Barcelona não é aqui - Julia Michaels

06/03/2016 08:39 - O Globo

A ideia foi sediar megaeventos para criar um branding da metrópole, atraindo turistas e investimento. Barcelona era nosso modelo, até depois do êxito de nossa candidatura para as Olimpíadas de 2016. Os Jogos teriam que servir à cidade, não o contrário, dizia o prefeito Eduardo Paes, repetindo o que aprendera na capital da Catalunha.

Só que o Rio de Janeiro não é capital de uma província, uma cidade charmosa, porém menor entre uma gama de destinos possíveis na Europa. A população de Barcelona é de 1,6 milhão, enquanto a nossa é de 6,4 milhões.

Como pudemos acreditar que nosso problema residia no âmbito do marketing?

Os economistas tradicionais, durante décadas, teorizavam que a relação de dependência do país com outras nações era a causa principal da pobreza brasileira. Não conseguiram enxergar o óbvio: que, em grande parte, o problema era nossa capacidade para manter a pobreza. Investimos na substituição das importações, premiando grandes empresas. O petróleo — não a sala de aula — era nosso!

Do mesmo jeito, as autoridades daqui — e seus consultores, catalães e locais — viveram na cegueira.

O turista típico no Rio de Janeiro anda a pé e utiliza o transporte público (desconfio que não seja o caso de nossas autoridades nem dos consultores). Quem aproveita a escala mais humana da metrópole se encanta com a vida na rua que nosso clima permite, ao contrário de tantas outras cidades. Curte a espontaneidade, a música e a criatividade do povo. Aplaude o pôr do sol, sacode o quadril, degusta uma tapioca feita na hora por um vendedor ambulante.

Quando perguntado, em pesquisas de opinião, o turista aponta problemas, sim: falta de segurança e sujeira demais. Estamos trabalhando para melhorar a metrópole nesses aspectos. Mas — era preciso ter megaeventos para criar UPPs e multar quem joga lixo na rua? No caso da Baía de Guanabara, nem os Jogos Olímpicos conseguiram mobilizar nossos governantes, na medida necessária.

É sempre mais fácil olhar para fora do que se mirar na cara. Pensamos nos megaeventos como meio de mudar a relação com o mundo. O que deixamos de ver é que nosso produto já era muito bom: o Rio é uma das cidades mais bonitas do mundo, com um estilo de vida único, inesquecível. Apesar das queixas, é comum o visitante dizer sonhar em morar aqui.

Há um outro aspecto que é difícil de encarar, porém, algo que nem o branding consegue reverter: nossa desigualdade. Estamos tão acostumados a ela que não a questionamos. Viajamos a outras cidades, mais limpas, organizadas e seguras — e pensamos que o Rio de Janeiro precisa de ordem!

Não perguntamos a origem de nossa desordem. Será que vem, além da falta de educação ou de cultura, da impunidade para os mais fortes, de terras sem donos facilmente identificados, da crença de que sempre haverá alguém para limpar nossa sujeira? Ou seja, será que não surge da desigualdade?

Já perdemos a chance, nessa rodada, de encarar as mazelas de forma direta. O legado das Olimpíadas será a mobilidade, tema polêmico para quem anda de transporte público. O Morar Carioca, badalado nestas mesmas páginas, que iria urbanizar todas as favelas até 2020, efetivamente não aconteceu. A pacificação anda bamba, a saúde se agrava, e ainda existe um abismo entre escolas particulares e as públicas. A baía não foi limpa, muito menos as águas em torno do Parque Olímpico.

Espero viver o suficiente para ver uma próxima rodada, durante a qual o Rio de Janeiro metropolitano repense a moradia, o saneamento, a saúde e a educação. Uma rodada não de ordem e de metas estratégicas, mas de visão e de justiça. Somente assim é que teremos um “produto” bom de vender — tarefa fácil, para nossa cidade verdadeiramente maravilhosa. Será de boca a boca.