16/12/2013 08:10 - O Globo
RIO — O destino eram as praias da Costa Verde. Mas, às 8h30m
de ontem, Gleice Ferraz, de 28 anos, e 14 amigos e parentes tiveram de saltar
da van em que seguiam viagem e interromper o passeio no meio da Rodovia
Rio-Santos, perto de Itacuruçá. O veículo, com documentação irregular, foi
parado no primeiro dia da operação consorciada das prefeituras de Angra dos
Reis, Mangaratiba e Paraty com o objetivo de evitar a superlotação da região e
tentar ordenar a orla na alta temporada de verão. Para isso, três barreiras com
fiscais das três cidades e policiais militares e rodoviários federais vão
impedir a entrada de ônibus, micro-ônibus e vans que não tenham autorização
para o serviço de fretamento — ou seja, o registro na Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT). E, no caso de Angra, a prefeitura foi mais
longe, ao decretar uma medida que já causa polêmica: mesmo se esses veículos
estiverem legalizados, é cobrada uma taxa de R$ 1.800 se os passageiros não
tiverem como destino um meio de hospedagem (hotel ou pousada) ou, na hipótese
de terem reservas, de R$ 30 a R$ 50, de acordo com o tamanho do ônibus ou da
van.
Por enquanto, apenas Angra tem a taxa prevista em decreto. A
ideia, no entanto, é que os outros municípios do consórcio também decretem a
cobrança.
— O objetivo não é impedir a entrada dos visitantes, mas
cumprir a função do poder público de zelar pela segurança, pela livre
mobilidade e pelo conforto dos turistas e moradores. É manter uma região mais
harmônica e mais ordenada — defendeu Maria Sílvia Rubio, presidente da Fundação
de Turismo de Angra dos Reis (TurisAngra).
Mas as restrições provocaram questionamentos, e não só de
visitantes, como de advogados e antropólogos. Especialista em direito
administrativo, o advogado José Durval Fagundes lembrou que muitas prefeituras
têm regulações para a entrada e circulação de ônibus em algumas áreas. No
entanto, a cobrança para os veículos, mesmo que legalizados, ele considerou
"absurda”.
— Ainda mais uma cobrança tão alta. Fere o direito de ir e
vir, previsto na Constituição. Existem outras formas de controle, sem esse viés
arrecadador. As pessoas estão sendo achacadas — disse ele, defendendo que o
Ministério Público intervenha no caso.
"Estão criando
aduanas urbanas"
Coordenador do Laboratório de Etnografia Metropolitana do
IFCS/UFRJ, o professor e antropólogo social Marco Antonio Mello também criticou
a cobrança. Ele disse que a medida é "lamentável”:
— Os municípios estão criando verdadeiras aduanas urbanas. O
acesso restrito aos lugares causa constrangimentos. Daqui a pouco, vão criar um
passaporte para entrar nessas cidades.
As barreiras foram montadas em Itacuruçá, no limite de
Mangaratiba com Itaguaí; no entroncamento da Rio-Santos com a RJ-115, que liga
Angra à região do Médio Paraíba; e na divisa do Estado do Rio (Paraty) com São
Paulo (Ubatuba). A fiscalização também visa a impedir que turistas façam
churrasco nas praias e nas ilhas, coibir estacionamentos clandestinos e a
degradação de áreas de proteção ambiental, além de aumentar o controle (já existente
em Paraty) das agências que promovem passeios marítimos na Baía da Ilha Grande.
Em Angra, os principais problemas acontecem na Vila do
Abraão (Ilha Grande), nas praias de Garatucaia, na Vila Histórica de Mambucaba
e na Ilha de Cataguazes — esta última ganhará boias para impedir a aproximação
de embarcações da área de banho. Em Paraty, ocorrem sobretudo nas praias do
Sono e de Trindade. E, em Mangaratiba, na Praia do Saco. Na Vila Histórica de
Mambucaba, por exemplo, moradores reclamam do rastro de sujeira deixado e
também de carros com alto-falantes no porta-malas, cujos donos escutam música
alta ao participarem de churrascos na beira do mar.
— Não temos nada contra quem vem fazer turismo consciente —
afirma Agnelo Alves de Carvalho, presidente da associação de moradores local. —
O problema são os vândalos, que fazem aqui o que certamente não fazem em casa.
Já tivemos 120 ônibus de uma vez e quatro mil barracas numa praia pequena e
estreita.
Com questões em comum, a criação do consórcio intermunicipal
para a operação foi decidida numa reunião entre a presidente da TurisAngra e os
secretários de Turismo de Mangaratiba, Roberto Monsores, e de Paraty, Vladimir
Santander. No encontro, os secretários decidiram unificar a legislação de
ordenamento urbano e atuar em conjunto para definir a capacidade de recebimento
de turistas na região durante a alta temporada.
Só ontem, 26 ônibus e 30 vans interromperam a viagem por não
terem um destino certo ou porque estavam irregulares (dos veículos nessa
situação, 18 eram da empresa de ônibus Expresso Mangaratiba). O que pegou
muitos visitantes de surpresa.
— Gente, que bafão! Imagine no carnaval como vai ficar isso
aqui. Vem muita gente! — dizia, surpresa, a carioca Gleice ao descer da van em
Itacuruça e ter de ajudar os amigos a carregar caixas de cerveja, geladeira de
isopor e refrigerantes até o acostamento, onde o grupo precisou esperar um
carro de passeio de um dos parentes para levá-lo de volta.
Mais à frente, passageiros de um ônibus fretado para levar
funcionários de uma empresa de Santa Cruz para a confraternização de fim de ano
num condomínio de Mangaratiba não entendiam o que estava acontecendo. Dentro do
veículo, de celular em punho e semblante preocupado, a responsável pela
contratação da empresa de ônibus, Kizi Santos, dizia não estar ciente da
restrição:
— A empresa nunca avisou que era preciso uma autorização
para entrar na cidade. Agora, eles (fiscais) estão dizendo que vamos ter que
voltar.
O prefeito de Mangaratiba, Evandro Capixaba, que acompanhava
a operação, defendeu a medida:
— Todos têm o direito de ir e vir, o que não pode acontecer
é uma desordem completa.