Cidades são mais rápidas e encaram antes os problemas, diz socióloga

14/06/2016 08:35 - Folha de SP

Autora do best-seller da sociologia urbana "A Cidade Global" (1991), a socióloga holandesa Saskia Sassen, 69, opina que são os prefeitos que estão lidando primeiro "e de forma mais rápida" com os desafios da globalização –do drama dos refugiados e da violência policial à mudança climática.

Professora da Universidade Columbia (Nova York), onde é copresidente do Comitê do Pensamento Global, ela afirma que Brasil e EUA têm uma grande discussão sobre o que fazer com suas crescentes populações carcerárias, "em sua maioria, de homens negros" e sobre como combater a alienação urbana.

Além disso, Sassen critica a falha dos partidos políticos em atrair jovens. Mas alerta sobre os movimentos sociais: "Não dá para promover ocupações para sempre".

Ela está em São Paulo para participar do seminário Cidades e Territórios: Encontros e Fronteiras na Busca da Equidade, organizado pela Fundação Tide Setúbal e pela Folha. Seu último livro, "Expulsions" (expulsões, em tradução livre) sobre os refugiados, será lançado no Brasil no segundo semestre. Na sequência, os destaques da conversa com a socióloga.

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NOVOS PREFEITOS

As cidades estão na linha de frente da globalização e os prefeitos, independentemente do grau de autonomia e de orçamento que têm, encaram problemas antes do que os governos nacionais e são mais rápidos em agir. Do drama dos refugiados à mudança climática, em alienar ou integrar aquele que é diferente. Eles também têm um diálogo mais produtivo.

Bloomberg [prefeito de Nova York de 2002 a 2013] viu as bicicletas tomando Paris e quis levar para Nova York. Disseram que seria impossível. Sua secretária de Transportes [Janette Sadik-Khan], que é um fenômeno, espalhou ciclovias e faixas compartilhadas. Há um saber aí que viaja rápido.

ESPAÇO PÚBLICO

Muitas praças não são vistas como espaço público e as pessoas da periferia se sentem observadas neles. Estou mais interessada em estudar espaços que conseguem transformar seus habitantes em "sujeitos urbanos".

O metrô de Nova York é um bom exemplo. É de "terceiro mundo" em tantos sentidos, especialmente na manutenção, mas tem a capacidade de transformar todo mundo em sujeito urbano. Todas as classes sociais, religiões e raças estão ali, na mesma situação.

Espaço urbano é uma habilidade, nem que seja apenas por algumas horas. O metrô de Nova York é o grande bazar antigo, de Istambul a Bagdá, onde aprende-se a conviver com o diferente.

ALIENAÇÃO URBANA

Na periferia de Paris, cidadãos franceses da terceira geração de imigrantes, não inclinados ao terrorismo, ainda se perguntam se pertencem de fato à cidade. Sofrem com racismo, brutalidade policial e desemprego.

As cidades acabam lidando de forma direta com problemas. Fizemos uma bagunça no Oriente Médio e na África, que produz 3 milhões de novos refugiados por ano. Quem vai lidar com eles?

A Prefeitura de Paris está criando festivais de hip-hop que são mais bem-sucedidos em criar a sensação de pertencimento do que o espaço público tradicional.

VIOLÊNCIA POLICIAL

A sociedade americana já debate a violência policial e a necessidade das forças de segurança de prestar contas à sociedade.

O movimento Black Lives Matter [vidas negras importam] demonstra essa mudança. São lideranças muito jovens, bem instruídas e que querem respostas.

As gerações anteriores, mesmo de senhoras negras de meia-idade, que viram seus filhos e netos morrerem pela droga ou pela ação policial, clamavam por segurança. Mas hoje vemos que houve excessos e que a sociedade não pode dar um "passe livre" para que elas [as forças de segurança] ajam como quiserem.

POPULAÇÃO CARCERÁRIA

Obama, que me decepcionou muito quanto a não tocar no sistema financeiro, fez muita diferença nesse debate. Seus dois procuradores-gerais, Eric Holder e Loretta Lynch, ambos negros, falaram de excessos policiais.

Obama deu perdão presidencial e libertou muitos negros que estavam presos porque tinham vendido maconha na esquina. EUA e Brasil têm muito a discutir sobre o tamanho enorme de suas populações carcerárias e por que são negros em sua maioria que estão atrás das grades.

PARTIDOS POLÍTICOS

Os partidos têm um problema grave em atrair a juventude. Temos uma geração de jovens ativa, que cria movimentos que se conversam. Não podemos ignorar que muitos líderes de Occupy Wall Street estão hoje no Black Lives Matter. Eles se reforçam.

Não dá para promover ocupações para sempre –e é bom que tenham essa fluidez. Movimentos sociais levam tempo para atingir seus objetivos, mas não se deve subestimá-los. Dizíamos nos anos 60 que os movimentos dos direitos civis dos negros nos EUA ou das feministas na França não chegariam a lugar nenhum. Veja o tanto que conseguiram.

MUDANÇA CLIMÁTICA

Temos uma capacidade extraordinária de destruir o meio ambiente, da antiga União Soviética e da atual Rússia às minas de carvão de Montana, nos EUA. Acho que o termo "mudança climática" é muito ambíguo. Parece quase legal, "nossa, vai mudar a temperatura". Prefiro falar em "terra morta, água morta". Estamos encolhendo os espaços aptos para a humanidade. A falta de água ainda vai expulsar muita gente.

DESIGUALDADE

Campos de refugiados, população encarcerada por longa duração e sem-teto são grupos que veremos por muito mais tempo. São questões que vieram para ficar. Sempre tivemos desigualdade ao longo da história. Precisamos interpretar em que ponto essa desigualdade se torna inaceitável.