Empresas de fretamento querem flexibilizar lei de acessibilidade

31/10/2017 07:00 - Diário do Transporte

ADAMO BAZANI

Os ônibus rodoviários brasileiros não oferecem acessibilidade adequada para as pessoas portadoras de deficiências de locomoção mais severas, que, por exemplo, usam cadeiras de rodas.

A partir de 1º de julho de 2018, após quatro adiamentos, em especial por pressão de donos e empresas de ônibus, deve entrar em vigor uma portaria do Inmetro, que obriga que todos os ônibus de padrão rodoviário saiam de fábrica com plataformas elevatórias, o que já acontece com os ônibus urbanos desde 2008, quando os modelos não são de piso baixo.

Relembre matéria:

https://diariodotransporte.com.br/2017/07/19/adiado-mais-uma-vez-prazo-para-onibus-rodoviarios-acessiveis-sairem-de-fabrica/

A questão ainda levanta polêmica, já que os operadores de ônibus, em especial de fretamento, querem que a obrigatoriedade da compra de veículos zero quilômetro acessíveis de fato, seja flexibilizada de acordo com o que classificam como realidade do mercado.

Segundo estes operadores, diferentemente dos ônibus urbanos e rodoviários de linhas regulares, a empresa já sabe quais os passageiros que vão utilizar os serviços e, por isso, podem disponibilizar os veículos com ou sem plataformas elevatórias, de acordo com as pessoas que vão transportar. Assim, as entidades que representam as empresas de fretamento defendem que a obrigação de compra de veículos com este tipo de equipamento possa abranger apenas um percentual da frota.

“Não somos contra a acessibilidade nos ônibus de fretamento. Nós só queremos que seja adequada à nossa demanda. O setor de fretamento tem uma demanda muito pequena para o transporte excessivo de cadeirantes. Nós entendemos que determinar que 100% da frota seja acessível é um desperdício, de recursos de tempo e tudo mais. Até porque, a pequena demanda que nós temos para fretamento contínuo (para fábricas e escritórios, por exemplo), normalmente os contratantes preferem que seja atendida por veículos menores, como automóvel ou van com acessibilidade.  O ônibus e o micro-ônibus, por serem veículos maiores, demandam muito espaço do viário e o embarque de um cadeirante é mais demorado, e isso acarreta uma série de impactos no trânsito das cidades e, muitas vezes, a sociedade não compreende isso e são hostilizados o motorista e o cadeirante. Essa situação não é benéfica para ninguém. Nós queremos atender a esta demanda, mas de forma mais versátil” – disse ao Diário do Transporte, a diretora executiva da Fresp, a federação que reúne as empresas de fretamento no estado de São Paulo, Regina Rocha de Souza Pinto.

A executiva também defendeu sistemas mais eficientes de autorização e cadastro da entrada de ônibus de fretamento em cidades, como do Litoral Paulista.

Empresários de ônibus de fretamento de outros estados, como o Paraná, também defendem apenas percentuais de frota nova com plataformas elevatórias para este segmento e que não sejam obrigados pela portaria. Que a opção de colocar ou não os equipamentos seja uma determinação do mercado.

“O Sinfretiba tem participado ativamente destes debates e a nossa bandeira é que nós devemos ser desconsiderados desta legislação, tendo em vista que é um transporte privado. Não é um serviço público delegado, como o urbano e o rodoviário. A pessoa pode escolher a empresa que atenda os requisitos e necessidades dela. Até porque a quantidade de pessoas com deficiência que precisaria da plataforma elevatória no fretamento, na prática ninguém sabe qual é. Assim, nem tem como determinar quantos ônibus. A gente tem defendido que o transportador de fretamento deve ser excluído dessa exigência”  - disse o vice-presidente do Sinfretiba, que reúne as empresas de fretamento de Curitiba e demais municípios do Paraná, André Isaak, que também é proprietário da empresa Visani.

A Visani Turismo hoje possui 14 ônibus, mas empresas maiores também contestam a obrigatoriedade de todos os ônibus zero quilômetro de fretamento serem acessíveis.

O diretor comercial da Rimatur, Emerson Imbronizio, conta que a companhia tem uma contratante que precisa de transportes de pessoas com deficiência e que faz o atendimento com van e não ônibus de maior porte.

“Hoje eu tenho um só cliente (empresa contratante de serviço) que eu atendo com um veículo adaptado, uma van. Eu transporto três cadeirantes e eu vou buscar estes cadeirantes em casa. Há dificuldade de o cadeirante se locomover até o ponto da linha de fretamento. O cadeirante não consegue chegar na linha e dar o embarque. É muito difícil também o motorista parar o ônibus, acionar o elevador, trancando a pista. A gente vê que no fretamento contínuo não faz a menor necessidade de ter todos os ônibus adaptados. É melhor ter uma van adaptada e buscar a pessoa em casa e fazer um transporte exclusivo para ela do que ficar trancando a rua por não ter estrutura para acionar a cadeira num ônibus grande” – disse o empresário. A Rimatur possui 430 veículos, divididos entre vans, micro-ônibus e ônibus.

André Isaak e Emerson Imbronizio também falaram sobre as características do fretamento no Paraná e sobre as perspectivas de recuperação da crise econômica.

BAIXA PROCURA É RESULTADO DA BAIXA OFERTA, DIZ ENTIDADE:

A argumentação de que não será necessário que toda a frota nova de ônibus de fretamento seja acessível pelo fato do conhecimento prévio da demanda e do número reduzido de passageiros com limitações mais severas é contestada por entidades de defesa de pessoas com deficiência.

Para a superintendente do IBDD -Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Teresa Costa d’Amaral, que conversou por telefone com o Diário do Transportenesta segunda-feira, 30 de outubro de 2017, o fato de as empresas de ônibus de fretamento não oferecem veículos acessíveis desestimula a procura.

“É um absurdo esta situação e os constantes adiamentos. Têm empresas que só contratam pessoas com deficiência por causa da cota e, preferencialmente, as que possuem alguma forma de chegar ao trabalho por conta própria. Às vezes, esta empresa teria estrutura física de contratar uma pessoa com deficiência, mas não faz por causa da falta de opção de transportes. Nem sempre as linhas urbanas são suficientes. A questão do turismo é grave também. Quantas pessoas com deficiência, numa igreja, num clube, numa associação, não participam de excursões, viagens, porque sabem que não vai ter um ônibus adequado. Acaba havendo uma exclusão porque a pessoa acha que vai atrapalhar as demais. A procura não é maior porque não tem oferta das empresas de ônibus. A cadeira de transbordo é desumana.” – disse Teresa, que ainda acrescentou que falta uma visão de negócios dos empresários de ônibus que são contra os equipamentos em todos os novos veículos.

 “Não tenha dúvidas que há uma demanda reprimida. Segundo o IBGE, 6% da população brasileira têm deficiências que fazem necessário o uso de equipamentos, como cadeira de rodas. Gente, são 6% de 200 milhões de pessoas. É uma falta de visão achar que não existe esta demanda. É claro que hoje a procura é baixa, mesmo para as empresas que possam ter os equipamentos nos ônibus, porque, ao olhar o mercado todo, as pessoas vão ver que a grande maioria não oferece veículos acessíveis de verdade e nem procuram. É difícil o cidadão comum ou a pequena empresa ou igreja acharem companhias de fretamento com ônibus acessíveis. Por isso não tem procura. Lamento pelos empresários de ônibus não contribuírem para a mudança dessa cultura de segregação. Quem tiver ônibus acessível, vá às empresas, vá às igrejas, vá às associações e faça mesmo a propaganda do serviço. Você vai ver como começarão a aparecer sim os passageiros” – pontuou Teresa.

Diário do Transporte conversou no evento da ANTTUR (Brasil Fret 2017) e da Fresp (encontro das empresas de fretamento) com fabricantes de carrocerias de ônibus que garantiram que a indústria já tem veículos rodoviários de diversos portes com as plataformas elevatórias.

As encarroçadoras que expuseram modelos foram Marcopolo, Volare, Neobus, Caio e Mascarello.

Os equipamentos deixam os veículos, em média, R$ 30 mil mais caros. O preço de um ônibus pode variar de R$ 300 mil a R$ 1 milhão, dependendo do porte e configuração

A partir de 1º de julho de 2018, nenhum ônibus de padrão rodoviário pode sair de fábrica com as cadeiras de transbordo e sem plataformas elevatórios, de acordo com portaria 205, publicada em 19 de julho pelo Inmetro – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, no Diário Oficial da União. Mas a data pode ser adiada de novo.

Desde 2015, as normas estão para entrar em vigor, mas, principalmente as empresas, barraram alegando custos maiores e falta de disponibilidade tecnológica no mercado.

A obrigatoriedade anteriormente era para entrar em vigor no dia 2 de junho de 2015, depois foi para 1º de julho de 2016, 1º de julho de 2017 e, agora, 1º de julho de 2018.

Ônibus de dois andares poderão ter rampas de acesso ao primeiro piso.

A portaria vale para ônibus 0 km, não afetando os fabricados até 30 de junho de 2018.

Em relação aos ônibus urbanos e metropolitanos, a obrigatoriedade de elevadores ou rampas para o piso baixo está em vigor desde 2008.

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes