Erros no trânsito ajudam a ensinar e mudar postura de motoristas

27/05/2017 08:22 - Diário Catarinense

ALINE CAMARGO

A frase “A vida é feita de escolhas” é, possivelmente, um dos maiores clichês literários/editoriais/publicitários. Mas é, também, uma verdade, ou não faria tanto sucesso. Você pode acreditar em horóscopo, tarô ou destino, mas certamente concorda que cada escolha que fazemos tem um peso no rumo que a vida toma. Ir à academia ou não, estudar ou trabalhar, casar ou comprar uma bicicleta... Ou dormir mais cinco minutos e acelerar o carro além do permitido para não chegar atrasado. Esta é, por exemplo, uma decisão que traz consequências capazes de mudar os acontecimentos para sempre. É nisso que se baseia a campanha deste ano do movimento Maio Amarelo, dedicada a conscientizar motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres para tornar o trânsito mais seguro.

Ultrapassar ou não? Dar a passagem ou bloquear o carro que segue atrás? Beber e dirigir ou voltar de carona? Essas perguntas permeiam a cabeça de quem está no trânsito e foram elas que mudaram o rumo das vidas das três pessoas desta reportagem. Eles aceitaram contar suas histórias, dois deles preservando o anonimato. O desfecho dessas histórias é triste, inesquecível e deixou marcas inabaláveis – além das sentenças que cumprem acompanhados pela Central de Penas e Medidas Alternativas do Estado de Santa Catarina. Essas escolhas também trouxeram o aprendizado de que a calma e conscientização são receita de prevenção no trânsito.

O que não se esquece

No início de uma noite de 2007 o empresário Fabiano Marcos da Silva, hoje com 38 anos, viu as mudanças que frações de segundo no trânsito podem causar na vida de uma pessoa. Ele voltava para casa em Blumenau depois de um dia de trabalho quando, na BR-470, se envolveu em um acidente em que um motociclista morreu na região de Indaial. Ele conta que, quando percebeu que era possível, decidiu ultrapassar três veículos – um caminhão pequeno e dois carros – e voltou para sua pista de origem. Pouco depois, um veículo que passava pela terceira faixa desviou de um buraco na pista e foi quando os dois teriam colidido. Com o impacto, o carro que Fabiano guiava teria atravessado a pista e atingido em cheio o motociclista, que não resistiu e morreu na hora.

Ele tentou provar que não tinha culpa, mas o entendimento da Justiça foi diferente e o empresário foi condenado: dois meses sem CNH, dois salários mínimos e 720 horas de serviços à comunidade. O acidente e a sentença serviram de lição para a vida, principalmente de não guiar o veículo em velocidade excessiva – um dos maiores riscos da direção, já que diminui o tempo de resposta a qualquer imprevisto que surja no caminho.

Se tornar um motorista mais consciente passa também pela orientação que dá aos funcionários que dirigem e ao filho de 17 anos, que já pensa em tirar a própria CNH.

– A gente cuida tudo, para não ter problemas, porque é muito difícil. Meu filho já quer praticar, e eu falo para ele sempre ter cuidado, ensino o certo, porque senão a gente apanha da vida. Eu faço o serviço comunitário (da sentença) na escola que ele estuda, então ele tem o exemplo do que não fazer e do que acontece se fizer o errado. Assim se aprende – conta.

É transmitindo sua experiência que Fabiano quer fazer com que o filho seja de uma geração de motoristas melhores, já que a dele aprende muito mais com o sofrimento do que com a sabedoria de quem já viveu as dificuldades:

– Às vezes passo por um acidente e sei muito bem como é. É um alerta, e você não esquece, não consegue esquecer.

Mudança de vida

Empresário, 44 anos, ele já esteve dos dois lados das consequências de acidentes de trânsito. Em 1999 foi vítima: atropelado, teve várias fraturas na perna e um prejuízo na vida, que parou por mais de um ano enquanto ele se recuperava. Muito tempo depois, foi o causador do acidente que lhe trouxe uma série de lições:

– A principal é que não combina (álcool e direção).

Na virada de 2012 para 2013, depois de uma festa de fim de ano com bebida alcoólica, ele decidiu ir embora quando uma briga se ensaiava para começar. O limite já tinha ficado para trás, mas ele decidiu ir dirigindo. Dormiu ao volante. Atingiu um motociclista. Acordou com o impacto e com o acidente já acontecido. A motocicleta ficou destruída, o carro teve alguns problemas, mas a vítima, por sorte, sofreu apenas alguns arranhões. Foi preso em flagrante, teve a CNH retida, mas devolvida na saída.

O processo correu e a sentença saiu no final de 2015. Com a pena abaixo de quatro anos, conseguiu que ela fosse convertida para fiança e horas de serviço comunitário. Dirigiu apenas uma vez desde o acidente, justamente para ajudar um amigo alcoolizado. Praticamente parou de beber – “só se estiver em casa, num churrasco com a família, uma cerveja e olhe lá”, diz ele – e acredita que melhorou depois desta decisão:

– A diferença entre o remédio e o veneno é a quantidade. O acidente foi só a gota d’água, porque se uma pessoa bebe a ponto de dormir, é porque já está com problema, ela vai se desligando. Eu me achei bem sem beber. Aprendi que não é preciso e que beber e dirigir é muito grave.

A vida também melhorou. Hoje ele tem uma casa para cuidar, uma família que lhe dá apoio e uma vida para fazer planos. A CNH que não usa mais venceu em 2015. Ele pretende renovar, mas não é a prioridade. Prefere andar de ônibus, porque “a mobilidade está horrível, então assim é mais fácil”.

Lembrança eterna

Se naquela época eu fosse o motorista que eu sou hoje, aquele acidente não teria acontecido.

É assim que o empresário de 31 anos, que hoje paga pela imprudência cometida há mais de uma década, define a maneira como o erro do passado o transformou em um motorista mais tranquilo e consciente.

Doze anos atrás ele se envolveu em um acidente na BR-470, entre Indaial e Blumenau. O motorista do outro carro estava forçando uma ultrapassagem e ele estava bloqueando. Na batida, ele atingiu um terceiro carro que vinha no sentido contrário e três pessoas morreram.

Ele ficou desacordado e chegou a ficar um tempo hospitalizado até se recuperar e tentar tocar sua vida adiante, marcada naquele dia por um episódio trágico. O motorista do segundo veículo se manteve acordado e deu a sua versão dos fatos, que constou no processo.

– Eu fiquei 10 anos tentando recorrer, para dizer que a culpa não era 100% minha. Depois de muito tentar eu desisti de recorrer e assumi essa culpa integral, mesmo sabendo que uma parcela não era minha responsabilidade. Mesmo assim, tudo o que eu passei e o que eu estou pagando não é nada perto das vidas que se perderam, das famílias que ficaram arrasadas – reflete.

O acidente na juventude mudou a forma que ele tinha de entender e se relacionar com o trânsito. Deixou para trás um jovem inexperiente e irresponsável na frente do volante e deu lugar a um motorista ciente da importância de seus atos, suas escolhas e seu cuidado dentro do trânsito. O modo de direção defensiva guia os quilômetros que roda na cidade e nas estradas, onde afirma não ultrapassar os 80 quilômetros por hora. A sentença pela imprudência, que ele cumpre acompanhado pela Central de Penas e Medidas Alternativas, é ficar cerca de três meses sem a Carteira Nacional de Habilitação, pagar cestas básicas e cumprir horas de serviço comunitário. A lição, ele diz, é para sempre.