Centenas de cidades argentinas correm risco de sumir do mapa

26/03/2017 09:22 - O Globo

CASTILLA, Argentina - A placa de bronze que decora a pequena — e hoje abandonada — estação ferroviária da cidade argentina de Castilla, a 150 quilômetros de Buenos Aires, lembra que o trem chegou ao lugar, pela primeira vez, em 1885. Foi o começo de uma história que alcançou seu auge entre as décadas de 1930 e 1960 do século passado. O que veio depois se repetiu em muitos outros vilarejos da Argentina: a perda gradual e permanente de população até chegar, atualmente, ao risco de sumir do mapa. De acordo com trabalho da ONG Responde, que nasceu para dar visibilidade a cidades como Castilla, este é o drama com o qual convivem cerca de 800 pequenas cidades no país.

Algumas, como San Mauricio, também na província de Buenos Aires, já não aparecem no Censo de 2010, o último realizado no país. Castilla ainda está lá, mas desde a década de 1980 enfrenta a migração de moradores e o desaparecimento de serviços importantes, como o ferroviário. Desde o ano passado, o trem não passa mais por lá e a simpática estação está completamente deserta. Virou uma espécie de museu, que traz à memória o esplendor de outras épocas. Castilla tampouco está conectada a outras cidades com linhas de ônibus e seus 642 habitantes também carecem de um posto de gasolina (o mais próximo está a 40 quilômetros), sucursal bancária, correio e até mesmo jornaleiro (nenhum jornal, nacional ou local, chega ali).

Sem ônibus, gasolina ou banco

No ano passado, na esteira da vitória de Mauricio Macri como presidente, o engenheiro informático Santiago Luis Terrile foi eleito prefeito do vilarejo, com 82% dos votos. Ele, que milita na aliança governista Mudemos, venceu um candidato que representava o peronismo kirchnerista, também derrotado nas urnas pelo atual chefe de Estado argentino. Como Macri, o prefeito de Castilla diz ter recebido de seus antecessores kirchneristas uma cidade em ruínas (no caso do presidente, um país falido) que hoje luta por sua sobrevivência.

Em 2001, a cidade tinha 827 habitantes. Durante seus melhores anos, funcionavam na região cerca de 40 plantas produtoras de leite e outros produtos, que abasteciam fábricas próximas de queijo e doce de leite. Uma a uma, elas foram fechando suas portas e hoje Castilla praticamente não tem atividade econômica. Isso explica porque 30% de sua população são aposentados.

Terrile foi eleito, como Macri, com a esperança de que a cidade possa ressurgir das cinzas. E o prefeito, como o presidente, está otimista, apesar das dificuldades encontradas no início de gestão:

— Esta é uma região com muitas potencialidades. Estamos terminando uma estrada de acesso à cidade que vai nos ajudar muito e esperamos conquistar outras metas, como abrir um posto de gasolina e uma escola de ensino médio — comentou o prefeito ao GLOBO.

A concentração urbana na Argentina é alta: cerca de 40% da população vive em 0,14% do território nacional. O caso de Castilla é apenas um, entre muitos. De acordo com Ruben Parasporo, da ONG Responde, muitas cidades estão perdendo população e o mais grave dessa tendência é que seus habitantes acabam de frustrando nas grandes cidades.

— A maioria vai para os subúrbios de Buenos Aires, Rosario, Santa Fe e Mendoza, entre outras cidades, onde convivem com imigrantes estrangeiros e não encontram as oportunidades que procuram — lamentou Parasporo. — As pessoas nascidas nestes vilarejos acabam perdendo sua identidade, decepcionados. É uma situação muito delicada.

Tentativa de evitar esvaziamento

Segundo ele, as pequenas cidades argentinas estão num gradual processo de desaparecimento por diferentes razões:

— Falta de alternativas de trabalho, de instituições educacionais e a perda de meios de transporte essenciais, como o trem.

Muitas das cidades mencionadas pela ONG em seus trabalhos nasceram com a chegada do sistema ferroviário. A missão da Responde é criar programas culturais, de recuperação edilícia e jornadas de capacitação para cidades como Castilla, na tentativa de ajudá-las recuperar o vigor perdido.

— As estações de trem eram lugares centrais nestas cidades. Era o ponto de contato com a capital do país e de lá saia a produção rural dessas regiões, hoje esquecidas — explicou ao GLOBO o pesquisador. — Agora, queremos gerar novas oportunidades para estas pessoas, evitar que continuem migrando para outras cidades.

A esperança ainda está viva em Castilla e em moradores como Guillermo Veiga, gerente da empresa agropecuária La Negra S.A, que tem campos próximos à cidade, acreditam que a região ainda tem muito a oferecer:

— Castilla é um bom lugar para investir, ainda temos muitas coisas para fazer aqui. Não é fácil, mas temos confiança no futuro.