Desenho urbano reduz os acidentes

05/04/2018 08:00 - O Estado de SP

Todos os anos, 1,2 milhão de pessoas morrem em todo o mundo em acidentes de trânsito, entre atropelamentos e colisões. O número supera o da população de algumas das maiores cidades brasileiras, como Campinas (SP), São Luís (MA) e Maceió (AL). A média brasileira é de 44 mil mortes no trânsito a cada ano – mais do que o total de moradores de Canela (RS).

Para chamar a atenção para o problema e pressionar governos de todo o mundo a tomarem providências, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que esta é a Década de Ação pela Segurança no Trânsito. Além de medidas de fiscalização e conscientização, a campanha trata o desenho urbano como estratégico para tornar o trânsito menos violento.

Isso significa pensar, por exemplo, a larguras das calçadas, que devem ser amplas para encorajar caminhadas, e sua superfície e revestimento – planas e anti escorregões. O formato e a dimensão das quadras é outro ponto importante: quanto maiores, mais propensas a serem percorridas por motoristas acelerados. Assim, o desenho urbano é uma espécie de caixa de ferramentas para tornar seguros os deslocamentos.

Ruas e avenidas sem travessia para pedestres e semáforos que dão prioridade à passagem dos carros se somam aos problemas. Passarelas elevadas dificultam a travessia, e o posicionamento de faixas de pedestres nas esquinas contribui para os atropelamentos – elas deveriam estar na metade do quarteirão para facilitar a visão do pedestre por quem dirige.

Faixas na mesma altura da calçada evitariam o sobe e desce das guias que é obstáculo para cadeiras de rodas e carrinhos de bebê – e motivo de tombos.

Saúde pública. “A segurança viária é hoje uma questão de saúde pública”, afirma Pedro Baumgratz, coordenador executivo da Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito em São Paulo, projeto liderado pelo ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg com presença em dez cidades, incluindo São Paulo e Fortaleza.

Na capital paulista, foram feitas intervenções temporárias em São Miguel Paulista (zona leste) e em Santana (zona norte), usando tintas, cones, floreiras e cadeiras de praia para chamar a atenção para a importância da convivência segura.

Para Baumgratz, há uma íntima relação entre processos de urbanização e acidentes de trânsito. Quanto mais recente é a transformação de uma região de rural em urbana, mais ocorrências ela registra. Não à toa, cidades na China e na Índia que só nos últimos anos passaram a ter a maioria de sua população urbana lideram em acidentes.

Os índices também crescem na África. “Esperamos que esse locais possam se desenvolver sem estarem centrados no uso do carro”, afirma Baumgratz, que também é diretor interino da Vital Strategies Brasil, empresa com foco em saúde pública. “Não se trata de acabar com o automóvel, mas de ter em mente que é preciso transportar pessoas, e não veículos.”

Embora seja improvável pular a etapa da motorização, é possível evitar os erros de desenho urbano cometidos em outros locais, equilibrando a proporção dos espaços destinados a motoristas, pedestres e ciclistas, explica. No dia 25 de maio, Baumgratz participa do Summit Mobilidade Urbana Latam 2018, em São Paulo.

Para Marta Obelheiro, coordenadora de Segurança Viária do WRI, instituição internacional de pesquisa, a equação é simples: onde há maior infraestrutura para pedestres, cai a mortalidade no trânsito. Ela cita como exemplos Barcelona, na Espanha, e Atlanta, nos Estados Unidos, que têm respectivamente 2,5 milhões e 2,8 milhões de habitantes. Enquanto a primeira é compacta e permite a maioria dos trajetos por transporte público ou a pé, a segunda é espraiada e dependente do carro, responsável por 70% dos deslocamentos. Resultado: Barcelona registra 2 mortes por cada 100 mil habitantes e Atlanta, 10 mortes por cada 100 mil habitantes.

Brasil. No País, São Paulo, Fortaleza e Curitiba estão à frente no esforço de melhorar a segurança viária. As três implementaram malhas cicloviárias e “áreas calmas”, nas quais a velocidade máxima é de 40 km/h, causando redução imediata nos atropelamentos. “O ser humano comete erros, inclusive ao volante, e é muito vulnerável às lesões de trânsito, com baixas chances de sobrevivência nas mais graves”, afirma Marta. “É preciso permitir a mobilidade, respeitando a fragilidade da vida humana.”

“Projetos de desenho urbano combinados ao uso de dados devem embasar políticas públicas com metas claras.” - Pedro Baumgratz, Coordenador Executivo da Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito em São Paulo