Convivência. O futuro da mobilidade urbana

20/03/2016 08:47 - O Povo - CE

Se você tivesse o poder de redesenhar a cidade onde mora, como a planejaria? O que faria, por exemplo, para otimizar a mobilidade urbana? Como diminuiria a dependência dos automotores para longos deslocamentos diários? Retirar carros das ruas seria a forma mais viável de eliminar os engarrafamentos e garantir uma cidade mais harmoniosa e habitável? Buscando mais sustentabilidade, cidades estrangeiras como Oslo, na Noruega, cogitam abolir o uso do carro nos centros históricos e, a partir disso, dobrar os investimentos em transporte público. Fortaleza poderia seguir o mesmo rumo?

A capital cearense tem uma frota de pouco mais de um milhão de veículos (1.037.880), entre automóveis, caminhões, motocicletas, ônibus e outros, segundo os dados mais recentes do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-CE). Em paralelo, a estrutura que o Município dispõe para locomoção por outros modais ainda é imatura se comparada aos quilômetros de tapetes asfálticos que priorizam os automotores. Mas isso está mudando.

Há, atualmente, de alternativa ao deslocamento em carro: 96,6 km de faixa exclusiva para ônibus e táxis; 145,2 km de malha cicloviária (88,2 km de ciclovias e 60 km de ciclofaixas); uma linha de metrô (24,1 km de extensão) e outra de Veículo Leve sobre Trilhos (com 19,5 km).

Carro

“O modelo (de priorização do carro) é insustentável. Não dá mais pra gente continuar organizando a Cidade como se ela só existisse pros automóveis”, crava o secretário-executivo da Conservação e Serviços Públicos (SCSP), Luiz Alberto Sabóia. Entretanto, ele pondera que esta gestão não pretende retirar o carro do trânsito, mas redistribuir a área de Fortaleza. Conforme dados da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), o carro particular ocupa 75% do espaço urbano e só transporta 20% da demanda. O contrário é identificado com o transporte público.

Como consequências da quantidade de automotores, Sabóia cita aumento da poluição, sobrecarga do sistema de saúde (em virtude dos acidentes) e perdas econômicas e de apropriação dos espaços públicos.

Por isso, é tendência na Capital e em outras cidades orientadas pelo capitalismo que, cada vez mais, as pessoas deixem de ser proprietárias das coisas e passem a ser usuárias. Quem traça essa linha é o arquiteto e urbanista Fausto Nilo. “Quando se falou pela primeira vez em carro compartilhado, todo mundo achou que seria loucura, mas está crescendo mais do que se esperava”, diz. Ele comenta que isso já começou a acontecer na indústria cultural, com compartilhamento de música via streaming.

Para possibilitar a redução do uso do carro particular, faz-se necessária a oferta de uma rede de transporte rápida, acessível, segura e previsível. Além disso, precisariam ser adensadas (ou arrochadas) zonas urbanas, a fim de diminuir a extensão dos deslocamentos entre casa e trabalho/estudos.

O professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), Felipe Loureiro, não acredita que o carro seja abolido da Capital, mas defende que o redesenho do trânsito tem de ser feito a partir de negociação. “A gente acredita muito no planejamento que parte dos problemas que estão sendo vivenciados pela população, envolvendo seus diversos atores”.

O arquiteto e urbanista Abner Augusto também considera crucial não atropelar etapas e ouvir os anseios de todos os envolvidos, antes de tomar atitudes. Ele cita o especialista inglês em mobilidade, Alan Penn, que busca o ideal de que “todos possam ter um carro, mas não tenham a necessidade de usá-lo na maior parte do tempo”.

Números

1 mi é o total aproximado de veículos da frota de Fortaleza ao final de 2015. Os dados são do Detran-CE

96,6 km é a extensão das faixas exclusivas para o transporte coletivo em Fortaleza, conforme a Secretaria da Conservação 

Saiba mais

69,4 mil veículos foram acrescentados à frota da Capital em 2015, segundo o Detran-CE.

A próxima etapa para tornar atraente o ônibus é diminuir as lotações nos horários de pico.

216 km de malha cicloviária é a meta que a Prefeitura de Fortaleza estipula até o fim de 2016.


Planejamento. Adensamento de bairros reduz necessidade de viagens longas

Considerando ingenuidade do poder público e da indústria automobilística crer que as cidades conseguiriam comportar invariavelmente o acúmulo de carros particulares, o arquiteto e urbanista Abner Augusto propõe, como solução para a mobilidade em Fortaleza, “o investimento massivo para a consolidação de novas centralidades”.

Coordenador do Plano de Urbanismo e Mobilidade do Fortaleza 2040, o também arquiteto e urbanista Fausto Nilo já avalia que, diante de um cenário que restaura a “cidade compacta”, não será surpresa se a indústria mudar seus negócios e investir na construção de cidades acessíveis.

“Os que trabalham numa cidade injusta, normalmente, são os que moram mais longe e não têm transporte próprio pra viajar”, analisa Fausto. Ele comenta que a distribuição populacional, que hoje é espaçada (em média, 115 pessoas por hectare), terá de ser “arrochada” para viabilizar um transporte público eficiente.

“A maioria se beneficiaria tremendamente de alta densidade, porque promove espaço público compartilhado”, explica o arquiteto. Segundo ele, o “uso (do solo) é o que produz a viagem”. Portanto, se a pessoa mora no mesmo bairro onde trabalha e onde os filhos vão à escola, “criam-se vizinhanças caminháveis e autônomas”.


Do carro para o ônibus. Como estimular a troca?

Quando se reduz o espaço do automóvel em Fortaleza, as reações mais comuns dos motoristas são de desgosto e revolta com a medida. Mas essa resistência pode afrouxar no momento em que eles, presos em congestionamentos diários, virem o transporte público fluir tranquilamente pelas faixas exclusivas e começarem a comparar os tempos de viagem entre um modal e outro. Ao menos, essa é a expectativa do vice-presidente da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), Antônio Ferreira.

O professor do Departamento de Engenharia de Transportes da UFC, Felipe Loureiro, cita outro fator que pode contribuir para a migração do carro particular para o transporte coletivo: o constante aumento do preço da gasolina, que, na Capital, já ladeia os R$ 4. “Se o litro começar a custar R$ 10 da noite pro dia, e esse valor cobrado se reverter pro transporte público, a gente vai ter uma inibição do automóvel”, compreende.

O secretário-executivo da SCSP, Luiz Alberto Sabóia, acrescenta que 70% a 80% dos deslocamentos pendulares (casa-trabalho/escola-casa) têm de ser feitos pelo transporte público, e que, para atrair o usuário, o ônibus tem de oferecer conforto, daí os investimentos municipais no Bilhete Único, nas faixas exclusivas, nos carros com ar-condicionado e wifi e no aplicativo Meu Ônibus.