Consórcio é afastado de novas licitações

27/04/2016 08:03 - O Globo / Folha de SP / O Estado de SP

A prefeitura decidiu ontem, cinco dias após o acidente, proibir o consórcio de empresas responsável pela construção da Ciclovia Tim Maia de participar de licitações públicas até o fim das investigações. Cinco dias depois do desabamento de parte da Ciclovia Tim Maia, em São Conrado, que deixou dois mortos, a prefeitura anunciou que vai afastar as responsáveis pela obra, as empresas Contemat Engenharia e Geotécnica S/A e Concrejato Serviços Técnicos de Engenharia S/ A, de todos os processos de contratação e licitação de obras de estrutura no município. A medida será adotada por decreto, publicado hoje no Diário Oficial, e permanecerá enquanto durarem os trabalhos de apuração do acidente.

Segundo a prefeitura, todos os pagamentos que o município ainda tiver que fazer às duas empresas estão retidos. O decreto também determina que os responsáveis técnicos do consórcio para a obra sejam afastados de qualquer contrato firmado com a prefeitura. Comprovada a responsabilidade das empresas, elas poderão ser consideradas inidôneas.

Ontem, o Ministério Público do Rio anunciou que instaurou inquérito para apurar possíveis atos de improbidade administrativa provenientes da contratação, pela Fundação Geo- Rio, do grupo de empresas Concremat.

SEGURANÇA DA OBRA EM DISCUSSÃO

O desastre colocou em xeque a segurança da ciclovia. Ontem, o engenheiro civil Antônio Eulálio, especialista em projetos de pontes e viadutos, visitou a ciclovia com repórteres do GLOBO. Segundo ele, as lajes que desabaram devem ser refeitas com mais peso. Eulálio defende também que os pilares no trecho sejam reconstruídos, de modo a suportar vigas mais pesadas, para que a força das ondas não seja capaz de levantar a estrutura. Para ele, no trecho que será reconstruído, as lajes devem ser engastadas nos pilares, ou seja, encaixadas também nos vergalhões dos próprios pilares.

O engenheiro afirma ainda que é preciso avaliar o projeto da obra para saber se o restante da ciclovia é seguro. Ele é contra a demolição de toda a via, mas acredita que é importante criar um sistema de interdição da pista em casos de ressaca.

— Tem que ser uma interdição por trechos. Não adianta fechar só no início. Se a pessoa já tiver passado da entrada, vai percorrer até o fim. Tem que estabelecer vários pontos de interdição — afirma.

Ontem, uma equipe do GLOBO flagrou pelo menos três pontos da ciclovia Tim Maia com vigas desalinhadas. Especialistas consultados pelo jornal consideram estranha a “imperfeição construtiva", porque foram vistas num trecho distante da Gruta da Imprensa, onde parte da ciclovia ruiu.

— Há um desalinhamento anormal dessas vigas. Se fosse no ponto que sofreu o impacto da onda, seria compreensível. Sendo fora desse trecho, é alarmante. Como foi possível tal imperfeição construtiva? — questiona o engenheiro Luiz Carneiro, após analisar fotos do local.

Para Carneiro, que integra a comissão do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia ( Crea) para apurar o acidente, o flagrante agrava a situação da comissão que deu a “aceitação” da obra, fiscalização que antecedeu a inauguração.

— Essa falta de alinhamento qualquer um vê. É grave que tenha uma aceitação da comissão fiscalizadora. É preciso fazer uma inspeção geral no local — acrescentou.

SEM NOME DOS RESPONSÁVEIS

Para o engenheiro de estrutura Manoel Lapa, a curvatura da passarela pode ter influenciado este desalinhamento.

— Como o tabuleiro é pré- moldado, e a passarela é curva, a curvatura ocorre passo a passo. Às vezes, pode não estar bem alinhado no pilar, mas não quer dizer que esteja errado — declarou, reforçando que apenas após uma análise no local seria possível uma opinião mais precisa.

Para o especialista em estruturas e professor da Uerj Albino Joaquim Pimenta, o desalinhamento pode ou não ser um problema.

— Se no projeto não previa a estrutura desalinhada, e na execução ficou assim, pode caracterizar um problema, mas com pouca chance de provocar um dano mais sério. Mas, como a ciclovia tem muitas curvas, pode ser que esta tenha sido a solução adotada no projeto, e aí não há que se falar em problema. Só sabendo onde está localizado o pilar e qual a situação prevista.

O “Jornal Nacional”, da Rede Globo, teve acesso ao projeto executivo da ciclovia e constatou que não constam no documento as assinaturas dos engenheiros responsáveis. Além disso, as datas de revisão são sempre posteriores à do início da obra, em junho de 2014, indicando que o projeto executivo pode ter sido feito já com a obra em andamento. Ainda de acordo com a reportagem do JN, tanto o projeto básico quanto o executivo não levaram em conta o risco de ressacas.

FOLHA DE SP

Construtora de ciclovia que desabou será afastada de novas licitações

A Prefeitura do Rio vai afastar de processos de contratação e licitação de obras de estrutura as empresas do grupo Concremat, construtor da ciclovia que desabou na última quinta-feira (21), matando duas pessoas.

O decreto será publicado no "Diário Oficial do Município" desta quarta (27). Ele será válido enquanto durarem os trabalhos de apuração das responsabilidades técnicas pelo desabamento da ciclovia.

O consórcio responsável pela obra é composto por Contemat Engenharia e Geotecnica S/A e Concrejato Serviços Técnicos de Engenharia S/A, mas as outras empresas do grupo também serão afastadas.

No domingo (24), a Folha mostrou que as empresas do grupo Concremat são rotineiramente contratadas pela Prefeitura do Rio justamente para evitar tragédias. Em quase metade dos casos, por emergência, sem concorrência.

Do total de 54 contratos assinados com três empresas do grupo (Concremat, Contemat e Concrejato) na gestão Eduardo Paes (PMDB), iniciada em 2009, 24 foram firmados por dispensa de concorrência, em acordos emergenciais. Eles representaram 30% do faturamento da empresa com o município, de R$ 409,3 milhões.

A ciclovia da Niemeyer que desabou foi a única obra executada pela empresa, que não tem tradição como construtora –ela não está entre as 156 maiores do setor.

O grupo Concremat pertence à família do secretário municipal de Turismo, Antônio Pedro Figueira de Melo, que foi tesoureiro das últimas duas campanhas de Paes. Melo diz que nunca atuou pela empresa. 

O ESTADO DE SP

Relatório sobre riscos em ciclovia não cita ondas fortes

Documento alerta para encostas íngremes e tráfego pesado na Avenida Niemeyer e diz que respingo de maré dificulta obras

RIO - Nos relatórios mensais de acompanhamento de construção da Ciclovia Tim Maia, a prefeitura do Rio deixou de considerar as ondas fortes comuns naquele trecho do litoral carioca como risco à obra e aos operários. Uma delas derrubou, há seis dias, um trecho de 50 metros do percurso entre os bairros do Leblon e de São Conrado, na zona sul. Dois homens morreram.

Os documentos relacionam perigos decorrentes do tráfego pesado na Avenida Niemeyer, via litorânea ao lado da ciclovia, e da inclinação da encosta. Falam até da proximidade com áreas urbanas. Mas não abordam a possibilidade de ressacas. “Em geral, a ciclovia não contempla riscos consideráveis”, apontam os relatórios produzidos pela Secretaria Municipal de Obras e pelo consórcio construtor em abril, maio e junho de 2015. A ciclovia foi inaugurada em janeiro deste ano. O relatório de abril informa apenas que a região “é considerada zona de respingo de maré, o que aumenta o grau de dificuldade de execução das obras”, no capítulo Descrição do Empreendimento.

No relatório de junho de 2015, é dito que “a ciclovia em questão será construída em uma área de escarpas, exigindo cuidados adicionais na sua execução”. “A obra foi dividida em 15 trechos, cada qual com a sua peculiaridade geológica/geotécnica. A montante da avenida são verificadas vertentes côncavas, convexas, escarpas naturais e talvegues (local mais profundo de um vale). Esses fatores tornam a região mais suscetível a deslizamentos de solo e de blocos soltos de rochas, pertencentes às falhas naturais”, diz.

Nos relatórios, a prefeitura relata os avanços no contrato de execução do serviços, por meio de textos, cronogramas, gráficos, quadros, tabelas, planilhas e registros fotográficos. A gestão municipal informou que os documentos são encaminhados ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pelo financiamento da obra.

Improbidade. O Ministério Público do Estado do Rio instaurou inquérito civil para apurar eventuais atos de improbidade administrativa provenientes da contratação, pela Fundação Geo-Rio (vinculada à prefeitura), do consórcio Concremat. A prefeitura proibiu nesta terça o consórcio de participar de licitações de novas obras públicas na cidade “enquanto durarem os trabalhos de apuração das responsabilidades técnicas pelo acidente da Ciclovia da Niemeyer”.

O município informou ainda que todos os pagamentos para o consórcio estão retidos. O decreto do prefeito, que será publicado nesta quarta, ainda determina que os responsáveis técnicos pela obra sejam afastados de qualquer contrato firmado com o município.