27/01/2016 07:45 - Valor Econômico
Marta Watanabe e
Cristiane Agostine / São Paulo
São Paulo deve levar uma proposta própria para o pagamento
da dívida dos Estados com a União, um dos temas da pauta da reunião de
governadores prevista para o início de fevereiro. A medida, ao lado da elevação
do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o fumo e a
cerveja e do contingenciamento de R$ 6,8 bilhões - dentro dos quais R$ 2
bilhões em investimentos -, integra a agenda de um ano tomado por providências
para enfrentar os efeitos da crise nas contas estaduais, segundo o secretário
de Fazenda, Renato Villela.
Em 2015, o contingenciamento inicial de R$ 6,6 bilhões não
foi revertido diante de uma queda real de 5,7% na receita tributária, a maior
redução desde 2003. Em entrevista ao Valor, o secretário diz que o congelamento
de recursos permitiu ao Estado fechar as contas no ano passado em ordem, sem
atraso de salários e fornecedores.
Para este ano, não descarta nem a reversão do
contingenciamento nem a ampliação dele. "Vai depender da receita. Ainda
não estou vendo nenhum sinal de que vai haver deterioração que necessite de um
aperto um pouco maior."
Mesmo assim, ele afirma que o contingenciamento de R$ 6,8
bilhões deve afetar obras que ainda estão no papel. "São projetos que
estavam no orçamento e que estão sendo descontinuados dentro desse
contingenciamento. Eles só vão se iniciar se houver uma reversão da atividade
econômica e se a receita voltar a crescer." Nesse quadro, obras de
expansão do metrô e para o combate à crise hídrica serão afetadas, ao menos em
parte.
Villela explica que estão em discussão R$ 2 bilhões em
empréstimos já autorizados e contratados, mas não desembolsados. "Estamos
focalizando os recursos desses empréstimos para outras obras. Para isso há todo
um processo, é preciso ter o acordo dos órgãos financiadores, do Tesouro
Nacional." A linha 2 do Metrô, exemplifica, poderá ter recursos
direcionados para as linhas 5 e 6. Segundo o secretário, já há concordância do
Tesouro e das instituições financeiras em relação ao assunto.
O secretário aguarda cálculos do impacto de várias propostas
em debate sobre a indexação e pagamento da dívida dos Estados com a União. O
assunto ainda está em discussão em São Paulo, diz ele, mas a ideia inicial é
levar ao debate com os demais Estados o alongamento do prazo para pagar a
dívida, aproveitando todos os 40 anos previstos pela Lei 9.496/97. O que se
coloca hoje, explica, são 30 anos de prazo de pagamento com determinado teto da
receita corrente líquida, com 10 anos adicionais para pagamento pela Tabela
Price. Ainda não há, diz, cálculo do impacto que isso traria para São Paulo.
Villela destaca, porém, que há diversas propostas. Entre as
que deverão ser discutidas, cita a do governador de Santa Catarina, Raimundo
Colombo (PSD), que questiona a forma como a taxa Selic é tratada no decreto que
trata da renegociação da dívida, que leva à aplicação de juros sobre juros, o
que na legislação não seria permitido.
Próximo a Joaquim Levy, Villela fala sobre o
"abandono" do ex-ministro pelo governo federal. E diz que o ajuste
fiscal tem de ser feito neste ano, sem atraso. O secretário ainda não se reuniu
com o novo ministro, Nelson Barbosa, mas diz que não há alternativas ao governo
federal a não ser promover o ajuste.
O secretário acredita que um ajuste mais eficaz das contas
da União poderia vir do corte de programas e não simplesmente do corte de
ministérios. Ele também considera importante dar os primeiros passos para
mudanças estruturais. Entre elas, Villela defende o fim da estabilidade do
funcionalismo público. Para ele, o regime do servidor público tende a agravar
ainda mais os efeitos da crise econômica e aumentar o desemprego na iniciativa
privada.
A seguir os principais pontos da entrevista:
Ajuste fiscal - O
ajuste fiscal é preponderante. No ano passado não avançou nada. O ministro Levy tentou
levar adiante a agenda correta do ajuste e não
conseguiu quase nada do que tinha se proposto. Jogamos o ano fora e isso está
tendo custo. Nunca imaginei que se escolheria um novo ministro com uma
trajetória e um pensamento conhecido e que não haveria apoio. Levy foi deixado
sozinho para fazer um trabalho que não era o dele, de articulação política. Não
está claro se as condições políticas ajudarão, mas qualquer saída que queira
contemplar antecipação de crescimento e reforço de investimento terá que ser
acompanhada por ajuste bastante claro. Não temos alternativas. Fazer ajuste só
pelo lado da receita não é possível. Lançar mão de apenas uma vertente ou de
outra não será suficiente. Dificilmente o governo federal vai abrir mão de sua
estratégia de aumentar tributo, como CPMF, porque a incerteza do lado das
despesas é muito grande. Estava muito mais confiante no início de 2015 em
relação à possibilidade de que isso seria feito, mas não teve apoio político ao
ministro.
Guinada à esquerda
do governo federal - Esquerda ou direita não
significam rumos definidos na política
macroeconômica. Minhas impressões não são no
sentido de ir para uma forma mais socialista ou marxista de política econômica.
As pressões do partido da presidente Dilma [Rousseff] são para uma maior
liberalidade em questão de gastos e manutenção de um conjunto de benefícios
para grupos específico de pessoas ou empresas que o Estado não tem mais
condições de suportar, de subsídios para setores definidos como estratégicos ou
para categorias profissionais. Isso tem a ver com mais ou menos fisiologismo,
com mais ou menos intervenção estatal.
Aumento de impostos- Não sei se o fato de o governo federal
sinalizar com corte de despesas vai gerar mais apoio para avançar com a agenda tributária. Alianças ou coalizões no
Congresso se formam em torno do que está sendo
discutido e não por questões programáticas. Não existe nenhuma grande medida para
resolver o problema, é preciso atacá-lo em várias frentes. No curto prazo, em
relação a reformas administrativas, é preciso reduzir certas ações no setor
público. Não adianta cortar ministérios. É uma ideia equivocada. Na hora em que
se corta o ministério se acaba com o salário do ministro, do chefe de gabinete
do secretário-executivo, de três ou quatro assessores. E acabou. Nem o
motorista vai embora, é redirecionado a outro ministério. Na hora que se cortam
ministérios, os programas são transferidos para outros. É preciso acabar com os
programas. Isso não precisa de lei, de nada, é tomada de decisão
administrativa.
Funcionalismo público -
Há questões
na área do funcionalismo público, como criar um tratamento igualitário entre
trabalhadores. No setor privado os empregados são vítimas de momentos de crise
como esse, são demitidos em número maior que o necessário porque os
funcionários públicos não podem ser demitidos. E numa época como essa o que mais
vemos são funcionários públicos fazendo demanda por salários. Se atender a
essas demandas, é preciso aumentar impostos, o que agrava a crise do setor
privado, que demite mais. Existem carreiras do Estado, mas não faz sentido
todos os funcionários trabalharem em regime estatutário, terem estabilidade e
aposentadoria integral. Para algumas carreiras é preciso, nas tudo aquilo que
não for fundamental ou carreira própria do Estado não precisa ser beneficiado
pelo estatuto do funcionário. É algo que pode começar a ser discutido no
Congresso. Vai dar problema? Vai. Brasília vai encher de carro de som. Não
trará resultado imediato, mas começa a se encaminhar. Ajuste fiscal de curto
prazo eficaz é o que corta programas.
Renegociação da dívida -
A troca do indexador tem efeito desigual nos Estados. Estados ou municípios que
não conseguiram levantar os 20% de privatização para poder reduzir o juro real
vão ser mais beneficiados. A dúvida é se vão ser mais beneficiados ou se estão
sendo mais beneficiados porque foram excessivamente afetados no passado.
Depende muito do momento em que os Estados fizeram a renegociação, porque os
Estados fizeram acordos da dívida em momentos diferentes no tempo, entre 1997 e
2000, quando teve momentos em que tinha o IGP-DI mais 6% estava maior do que a
Selic. A questão básica é tentar trazer alterações para reduzir as assimetrias.
Há casos como os de São Paulo e Rio, em que não terá efeito imediato de redução
de pagamento. Esses Estados têm demandas muito importantes de investimento e não
vão ter essa capacidade, enquanto outros Estados terão essa oportunidade. A
ideia é resgatar a capacidade de investimento nos Estados, fazer com que haja
adaptações de metodologia ou na forma como vai ser feita a troca de indexador
para recuperar os Estados que não tinham a capacidade de investir.
Demanda de São Paulo- A questão está em
discussão e o que se estuda é não antecipar a quitação da dívida da forma como está colocada hoje e aproveitar os 40 anos de prazo que a Lei
9.496/97 previu. Os que se coloca atualmente são 30 anos fazendo pagamentos com
os juros contratados, no limite de 13% [da receita líquida real] e nos 10 anos
adicionais se pagaria aquilo que fosse necessário pela Tabela Price. Se usarmos
esses dez anos para pagamento, significa que vai reduzir os valores. Ainda
estamos avaliando os impactos para São Paulo. A proposta do governador Raimundo
Colombo [Santa Catarina] deve ser discutida e tem a ver com a forma como a taxa
Selic é tratada nesse decreto, de uma forma que leva à aplicação de juros sobre
juros, o que na legislação brasileira não é permitido. A repercussão pode ser
grande, vai variar por Estado.
Corte de R$ 6,8 bilhões -
Serão contingenciados R$ 1,99 bilhão de investimentos, R$ 3,95 bilhões
serão corte de custeio e R$ 907 milhões de
serviço da dívida. Estamos antecipando problemas e tomando medidas para evitar
ou fazer o ajuste antes dos problemas aparecerem. Estamos fechando com números
positivos, sem atrasar pagamentos nem salários. Estamos reeditando medidas do
ano passado por conta da deterioração da situação econômica. O ICMS vai cair
mais do que a gente previa quando o orçamento foi elaborado, assim como
receitas como venda de imóveis. Se houver mudança no mercado, suspende-se o
contingenciamento. Se não houver deterioração adicional, em 2016 haverá
apreensão, mas sem grandes percalços.
Obras afetadas pelo
corte - São projetos que estavam no orçamento e que estão sendo
descontinuados. Só vão
se iniciar se houver reversão da
atividade econômica e se a receita voltar a
crescer. Obras de expansão do metrô e para combater a crise hídrica serão
afetadas em parte. Estamos discutindo, com bom andamento, com instituições
financeiras que já tinham dado empréstimos contratados e que ainda não tinham
sido desembolsados, mas ninguém mais pode impedir que aconteçam. Estamos
focalizando os recursos desses empréstimos para outras obras. Para isso há todo
um processo, é preciso ter o acordo dos órgãos financiadores, do Tesouro
Nacional. Se for empréstimo externo, também do Ministério do Planejamento.
Estamos concluindo esse trabalho. Algumas linhas de metrô ainda não iniciadas,
vamos redirecionar para as linhas em andamento. Nesse sentido o
contingenciamento é minorado. A linha 2 do Metrô dará recursos para as linhas 5
e 6.
Mais cortes em SP- Trabalhamos com redução de cerca de R$ 3 bilhões na receita de ICMS este ano,
em relação ao orçado. A preocupação é o quadro econômico se deteriorar mais. Aí
teremos que fazer medidas adicionais de ajuste. Vai depender da receita. Ainda não
estou vendo nenhum sinal de que vai haver deterioração que necessite de um
aperto um pouco maior.
Parcelamentos de
tributos - Em circunstâncias
normais criam mau hábito no contribuinte, mas estamos
em um momento muito particular, em que as pequenas e médias empresas estão
sofrendo muito com a crise econômica. O fato de a empresa estar inadimplente só
faz piorar a situação, não pela dívida em si. Empresas não podem mais fornecer
a municípios e Estados se estão inadimplentes. Continuamos com o programa de
venda de imóveis, mas o processo não é rápido e o mercado do jeito que está...
Esse foi um dos itens da receita que foi contingenciado.
Alienação de
ativos - Depende muito de como está a
economia, de ter compradores. A gente estáestudando possibilidades, não tenho nem tranquilidade para exemplificar. Vai
depender... São muitas variáveis, marco regulatório, ação regulatória do
governo federal que é errática...