Cidadeapé. Nasce uma associação para dar voz a quem anda a pé em São Paulo

17/05/2018 12:00 - O Estado de SP

Ontem, foi formalizada a Cidadeapé, uma ONG que está pensando na qualidade da experiência mais básica da cidade: andar a pé.

A voz do pedestre

A maioria dos deslocamentos diários em São Paulo é feita a pé. Apesar disso, quem anda a pé na cidade às vezes parece não ter voz.

Nas grandes discussões sobre o futuro da mobilidade da cidade, encontramos associações de todos os tipos – representando motoristas de taxi, donos de aplicativos, sindicatos das empresas de ônibus, moradores, comerciantes, perueiros, empresas de automóveis, associações de ciclistas e até o sindicato dos “mensageiros” e motociclistas.

Nesse emaranhado de interesses, parece estranho mas existe uma que ainda é pouco ouvida: a de quem anda a pé.

Pedestres se organizam

Nos últimos anos, porém, começaram a aparecer várias organizações ligadas à caminhabilidade. São grupos que falam do prazer e das dificuldades do caminhar e convidam à reflexão sobre o tema.

Um desses grupos começou a se encontrar em 2015, a partir da organização de cinco pessoas – Joana Canedo, Rafael Calabria, Leticia Sabino, Carlos Aranha e Tiago Benício e acabou fundando a Associação de Mobilidade a pé — simplificada depois para Cidadeapé  — um pouco inspirada por organizações de ciclistas, que estão conseguindo trazer o tema da bicicleta para o debate de mobilidade na cidade.

Outras pessoas e grupos foram se aproximando – e há cada vez mais grupos de gente que está pensando nisso –  Sampapé, Cidade Ativa, Corrida Amiga, Como Anda e até a comissão de mobilidade a pé da ANTP, uma ONG que tradicionalmente defendeu o transporte público e tem em Meli Malatesta, uma ex-funcionária do CET, uma defensora histórica dos pedestres.

Pedestre, um esquecido

A primeira característica do movimento é a consciência de que a mobilidade a pé tem poucos defensores. Uma das razões para isso pode ser a falta de identificação com uma causa razoavelmente difusa – quem é que se refere a si mesmo como “pedestre”? Nós adotamos papéis durante o dia e o de pedestre é apenas um deles.

A questão cultural começa com o predomínio do carro desde meados do século XX. Nossas cidades eram viáveis para quem tinha carro e ruins para quem não tinha. O carro sempre foi o passaporte para ter direito à cidade.

Nesse processo, quem anda a pé é visto como aquele que não conseguiu comprar seu carro e, por conseqüência, é alguém que deveria se relegar às migalhas da urbanização. Por isso o termo “pedestre” ainda tem, na língua portuguesa, um significado de “rasteiro”, “inferior”.

Só que isso está mudando rapidamente. O excesso de automóveis congestionou as ruas, poluiu o ar e atrapalhou a vida cotidiana nas calçadas.

Hoje em dia, no mundo todo, as cidades estão questionando esse predomínio, derrubando viadutos, diminuindo as velocidades e aumentando a área para pessoas. Andar a pé na cidade está mudando de status rapidamente, assim como andar de bicicleta. Um dia, talvez mais cedo do que pensamos, será muito mais bacana chegar com seu próprio pé até os lugares, entrar e sair do transporte público quando quiser, experimentando a cidade, e vendo gente do que ficar parado num congestionamento.

A disputa é pelo espaço urbano

Claro que não há ninguém que diga que os pedestres não são importantes, mas é preciso fazer escolhas a respeito de bens finitos: o espaço e o tempo. É aqui que mora o conflito

Cada decisão sobre o espaço envolve uma disputa. Uma nova faixa de ônibus precisa tirar espaço de carros. O aumento de calçada em lugares superlotados, como nas saídas de estações da CPTM vai acabar inevitavelmente tirando espaço de alguém, provavelmente do tal “leito carroçável”. Uma ciclovia precisa de espaço. Da mesma maneira, o aumento do tempo de travessia de pedestres significa diminuição do tempo para carros, motos, bicicletas, ônibus passarem.

Há ainda outra variável que pode ajudar a elucidar quem seriam os opositores naturais aos projetos ligados à mobilidade a pé: a briga pelos recursos orçamentários. O conserto de calçadas compete, em termos de recursos, com outras ações da prefeitura. Os membros do movimento a favor do pedestre sabem disso e parecem estar conscientes de que é preciso falar mais alto para aumentar a destinação desses recursos para suas causas.

A intermediação dos conflitos é papel da prefeitura, que, por sua vez, está começando, lentamente, a mudar para aumentar a prioridade para o transporte público e para a chamada “mobilidade ativa”, bicicletas, e, claro, o pé.

É uma mudança grande: historicamente, no Brasil, com pouquíssimas e louváveis exceções, governantes, legisladores, secretários andam exclusivamente de carro, até com motoristas. Como esperar que alguém que nunca pegou um ônibus se lembre de melhorar o acesso a pé até um terminal? Ou de colocar uma faixa de pedestre no acesso a uma ponte?

Como melhorar a “caminhabilidade”

Para melhorar a vida de quem anda a pé e estimular a cidade a montar uma infraestrutura de caminhabilidade digna, Ana Carolina Nunes, diretora de relacionamento da Cidadeapé acredita que o caminho é tentar influenciar as políticas públicas para garantir prioridade – e orçamento – para melhorar a situação de calçadas ruins, sinalização inadequada, falta de acessos, o perigo dos atropelamentos, insegurança e a falta de atenção de motoristas.

Isso significa adotar o ponto de vista quem anda para analisar cada nova lei, cada nova ação: da licitação dos terminais de ônibus à lei de mobilidade; do tamanho das calçadas aos limites de velocidade.

Caminhadas Urbanas e Cidadeapé

Estamos muito longe ainda, mas acho que andar do ponto A ao ponto B pode ser feito de forma prazerosa. É um processo que talvez ainda demore, mas que tende a ir melhorando à medida que a voz do caminhante seja ouvida e mais e mais pessoas estiverem nas ruas.

Há crianças que poderiam estar indo a pé para a escola se houvesse uma infraestrutura melhor, há cadeirantes que só sairão de casa quando conseguirem calçadas lisas, largas e com rampas, há velhinhos que não encontram vizinhos por medo das ruas.

Acredito que grande parte dos pequenos trajetos – e até dos grandes- pode ser feita a pé ou conjugada com o uso do transporte público.

Eu me juntei ao grupo e agora também faço parte da Cidadeapé. Acho que é uma maneira de doar um tempo e energia para ajudar a melhorar um pouco a experiência mais básica da cidade – andar a pé.

Se você quiser conhecer, esse é o link do Cidade a pé – https://cidadeape.org e esse é o link para se associar http://cidadeape.us10.list-manage.com/subscribe?u=0522de1fcc7b728cf30b33f5e&id=953df86feb