17/05/2015 08:00 - O Globo
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Com vista para o mar de São Conrado, ao lado de uma sede de UPP em construção, um prédio irregular de cinco andares no alto da Rocinha (à direita) teve as obras embargadas, mas uma liminar impede a demolição, revela SELMA SCHMIDT. Outro edifício com 50 quitinetes é anunciado em painel de LED. "Aqui é o refúgio dos falidos do asfalto”, diz Rafael Matoso, dono do negócio. Segundo a Associação de Moradores de São Conrado, há 210 casas em áreas de preservação da favela. Um letreiro digital atrai a atenção de quem passa pela Estrada da Gávea, na altura da Rua 1, na Rocinha. "Região Administrativa de mãos dadas com você. # jesusdonodolugar. Alugo apartamento e estacionamento”, diz o anúncio em movimento. Com letras e números em vermelho, o painel de LED indica ainda um celular de contato. A ligação é atendida prontamente por Rafael Matoso de Araújo, o Rafael da Rocinha. Dono de um prédio de cinco andares (dois deles no nível da rua e três na encosta) com 50 quitinetes, ele trava uma queda de braço com a Empresa de Obras Públicas do estado ( Emop) pela permanência do imóvel dentro do parque ecológico que começou a ser implantado na favela em 2009 e ainda está inacabado. Certo de que sairá vitorioso do embate, Rafael, há seis meses, até ampliou seus negócios: ergueu, no terreno junto ao edifício, uma garagem com cobertura de alumínio para 12 carros.
O mercado efervescente de aluguel na Rocinha continua
enchendo os olhos de investidores que apostam na informalidade e na
fiscalização deficiente. Levantamento feito pela Associação de Moradores e
Amigos de São Conrado (Amasco), com o apoio de moradores da comunidade, estima
em 210 as construções irregulares apenas na mata da Área de Relevante Interesse
Ecológico (Arie) de São Conrado, criada em 2003.
A Amasco encaminhou carta e dossiê — mapa e fotos tiradas
nos últimos meses — ao prefeito Eduardo Paes, com objetivo de voltar a
alertá-lo para as invasões em área ambiental e pedir que implante uma
fiscalização rigorosa. Nos próximos dias, o documento será entregue ao
Ministério Público estadual.
— Boa parte dos que vivem nas casas erguidas nessas invasões
não é proprietária, mas inquilina, paga aluguel. Há os que lucram com as
construções irregulares. São especuladores imobiliários que se aproveitam da inoperância
do poder público para expandir o seu negócio imobiliário. E essas moradias não
têm qualquer infraestrutura, sendo um risco para a saúde e a vida de quem mora
no local — afirma José Britz, presidente da Amasco.
CONSTRUÇÃO COLADA NA NOVA UPP
Fora da estimativa da Amasco estão obras no miolo da
comunidade que também não foram contidas, apesar de um decreto, de abril de
2011, proibir novas edificações na favela, exceto públicas e unifamiliares.
Também não entram na contabilidade da associação as construções dentro do
parque ecológico, como o estacionamento e o prédio de Rafael. O parque não
integra a Arie.
Segundo a Emop, Rafael foi o único dos ocupantes da região
do parque que não aceitou a proposta de indenização pelas benfeitorias para
desocupar o espaço. O processo já está na Procuradoria Geral do Estado, que
pode indenizá-lo ou desapropriar o imóvel, num acordo ou na Justiça.
— Esse imóvel (com entrada pela Estrada da Gávea 306, na
região do Portão Vermelho) é da minha família desde 1990. Queriam dar R$ 179
mil. Temos dois mil metros quadrados de área construída. É muito pouco. O
estado pagou quase R$ 30 mil por um barraco perto de nosso prédio — alega
Rafael, de 37 anos, que mora no edifício.
Ele já foi dono do ponto de mototáxis da favela e trabalhou,
no ano passado, para um político local — um candidato a deputado estadual, de
quem herdou os letreiros de LED que usa para anunciar a locação de seus
imóveis. Hoje, além de receber aluguéis — Rafael diz que cobra até R$ 700 por
uma quitinete e R$ 280 por uma vaga de garagem —, ele tem uma barraca de
cachorro-quente e pastel.
— Apesar do descaso do setor público com a comunidade, a
Rocinha é um atrativo para a moradia. Ela é o refúgio dos falidos do asfalto,
que vão morar no morro para ficar perto do trabalho — analisa.
Dentro do parque ecológico está sendo erguida legalmente a
sede definitiva da UPP da Rocinha. Colada a ela, há uma construção iniciada sem
licença, em fevereiro de 2014, e embargada pelas secretarias municipais de
Urbanismo e Meio Ambiente, já no quinto pavimento, segundo a Emop. Uma liminar,
no entanto, impede a demolição do imóvel, de onde se tem uma vista panorâmica
da Praia de São Conrado. A obra tem até placa com o nome do engenheiro
responsável.
A Emop sustenta que o paraibano José Bezerra de Souza está
construindo irregularmente no local. A empresa garante ainda que, em 2010,
pagou R$ 165 mil por benfeitorias feitas por ele (imóvel com três pavimentos).
Bezerra, por sua vez, argumenta que só foi indenizado pela área onde ficará a UPP.
— Sou dono também do local onde estou construindo um porão e
três andares, um para mim e os outros para meus filhos. Só me indenizaram por
uma casa — diz Bezerra, que é proprietário do Rei das Carnes, um açougue no
Caminho do Boiadeiro.
De acordo com o escritório de advogacia que defende Bezerra,
trata-se apenas de uma obra de reconstrução da casa adquirida por ele em 2008.
O escritório apresenta documento de compra e venda, firmado na União
PróMelhoramento dos Moradores da Rocinha, mostrando que Bezerra adquiriu por R$
7 mil um imóvel descrito como "um salão composto de 12 metros de frente e dez
metros de fundos” e laje, na Rua Dioneia 733 A.
Braço da Secretaria municipal de Urbanismo na favela, o
Posto de Orientação Urbanística e Social (Pouso) da Rocinha funciona
precariamente numa pequena sala cedida pela XXVII Região Administrativa. Lá, de
segunda a sexta, um engenheiro e uma secretária recebem denúncias e atendem a
comunidade. Outro engenheiro e uma arquiteta vão ao local uma ou duas vezes por
semana. Os técnicos não contam sequer com telefone fixo, e o contato com a
prefeitura é feito através do Tele Pouso, destinado a atender os moradores.
Novo administrador regional da Rocinha, Sidnei Ferreira, que
assumiu o cargo há menos de um mês, garante que trata como prioridade o combate
às construções irregulares e que chamou para assessorá-lo nove moradores da
comunidade, que têm facilidade de circular pela área.
— A Rocinha é o maior foco de tuberculose do município.
Coladas umas às outras, muitas casas não recebem a luz solar. Ontem
(segundafeira), pedi o embargo de uma obra, na entrada da Rua 2. Estavam
fazendo um puxadinho ao longo de toda a lateral de um prédio de quatro andares.
O próximo passo é pedir a demolição — conta Sidnei. — Mas temos casos em que a
demolição é suspensa por liminar, como a construção cinematográfica ao lado da
UPP. Essa é uma obra que não custa menos de R$ 2 milhões.
Outro exemplo de demolição sustada pela Justiça é a de um
prédio na mesma rua, em que foram erguidos três andares e uma cobertura sobre a
construção existente. O edifício passou a ter sete pavimentos de frente para a
Rua 2.
DESDE 2009, SETE DEMOLIÇÕES NA ROCINHA
A prefeitura informou que, desde o início da primeira
administração de Eduardo Paes (2009), sete imóveis irregulares foram demolidos
na Rocinha, nenhum deles em 2015. Este ano, seis construções foram embargadas
na favela. Foram ainda elaborados dois laudos de vistoria administrativa,
último passo antes da demolição.
Só na mata, pelo levantamento da Amasco há seis pontos onde
os limites são desrespeitados. Na Vila Verde e no Laboriaux, se concentram mais
construções irregulares dentro da Arie: 50 em cada um.
Presidente da Associação de Moradores de Laboriaux e Vila
Cruzado, José Ricardo Duarte Ferreira reclama da falta de ação do poder
público:
— O prefeito Eduardo Paes esteve no Laboriaux no segundo
semestre de 2013. Prometeu que faria a contenção da encosta e a realocação das
famílias que estavam em área de risco. A prefeitura só fez a contenção e
demoliu as casas que estavam do lado voltado para a Gávea. Do lado virado para
São Conrado, retirou as pessoas, mas não demoliu as casas, que acabaram
reocupadas. Esses imóveis estão em área ambiental e de risco.
A série "Favela S/A”, publicada pelo GLOBO em 2008, mostrou
que quatro dos cinco maiores "tubarões da construção civil” na Rocinha já não
viviam mais na comunidade. Firmes e fortes, os cinco mantêm o negócio de
aluguéis.
— Eles não largam o osso. Só passam para receber — diz um
morador antigo da favela, que não quer ser identificado.
Adeir Tostes Faria e Gonçalo Waldemar Evangelista, o Waldemar do Gás, vivem na Barra. Mário José Rezende de Seixas, o Marinho, mudou-se para São Conrado. Já Julian Lopes Pereira, o Julinho, foi para Jacarepaguá. Antônio Baía Rosa Filho, que ergueu o prédio mais alto da Rocinha (o "Empire State”, de 11 andares, denunciado pelo GLOBO em 2005), não saiu da favela. No "Empire", uma quitinete é alugada por R$ 780.