Design ativo privilegia a qualidade de vida

28/10/2016 08:05 - Valor Econômico

A explosão mundial de doenças relacionadas ao sedentarismo e à obesidade, o colapso do tráfego nas grandes cidades e preocupações ambientais estão impulsionando um movimento internacional em prol de cidades, com design que estimule a mobilidade a pé ou em bicicleta em oposição às concepções urbanísticas que privilegiam o automóvel. 

Ruas arborizadas, com calçadas amplas e paisagens que convidam a passear, ciclovias, espaços para usar skate, bicicletas compartilhadas. Esses são alguns dos elementos do “design ativo”, assim como um planejamento urbano que favoreça que as pessoas tenham comércio, lazer e trabalho perto de casa.

As motivações para o design ativo são fortes. As doenças relacionadas à obesidade e ao sedentarismo já são a principal causa de morte no mundo. No Brasil, já respondem por três de cada quatro óbitos. Já os acidentes de trânsito matam 1,2 milhão no mundo. No Brasil, em 2015, ceifaram 42,5 mil de vidas e fizeram meio milhão de inválidos. Mortes, hospitalizações e abortos aumentam nas cidades nos dias mais poluídos e os carros respondem por 65% das emissões—contra 19% dos ônibus.

É nesse contexto que o movimento pró-design ativo cresce no mundo e no Brasil. Pioneira, Nova York sistematizou seu aprendizado publicando, em 2010, um Guia de Design Ativo, com dicas para se transformar as cidades em espaços que estimulem o exercício físico nas atividades cotidianas.

Em 2012, o Brasil lançou sua Política Nacional de Mobilidade Urbana, a primeira a prever o estímulo aos deslocamentos a pé. As entidades que defendem a mobilidade a pé já somam mais de 130 no país e mobilidade urbana foi uma das principais bandeiras dos movimentos de rua de 2013.

Várias cidades brasileiras vêm avançando na área.  São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e o Distrito Federal, por exemplo, criaram sistemas de bicicletas compartilhadas, com centenas de estações onde usuários cadastrados podem pegá-las, usar e devolver em qualquer outra estação. No Rio de Janeiro, o sistema já tem 165 mil usuários.

Joinville traçou um Plano de Transporte Ativo que prevê reverter a redução do uso de bicicletas e mapear as áreas de maior oferta de serviços, comércio e equipamentos públicos para melhorar a “caminhabilidade” de seu entorno até os pontos de ônibus mais próximos.

Curitiba vem investindo em ciclovias e revitalização de calçadas para aumentar a segurança dos pedestres. Em cinco anos, as mortes por acidentes caíram 40%. Isso embora a cidade já fosse referência mundial em transporte público e urbanismo sustentável desde a década de 70, quando criou o Bus Rapid Transit (BRT) -- logo adotado pelo mundo a fora -- e iniciou um planejamento urbano focado em eixos estruturantes para que as pessoas morassem perto do transporte coletivo e pudessem acessar todos os serviços essenciais a pé ou de bicicleta.

Fortaleza implantou mais de 100 km de faixas de ônibus e 200 km de ciclovias. Junto de São Paulo, a cidade foi uma das dez do mundo escolhidas pela Iniciativa Global em Segurança Viária (IGSV) da Bloomberg Philanthropies para receber, por cinco anos, apoio técnico para novos projetos na área.

São Paulo talvez seja a cidade que adotou, recentemente, a maior variedade de iniciativas de design ativo. Em quatro anos, a prefeitura quintuplicou a extensão das faixas exclusivas de ônibus (que hoje somam quase 500 km), reduzindo em quatro horas semanais o tempo médio gasto no trânsito pelos usuários. 

Já a redução do limite de velocidade diminuiu em 24% as mortes por acidentes só no primeiro ano (2015), queda que deverá ser maior com a já planejada remodelação das ruas para obrigar os motoristas a irem devagar. O plano inclui estreitar faixas de carros, alargar calçadas, arborizar, colocar lombo-faixas para travessia e instalar parklets em vagas de estacionamento -- plataformas niveladas com a calçada que ampliam o espaço para pedestres, criando espaço para mesas e bancos públicos para o convívio social e atividades culturais.  O bairro de São Miguel Paulista, por ter a avenida mais mortífera da cidade, será o primeiro a receber a remodelação.

São Paulo também fechou dezenas de ruas para o trânsito aos domingos e feriados, transformando-as em espaços para caminhadas, lazer e manifestações culturais. E, graças à parceria com a ONG Cidade Ativa, a cidade está requalificando várias escadarias para intensificar seu uso como atalhos ou locais de convívio. O trabalho inclui melhorar a iluminação, a segurança, instalar WiFi, bancos, plantas e rampas para bicicletas, promover a pintura de grafites, de atividades culturais, como teatro, e até esportivas.

É o projeto Olha o Degrau, que, à pedido dos alunos, fez até um escorregador numa escadaria ao lado de uma escola do Jardim Ângela. A ONG, que defende isenção de imposto para bicicletas, lançou agora uma campanha para que os carros, como os cigarros, exibam advertências de que fazem mal para a saúde e podem matar. “Precisamos desglamurizar os carros porque eles estão nos matando, por acidentes, poluição ou sedentarismo”, resume Rafaella Basille, urbanista do Cidade Ativa.

São Paulo também quadruplicou sua rede de ciclovias – hoje com 400 km –, implantou centenas de bicicletários e agora discute, na Câmara dos Vereadores, um projeto de lei que cria recompensas financeiras para quem for trabalhar de bicicleta.

“Não se trata só de locomoção e sim tornar as cidades mais humanas porque a urbe feita para carros é violenta e isola” diz Paula Santos Rocha, coordenadora de mobilidade urbana e acessibilidade do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, que assessora inúmeras cidades do país em várias iniciativas de design ativo.