25/11/2013 09:53 - O Globo
Leia: Ela
fez história ao volante
NITERÓI - Respiração pausada, movimentos circulares e muito
equilíbrio. Os exercícios de tai chi chuan executados ao longo de 12 anos por
Kátia Braga são a chave para que ela não se estresse com passageiros rabugentos
ou com as temperaturas estratosféricas que encara devido à proximidade do motor
do ônibus. Todos os dias, antes de sair de casa, ela pratica a arte milenar
chinesa que ensinava até o projeto para o qual trabalhava ser extinto. Sem
possibilidade de continuar na profissão, Kátia fez uma mudança radical:
resolveu, há três anos e meio, virar motorista de ônibus.
— Ainda enfrentamos muito preconceito. Há duas empresas em
Niterói que não contratam mulheres de maneira alguma. É triste, mas são comuns
os casos de passageiros que desistem de embarcar quando veem mulheres ao
volante — diz Kátia. — Apesar de tudo, adoro o que faço. Muitas pessoas que
viajam de ônibus acabam virando amigas dos motoristas, dão até presentes.
Criança, então! Tem um menino de 3 anos que, todos os dias, me pede para
buzinar quando ele desce.
O encantador poder
feminino
Nessa relação motorista-passageiro, há quem acabe se
excedendo. Kátia conta que, muitas vezes, quem se senta no primeiro banco ganha
o apelido de "instrutor” por passar boa parte da viagem dando pitacos sobre a
direção. Mas não falta quem queira ficar ali para fazer galanteios. Kátia
elaborou uma teoria: muitos homens têm fetiche por mulheres que dirigem ônibus.
— Acho que eles enxergam as mulheres que controlam o veículo
como figuras poderosas. Já falei sobre isso com a minha psicóloga — conta
Kátia, arrancando risos da colega Sueli Donato.
Viviane Alves, também colega de Kátia na Ingá, concorda. Ela
lembra que um rapaz que trabalhava numa padaria virou seu fã e sempre lhe dava
docinhos.
— Um fiscal me contou que ele deixava vários ônibus passarem
só para pegar o meu. Dizia que, se ganhasse numa loteria, me contrataria para
ser sua motorista particular — revela Viviane, filha, irmã e neta de motoristas
que, quando era pequena, transformava tampas de panela em volantes durante
brincadeiras.
Viviane afirma não dar bola para cantadas, mas se mostra
vaidosa enquanto dá expediente. De unhas pintadas, usa luvas para não ficar com
calos e, ainda assim, forra o volante com uma capa cor-de-rosa. Além disso,
aproveita os engarrafamentos para passar creme hidratante.
Muitas viagens acabam
em casamento
A história de vida de Rosane Ferreira prova que a teoria de
Kátia faz sentido. Motorista de uma linha da 1001, ela passava todos os dias em
frente a uma loja na qual um funcionário estava perdido de amor por ela.
Esperto, ele descobriu os horários que o ônibus de Rosane parava num ponto
próximo e ia até lá pelo menos cinco vezes por dia.
— Ele inventava as desculpas mais estranhas para andar tanto
de ônibus. Depois de um ano e meio nessa novela, ele seguiu viagem até o ponto
final e pediu meu telefone — lembra Rosane, que está casada com seu admirador
há quase seis anos.
Depois de tentar várias profissões, Laudinete da Conceição
resolver apostar suas fichas na carreira de rodoviária. Começou como cobradora
e, há nove anos, passou a ocupar a cadeira de motorista. Dirigir ônibus nunca a
intimidou: ela é enfática quando diz que "é mil vezes mais fácil dirigir um
monstrão de 15 metros do que um carro”.
— A diferença entre um ônibus e um carro de passeio é
grande, e posso dizer que minha posição é muito melhor! Tenho uma visão muito
mais ampla, uso um retrovisor pelo qual vejo a lateral inteira do veículo. Na
verdade, só percebo como ele é grande depois que eu desço. Aí, sim, falo
"nossa, Laudinete, você estava levando tudo isso aí’ — brinca ela.
E a velha história de que homem dirige melhor do que mulher?
As moças garantem que se trata de uma grande mentira. Seus chefes fazem coro,
dizendo que, ao volante, elas são muito mais cautelosas com os outros veículos
do que seus pares masculinos, além de respeitarem mais as regras de trânsito e
esbanjarem paciência para lidar com os passageiros.
Elessandra Nascimento diz que nada a faz mais feliz do que
receber um elogio ou um agradecimento. Ela virou motorista de ônibus há 22
anos, e, atualmente, dirige entre Niterói e municípios da Região dos Lagos. Seu
sonho? Entrar na rota dos interestaduais.
— Quero muito fazer a linha Rio-São Paulo. Deve ser muito
emocionante dirigir naquela estrada enorme. O problema é que não existem
alojamentos femininos para o pernoite. As empresas ainda estão se adaptando às
mulheres — diz Elessandra.
Kátia mais uma vez se inspira no tai chi chuan para comentar
os percalços da profissão.
— Temos que respirar fundo, porque nem tudo é perfeito. Se fosse, pintaríamos os ônibus de rosa e trabalharíamos com cobradores de olhos azuis e mais de 1,70 metro de altura — diz ela, com o apoio das outras meninas.