidade de Alberto, porém, não consta em documentos do Arquivo Geral da Cidade ou na Biblioteca Nacional. A pesquisa, feita pelo GLOBO, também foi realizada pelo advogado especialista em direito ambiental Francisco Carrera, que busca patrocínio para publicar seu livro "Rios do Rio”.

— A região por onde passa o rio já foi ocupada por glebas que pertenciam aos jesuítas. Com a expulsão deles, as terras foram divididas entre proprietários locais. Talvez o nome tenha nascido nesse momento de divisão de terras, por ninguém saber a quem pertencia o rio. Não há registro disso, mas essa é a minha suposição e a de outras pessoas — afirma Carrera, que passou nove meses pesquisando os rios da cidade.

TRAÇADO TEM FALHAS EM MAPA DIGITAL

No mapa digital da BaseGeo, do Instituto Pereira Passos (IPP), o rio é um nada. O que é o início do Ninguém para a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos, em Cascadura, aparece sem nome. Por outro lado, o mapa mostra o começo do rio em Quintino. Em nota, o IPP admitiu o erro e afirmou que está trabalhando para corrigi-lo: "Ocorreram várias intervenções nesta área. Estas modificaram a rede de drenagem, alterando e causando mudanças até mesmo na designação dos rios”.

De fato, o Rio Ninguém coleciona intervenções. Por exemplo, parte de seu percurso em Cascadura foi, no passado, desviada para o Rio Timbó Superior. A próxima intervenção prevista é o desassoreamento em seu deságue, a ser feito até o fim do ano. Muitos moradores expuseram o desejo de que o rio fosse "tapado”. Para Paulo Carneiro, esse é um "posicionamento passivo”:

— Os rios da cidade se tornaram inaproveitáveis para lazer ou abastecimento. O desejo de tapá-los tem a ver com problemas que geram atualmente, como mau cheiro e inundações. Mas essa resposta é passiva, pois não resolve a questão do saneamento. É preciso cobrar do poder público.