Auditoria diz que concessionárias de SP tiveram ganho indevido de R$ 2 bi

19/07/2013 06:54 - Folha de SP

A agência estadual que regula as concessões de rodovias de São Paulo (Artesp) concluiu que empresas que exploram os pedágios paulistas tiveram um ganho indevido de R$ 2 bilhões até 2012.

O motivo foram alterações nos contratos feitas em dezembro de 2006, no final da gestão Cláudio Lembo (PSD) --que, na prática, permitiram um aumento da margem de lucro das concessionárias.

A conclusão levou a agência reguladora, hoje sob comando do governo Geraldo Alckmin (PSDB), a abrir processos sigilosos para anular as dez alterações contratuais realizadas na época.

Esses processos, em andamento, têm aval da Procuradoria-Geral do Estado. Não há prazo para conclusão.

As concessionárias de rodovias dizem que os aditivos de 2006 seguiram critérios técnicos e que não houve ganho indevido (leia na pág. C4).

Os R$ 2 bilhões equivalem a cerca de três meses de arrecadação de pedágios no Estado e a cerca de 40% do custo do trecho sul do Rodoanel.

TRIBUTOS

Os estudos que apontam as distorções são da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), que há dois anos foi contratada pela Artesp, por R$ 3,2 milhões, para avaliar os aditivos e a estrutura das concessões.

As mudanças feitas em 2006 envolveram um reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, com a inclusão de obras e a prorrogação dos prazos de concessão por até oito anos e quatro meses.

Os ganhos indevidos, segundo a conclusão da agência, foram motivados principalmente por dois fatores:

1) projeções superestimadas de recolhimento de tributos (ISS, PIS e Cofins) pelas concessionárias de rodovias.

A auditoria aponta que foram feitas estimativas infladas no aditivo, em vez de cálculos a partir de valores efetivamente desembolsados.

Em casos anteriores, houve critérios diferentes. Mas eles não envolviam extensão de prazos contratuais.

2) contas superestimadas de perdas sofridas pelas empresas em anos anteriores -- por exemplo, por adiamento de reajuste do pedágio.

A consequência prática desses dois fatores foi o aumento da TIR (Taxa Interna de Retorno), que afeta a margem de lucro das empresas.

Ofícios encaminhados pela Artesp às concessionárias afirmam, por exemplo, que a TIR da ViaOeste (que administra a Castello Branco e a Raposo Tavares) subiu de 19,33% para 20,51%. A taxa da AutoBan (Anhanguera e Bandeirantes) teve alta de 19,78% para 20,25%.

Com isso, ao longo da concessão, uma empresa poderia elevar os ganhos em até 25%.

OUTRO LADO

Empresas de rodovias negam ganho indevido

Concessionárias de SP dizem haver critérios técnicos em cálculos e questionam estudos para anular aditivos

As concessionárias de rodovias dizem que os aditivos contratuais feitos em 2006 seguiram critérios técnicos e negam ganhos indevidos.

Elas questionam os estudos que embasam a tentativa de anulação dos aditivos --e apontam a remuneração adicional de R$ 2 bilhões.

As empresas dizem aguardar a conclusão dos processos. Mas, para elas, os ajustes eram corretos e buscaram recompor, por exemplo, tributos pagos e queda de receita devido ao atraso para iniciar a cobrança de pedágio.

Elas não comentam detalhes dos questionamentos feitos pela Artesp (como os cálculos superestimados no pagamento de tributos) porque os processos estão sob sigilo.

A CCR, responsável pela maior quantia contestada, diz que discorda dos relatórios econômicos da Fipe.

"O processo administrativo [..] ainda está em curso e foi contestado exatamente por discordarmos dos referidos relatórios. O grupo CCR aguardará a decisão final administrativa para, eventualmente, comentar o caso."

Na defesa dos processos, a CCR afirma que a lei das concessões não permite que se faça a revisão da forma como pretende a Artesp.

O grupo argumenta que está "disponível para colaborar com o poder público, considerando o respeito aos contratos e à segurança jurídica do modelo de concessão".

A Arteris, que sucedeu a OHL na gestão das concessionárias Autovias, Centrovias, Intervias e Vianorte, afirma que os aditivos firmados "são legítimos, legais e aprovados pelos órgãos competentes".

"Os cálculos [...] foram desenvolvidos com metodologia prevista nos contratos e amplamente utilizada no segmento. Eventuais questionamentos técnicos pontuais são tratados em processos administrativos entre agência reguladora e concessionária."

A Ecovias defende os aditivos de 2006. "[Eles] não beneficiaram ou favoreceram a concessionária, são legais e foram devidamente aprovados pelos órgãos competentes". A Tebe, a Triângulo do Sol e Rodovia das Colinas não se manifestaram.

O ex-governador Cláudio Lembo diz que os processos foram conduzidos pela Artesp e que o governo "tem todo o direito" de fazer alterações que considerar necessárias. Disse desconhecer detalhes. O ex-diretor-geral da Artesp Ulysses Carraro não respondeu a perguntas da Folha.

Anulação de aditivo pode provocar diminuição de tarifa de pedágio

A eventual anulação dos aditivos contratuais assinados em 2006 poderá provocar a redução da tarifa de pedágio cobrada nas rodovias, promessa de campanha do governador Geraldo Alckmin.

A queda no valor cobrado dos motoristas seria uma das alternativas para compensar os ganhos indevidos de R$ 2 bilhões --questionados pela Artesp (agência reguladora).

A Folha teve acesso a relatórios da Fipe e aos pareceres jurídicos da Procuradoria-Geral do Estado que sustentam os processos de anulação das mudanças nos contratos com as concessionárias.

O maior ganho indevido calculado pela Fipe --pouco mais de R$ 1 bilhão-- se refere a concessões feitas à CCR, grupo que administra rodovias como Bandeirantes, Anhanguera, Raposo Tavares e Castello Branco.

A CCR chegou a entrar este ano na Justiça para tentar barrar a revisão dos aditivos. As demais empresas discutem esse tema em instância administrativa na Artesp.

'ERRO INSANÁVEL'

Um dos pareceres jurídicos que embasam a tentativa de anulação diz que o "reequilíbrio operado em 2006 foi maculado de erro insanável", que considerou o "impacto fictício na equação", causando "locupletamento sem causa da concessionária".

"Como sustentar que o Estado arque com valores relativos a tributos que a concessionária efetivamente não recolheu?", questiona.