25/08/2013 09:13 - O Povo - Fortaleza
Leia sobre o tema: A
saída possível
Indefinição
jurídica amplia conflito na área do Cocó
Arquitetos
e estudantes defendem obras alternativas no Parque do Cocó
Viadutos
estaduais: Engarrafados, mas com menos problemas urbanos
Fortaleza:
Urbanistas questionam construção de viadutos na cidade
Entrada de Fortaleza
pela ponte sobre o Rio Ceará: sem planejamento, uma cidade se torna inacessível
O episódio do viaduto no entroncamento da avenida Antônio
Sales com Eng. Santana Jr, proposto pelo poder público municipal e contestado
por diversos segmentos sociais, traz à tona questões importantes sobre o
processo de planejamento da cidade de Fortaleza. Em primeiro lugar, é
importante registrar um sentimento generalizado dos moradores de Fortaleza de
insatisfação com relação à qualidade ambiental de nossos espaços públicos.
Trata-se de um problema de quantidade e de qualidade. É ponto pacífico entre os
estudiosos da urbanidade que as características espaciais são capazes de moldar
– positiva ou negativamente – o comportamento social. Se o espaço é ruim, só
frequentamos se não tivermos alternativas; se o espaço é agradável, fazemos
questão de estar lá. Neste sentido, fechar aquela porta de entrada para o Cocó,
pode ser um golpe profundo para termos um verdadeiro parque urbano. Se a ânsia
de resgatar a usabilidade de nossos espaços públicos não foi suficiente para
iniciar o movimento de resistência ao projeto do viaduto, ela certamente foi
capaz de ampliar a repercussão de seu questionamento.
Se, por um lado, poucos discordam (alguém?) que nossos
espaços urbanos sofrem um processo de perda da qualidade ambiental, por outro
lado, poucos questionam as razões deste processo. Fala-se comumente que
Fortaleza é uma cidade desordenada sem uma compreensão do que seria um processo
de planejamento capaz de assegurar a almejada qualidade ambiental urbana.
Sabe-se que planejamento requer aplicação de instrumentos capazes de antever
problemas que tendem a acontecer no futuro. Entretanto, como nenhuma sociedade
é homogênea, é preciso pensar a respeito da definição do problema. O que é
solução para uns, pode constituir um problema para outros. Para ficar apenas em
um exemplo pertinente ao momento atual: se, para alguns, aumentar a largura das
vias é uma solução de planejamento no sentido de que é necessário antever uma
tendência de aumento da frota de veículos, para outros grupos sociais, muito
carro na rua em si constitui um problema.
Gestão urbana
Trabalhar essas contradições requer implementar mecanismos
que assegurem a supremacia do interesse coletivo sobre o interesse individual –
trata-se do conceito de função social da propriedade, presente no ordenamento
jurídico brasileiro. Neste sentido, talvez o instrumento com maior capacidade
de assegurar uma perspectiva plural e diversificada a respeito dos problemas
urbanos é o Conselho de Desenvolvimento Urbano. Um órgão que conte com a
representação de diversos setores da sociedade, que emita pareceres sobre
questões que não estavam claras nos planos vigentes.
No contexto brasileiro, temos um exemplo recente do papel
exercido por um Conselho de Desenvolvimento Urbano. No dia 18 de junho deste
ano, no calor das ondas de manifestações, o Conselho da Cidade de São Paulo
(criado em gestões anteriores) sugere rever a decisão do aumento da tarifa do
transporte público de 20 centavos. Ao final do dia, essa decisão foi acatada
pelo prefeito. O Conselho trouxe legitimidade política para a decisão e
permitiu ainda que questões técnicas fossem postas à mesa por diversos segmentos
representados ali. O Conselho é não apenas um instrumento de democracia, mas de
transparência, fundamental numa estrutura de planejamento eficaz.
Fortaleza, em contraste, conta com vários planos – todo
início de gestão há uma movimentação no sentido de formular ou atualizá-los –
mas não conta com uma estrutura de planejamento capaz de efetivá-los. O número
reduzido de técnicos que fazem parte do quadro municipal, e a ausência de
informações urbanísticas a respeito da gestão cotidiana da cidade também
contribui para esse cenário caótico. Enquanto em Lisboa, o projeto de um novo
loteamento fica meses a disposição da população para que a mesma levante
questionamentos a seu respeito antes de o poder público aprová-lo; enquanto em
Nova York o cidadão tem acesso às intenções de alteração das regras de uso e
ocupação do solo através de uma página da internet que permite registrar a sua
opinião; enquanto a administração municipal de Londres publica os "Habite-se”
concedidos num prazo de 3 meses após a concessão... em Fortaleza, altera-se as
regras na Câmara Municipal sem que os principais atingidos pelas mudanças
percebam. Para piorar, o debate sobre a criação do Conselho da Cidade, iniciado
após a Conferência da Cidade de maio deste ano, foi abortado pela Prefeitura
"em virtude da necessidade de aproximar o conjunto da gestão municipal às
discussões sobre o tema”, conforme email enviado ao grupo que estava se
formando.
Inacessibilidade
Sem instrumentos de debate com os diversos grupos sociais,
sem informação integrada sobre o todo da cidade, e sem uma estrutura de
planejamento, a tendência futura é o agravamento das questões atuais. A
tendência é a substituição de espaços destinados a praças por espaço viário e
por assentamentos irregulares de alta e de baixa renda. A tendência é a
expansão demasiada do perímetro urbano, sem que se tenha condição de
universalizar a rede de serviços públicos (e particularmente de mobilidade). A
tendência é a concentração demasiada de atividades geradoras de empregos em uma
pequena porção da cidade, porção esta que se torna não apenas inacessível
fisicamente devido ao problema de mobilidade, mas também inacessível
financeiramente para uma parte significativa da população, que se vê obrigada a
escolher entre morar em áreas insalubres com boas condições de acessibilidade,
ou na periferia gastando duas horas diárias de deslocamento. De acordo com a
pesquisa amostral do IBGE de 2010, a população que apresenta maior tempo de
deslocamento casa-trabalho reside no limite sudoeste do município – direção
oposta do viaduto em questão.
Contudo, os questionamentos relacionados ao viaduto vão além
pertinência ou não da intervenção. Devemos refletir a respeito de seu processo
decisório: em que medida ele apresenta respeito às rotinas e procedimentos de
licenciamentos? A construção do empreendimento nas bases atuais apenas
contribui para o cenário de ausência de processos decisórios transparentes
sobre a alocação espacial de investimentos na cidade, e sobre as regras de
controle do uso e ocupação do solo e desinformação urbanística. A meu ver,
iniciar um processo de reversão desse cenário é a questão mais urgente.
Clarrisa Freitasé arquiteta, urbanista e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Outros planejamentos
Qualidade de Vida
Na última semana, o Observatório das Metrópoles -instituto
virtual ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro e que reúne
pesquisadores e entidades de todo o País - divulgou seu ranking de qualidade de
vida nas 15 principais metrópoles brasileiras, Campinas (SP) lidera o ranking,
seguida por Florianópolis e Curitiba. Fortaleza aparece em 11o. lugar.
O Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU) procura avaliar a dimensão do bem-estar nessas cidades através de critérios como mobilidade urbana; condições ambientais; condições habitacionais; e serviços coletivos.Numa variação que vai de 0 a 1, Fortaleza obteve um Ibeu de 0,564. A "nota” para nossa mobilidade urbana foi de 0,790. Já nossas condições ambientais ficaram apenas com 0,498. A relação completa pode ser conferida no site http://www.observatoriodasmetropoles.net