Com as novas opções de transporte, carro e táxi perdem competitividade

20/06/2016 09:04 - O Estado de SP

Em São Paulo, uma metrópole de transporte público limitado, horas perdidas no trânsito e carros populares que custam R$ 40 mil, o veículo cada vez mais perde a característica de propriedade para se tornar um serviço. Calculadora desenvolvida pelo DataCustos e Zilveti Advogados, a pedido do Estado, confirma essa tendência. Os números mostram os novos sistemas de transporte como uma opção econômica para quem pretende vender o veículo e morar perto do trabalho.

Na ferramenta, disponível no site do Estado, foram calculados os custos por quilômetro para carro, moto, táxi, Uber, bicicleta e transporte público. Em um percurso de 10 quilômetros por dia, o custo de um carro popular (Gol) fica empatado com o do táxi na bandeira 1, em R$ 40. Já o UberX, modalidade de veículos compactos da empresa, é cerca de 30% mais barato. Na versão compartilhada, chamada de UberPool, o custo cai ainda mais, para R$ 19,90.

“Carro não é investimento. Em termos econômicos, quem compra só perde dinheiro”, diz Nelson Beltrame, sócio diretor do DataCustos e autor da pesquisa. O levantamento leva em consideração diversos custos para calcular o preço por quilômetro do veículo particular: depreciação, manutenção (pneus, óleo, filtro de óleo, filtro de ar e filtro de combustível), seguro, seguro obrigatório, IPVA e combustível. Beltrame explica que quanto menos o carro é usado, maior é a parcela dos custos fixos por quilômetro. Por isso, para quem anda pouco, ter um carro é um péssimo negócio.  

Para o veículo valer a pena em relação ao UberPool, é preciso rodar ao menos 24 km por dia. Mas, considerando o preço inicial do veículo, o gasto para mantê-lo e o tempo perdido no trânsito, o educador financeiro Rafael Seabra recomenda a venda. “Uma opção para economizar é organizar caronas com colegas e, em alguns casos, até morar próximo ao trabalho.” Alternar o carro compartilhado com o transporte público – cuja oferta é maior no centro expandido – também é uma opção.

No ano passado, segundo pesquisa da Rede Nossa São Paulo, a percepção em relação ao trânsito piorou e mais paulistanos disseram que iriam para outra cidade se pudessem.

“Mais do que uma questão de custo de vida, é uma questão de horas de vida”, diz a coordenadora do curso de economia criativa e cidades criativas do Programa de Educação Continuada da FGV, Ana Carla Fonseca.   

Alternativas. A produtora de locação Isabella Alves, de 24 anos, uniu a falta de vontade de dirigir no trânsito caótico de São Paulo ao baixo preço do Uber e colocou seu carro à venda. “Como moro em um bairro central, boa parte das empresas e locais de filmagem que vou são próximos da minha casa. Muitas vezes a corrida não chega nem a R$ 10”, diz Isabella, que calcula rodar por volta de 10 quilômetros diariamente.

O advogado tributarista e também autor da calculadora Fernando Zilvetti, questiona, no entanto, a falta de equilíbrio competitivo no mercado – a principal questão de conflito entre Uber e taxistas. Segundo ele, o aumento da concorrência é positivo, mas também depende de igualdade tributária para crescer e oferecer preços sem distorções. Sem isso, é difícil afirmar que os baixos valores do Uber, por exemplo, serão sustentáveis. A regulamentação definida pela Prefeitura de São Paulo prevê pagamento de créditos de R$ 0,10 para cada quilômetro rodado.

A própria Prefeitura tem tomado ações para incentivar o uso do carro compartilhado e a intermodalidade. Segundo Ciro Biderman, diretor de inovação da São Paulo Negócios, já está sendo discutida a ideia de um Bilhete Único que integre vários modais, incluindo os compartilhados. “Já imaginou você sair de casa pela manhã, pegar uma bicicleta com seu Bilhete Único, depois um ônibus e voltar de Uber?” 

Além disso, uma resolução liberou um “bônus” para as empresas de compartilhamento: para cada quilômetro percorrido, é descontado 1 quilômetro do limite que as empresas têm para operar.

Apesar da vantagem do preço, dividir um carro com um desconhecido ainda esbarra em barreiras comportamentais. Reticente no início, a produtora Isabella decidiu lutar contra a timidez e hoje é usuária do serviço. “É impressionante ver quantas pessoas estão se movendo exatamente para o mesmo lugar, ao mesmo tempo”, diz. 

Carona e carro compartilhado crescem em SP

O compartilhamento de veículos está se tornando uma realidade na maior metrópole do País. Já são pelo menos seis empresas que atuam reguladas ou que entraram com requerimento na Prefeitura de São Paulo para prestar esses serviços. As opções vão desde o modelo de motorista particular, como o Uber, até caronas e aluguel de carros entre pessoas.

Segundo Rodrigo Pirajá, presidente da São Paulo Negócios, três fatores fazem da capital paulista o cenário ideal para veículos compartilhados: uma população de 11 milhões de habitantes, transporte público pouco desenvolvido e serviços regulados.

A Pegcar é uma dessas empresas. O dono do veículo se cadastra no site, coloca as fotos e características do carro e o preço do aluguel por hora, dia e semana. O cliente informa local, data e horário da retirada e devolução. O pagamento é feito por transferência bancária intermediada pela empresa, que cobra 10% do valor da transação. “Vemos pessoas que não têm carro e que às vezes precisam, seja por algumas horas ou dias. É isso que oferecemos”, explica Conrado Ramires, sócio da Pegcar.

A ideia de poder pegar um veículo a qualquer momento e pelo tempo que quiser é um dos pilares que sustentam o compartilhamento. E foi baseado nele que a Zazcar começou a operar em São Paulo. Pelo site, os clientes solicitam um cartão que permite a retirada do veículos em um dos 50 pontos da cidade. O preço é de R$ 49,90 fixos por mês, mais R$ 3,90 por hora usada e R$ 0,89 por km rodado.

Até mesmo montadoras já investem no negócio de car-sharing, como é conhecido globalmente. Neste mês, a GM lançou um projeto piloto que consiste em uma frota de veículos que pode ser alugada, por exemplo, para o trajeto da casa ao trabalho. O serviço ainda está em fase de testes na fábrica de São Caetano do Sul (SP) e deve chegar à capital até o fim do ano.

“O mundo hoje é um grande laboratório e as montadoras estão participando dessas mudanças”, diz o diretor de Planejamento e Estratégia do Produto da Fiat para a América Latina, Carlos Eugênio Dutra. A montadora se aliou ao Google para criar carros autônomos.

Apesar do apelo econômico, nem todas as empresas têm como fundamento a monetização dos veículos. No caso da BlaBlaCar, a ideia é conectar condutores e passageiros com o mesmo destino para que eles dividam custos. Pelo site ou aplicativo, os usuários publicam sua rota, data e hora de saída e encontram motoristas ou passageiros com o mesmo destino. O site mostra o preço da viagem, que é estimado pela plataforma e pode ser aumentado em até 50% pelo condutor.

Além dessas empresas, a espanhola Cabify já opera na cidade com um sistema similar ao do Uber. Lift e WillGo se preparam para entrar no mercado. As empresas de táxi 99, Easy Taxi, Wappa e Vá de Táxi também demonstraram interesse em operar no sistema Uber. Para isso, segundo decreto da Prefeitura, elas também deverão oferecer sistemas de compartilhamento no futuro.