A agência estadual que regula as concessões de rodovias de
São Paulo (Artesp) concluiu que empresas que exploram os pedágios paulistas
tiveram um ganho indevido de R$ 2 bilhões até 2012.
O motivo foram alterações nos contratos feitas em dezembro
de 2006, no final da gestão Cláudio Lembo (PSD) --que, na prática, permitiram
um aumento da margem de lucro das concessionárias.
A conclusão levou a agência reguladora, hoje sob comando do
governo Geraldo Alckmin (PSDB), a abrir processos sigilosos para anular as dez
alterações contratuais realizadas na época.
Esses processos, em andamento, têm aval da
Procuradoria-Geral do Estado. Não há prazo para conclusão.
As concessionárias de rodovias dizem que os aditivos de 2006
seguiram critérios técnicos e que não houve ganho indevido (leia na pág. C4).
Os R$ 2 bilhões equivalem a cerca de três meses de
arrecadação de pedágios no Estado e a cerca de 40% do custo do trecho sul do
Rodoanel.
TRIBUTOS
Os estudos que apontam as distorções são da Fipe (Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas), que há dois anos foi contratada pela
Artesp, por R$ 3,2 milhões, para avaliar os aditivos e a estrutura das concessões.
As mudanças feitas em 2006 envolveram um reequilíbrio
econômico-financeiro dos contratos, com a inclusão de obras e a prorrogação dos
prazos de concessão por até oito anos e quatro meses.
Os ganhos indevidos, segundo a conclusão da agência, foram
motivados principalmente por dois fatores:
1) projeções superestimadas de recolhimento de tributos
(ISS, PIS e Cofins) pelas concessionárias de rodovias.
A auditoria aponta que foram feitas estimativas infladas no
aditivo, em vez de cálculos a partir de valores efetivamente desembolsados.
Em casos anteriores, houve critérios diferentes. Mas eles
não envolviam extensão de prazos contratuais.
2) contas superestimadas de perdas sofridas pelas empresas
em anos anteriores -- por exemplo, por adiamento de reajuste do pedágio.
A consequência prática desses dois fatores foi o aumento da
TIR (Taxa Interna de Retorno), que afeta a margem de lucro das empresas.
Ofícios encaminhados pela Artesp às concessionárias afirmam,
por exemplo, que a TIR da ViaOeste (que administra a Castello Branco e a Raposo
Tavares) subiu de 19,33% para 20,51%. A taxa da AutoBan (Anhanguera e
Bandeirantes) teve alta de 19,78% para 20,25%.
Com isso, ao longo da concessão, uma empresa poderia elevar os ganhos em até 25%.
OUTRO LADO
Empresas de rodovias
negam ganho indevido
Concessionárias de SP dizem haver critérios técnicos em cálculos e
questionam estudos para anular aditivos
As concessionárias de rodovias dizem que os aditivos
contratuais feitos em 2006 seguiram critérios técnicos e negam ganhos
indevidos.
Elas questionam os estudos que embasam a tentativa de
anulação dos aditivos --e apontam a remuneração adicional de R$ 2 bilhões.
As empresas dizem aguardar a conclusão dos processos. Mas,
para elas, os ajustes eram corretos e buscaram recompor, por exemplo, tributos
pagos e queda de receita devido ao atraso para iniciar a cobrança de pedágio.
Elas não comentam detalhes dos questionamentos feitos pela
Artesp (como os cálculos superestimados no pagamento de tributos) porque os
processos estão sob sigilo.
A CCR, responsável pela maior quantia contestada, diz que
discorda dos relatórios econômicos da Fipe.
"O processo administrativo [..] ainda está em curso e
foi contestado exatamente por discordarmos dos referidos relatórios. O grupo
CCR aguardará a decisão final administrativa para, eventualmente, comentar o
caso."
Na defesa dos processos, a CCR afirma que a lei das
concessões não permite que se faça a revisão da forma como pretende a Artesp.
O grupo argumenta que está "disponível para colaborar
com o poder público, considerando o respeito aos contratos e à segurança
jurídica do modelo de concessão".
A Arteris, que sucedeu a OHL na gestão das concessionárias
Autovias, Centrovias, Intervias e Vianorte, afirma que os aditivos firmados
"são legítimos, legais e aprovados pelos órgãos competentes".
"Os cálculos [...] foram desenvolvidos com metodologia
prevista nos contratos e amplamente utilizada no segmento. Eventuais
questionamentos técnicos pontuais são tratados em processos administrativos
entre agência reguladora e concessionária."
A Ecovias defende os aditivos de 2006. "[Eles] não
beneficiaram ou favoreceram a concessionária, são legais e foram devidamente
aprovados pelos órgãos competentes". A Tebe, a Triângulo do Sol e Rodovia
das Colinas não se manifestaram.
O ex-governador Cláudio Lembo diz que os processos foram conduzidos pela Artesp e que o governo "tem todo o direito" de fazer alterações que considerar necessárias. Disse desconhecer detalhes. O ex-diretor-geral da Artesp Ulysses Carraro não respondeu a perguntas da Folha.
Anulação de aditivo
pode provocar diminuição de tarifa de pedágio
A eventual anulação dos aditivos contratuais assinados em
2006 poderá provocar a redução da tarifa de pedágio cobrada nas rodovias,
promessa de campanha do governador Geraldo Alckmin.
A queda no valor cobrado dos motoristas seria uma das
alternativas para compensar os ganhos indevidos de R$ 2 bilhões --questionados
pela Artesp (agência reguladora).
A Folha teve acesso a relatórios da Fipe e aos pareceres
jurídicos da Procuradoria-Geral do Estado que sustentam os processos de
anulação das mudanças nos contratos com as concessionárias.
O maior ganho indevido calculado pela Fipe --pouco mais de
R$ 1 bilhão-- se refere a concessões feitas à CCR, grupo que administra
rodovias como Bandeirantes, Anhanguera, Raposo Tavares e Castello Branco.
A CCR chegou a entrar este ano na Justiça para tentar barrar
a revisão dos aditivos. As demais empresas discutem esse tema em instância
administrativa na Artesp.
'ERRO INSANÁVEL'
Um dos pareceres jurídicos que embasam a tentativa de
anulação diz que o "reequilíbrio operado em 2006 foi maculado de erro
insanável", que considerou o "impacto fictício na equação",
causando "locupletamento sem causa da concessionária".
"Como sustentar que o Estado arque com valores relativos a tributos que a concessionária efetivamente não recolheu?", questiona.