Estudo sobre ondas se refere apenas aos pilares

28/04/2016 07:45 - O Globo

O projeto da Ciclovia Tim Maia previa o impacto de ondas, mas só nos pilares. Para estudiosos, a construtora deveria ter ampliado os cálculos para a ação do mar na pista. O projeto básico da Ciclovia Tim maia previu o impacto de ondas de até cinco metros sobre os pilares da estrutura, conforme relatórios enviados ao Tribunal de Contas do Município (TCM). O cálculo consta em documento da Geo-Rio e aponta que a velocidade da água poderia alcançar 65 quilômetros por hora. Os técnicos fazem referência a dados de estudo da Praia de Ipojuca, em Pernambuco.

CUSTODIO COIMBRA/21-04-2016 Falha. Onda bate na Ciclovia Tim Maia e na mureta da Avenida Niemeyer durante a ressaca de quinta-feira, quando trecho desabou matando duas pessoas


O que o projeto não previu foi que essas ondas, ao se chocarem com o costão da Niemeyer, ganhariam energia e alcançariam, com força muito maior, a pista, 25 metros acima. A falta de previsão desse fenômeno tão comum àquela região pode ter sido fatal. O documento observa que “a sustentação vertical das estruturas é assegurada por pilares encabeçados por uma travessa que recebe os vãos simplesmente apoiados”.

Para o professor da Uerj Albino Joaquim Cunha, faltou no projeto básico o cálculo do impacto da água sobre o costão, criando força de baixo para cima.

— As cargas de água deveriam ser passadas para um engenheiro calculista, que iria chegar à conclusão sobre se a força de baixo para cima é maior que o peso do tabuleiro. Em caso afirmativo, deveria prever, então, uma ancoragem, ou seja, uma amarração no local — explicou Albino. — Eles (os engenheiros responsáveis) podem até ter feito esse cálculo, mas talvez tenham chegado à conclusão de que a onda era menor e não chegaria ali — completou.

Para o engenheiro de estruturas Manoel Lapa, mesmo que o projeto básico não previsse esses cálculos, o projeto de execução da obra teria que analisar esse impacto:

— Ao bater no costão, a água absorve a energia e sobe, alcançando força e altura muito maiores. Isso é um ponto importante e precisa ser mencionado na memória de cálculo — afirmou o engenheiro que coordena a comissão do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) que apura o acidente.

O trecho da Ciclovia Tim Maia na altura da Gruta da Imprensa caiu há uma semana, matando duas pessoas. O tabuleiro despencou depois que uma onda atingiu a estrutura, invadiu a Avenida Niemeyer e chegou a quebrar o para-brisas de um ônibus. Bombeiros resgataram do mar os corpos de Eduardo Marinho de Albuquerque e Ronaldo Severino da Silva, que caminhavam no local e foram lançados ao mar. Imagens da câmera de segurança do coletivo mostraram o momento em que a onda atinge o veículo.

ONDAS NOS PILARES

Embora ainda não se tenha conhecimento sobre a memória de cálculo do projeto realizado pelo consórcio Contemat Concrejato, partes do projeto executivo revelam que a empresa chegou a prever a força das ondas nos pilares de sustentação. Em várias plantas, os técnicos fazem referência à classe de “agressividade ambiental 3 - Forte”. Segundo especialistas, a classificação da força da natureza para efeito de cálculos de projeto vai até 4.

O jornal teve acesso ao documento e o submeteu a especialistas. Com base no cadastro técnico da ciclovia, que leva em consideração o projeto executivo, a chamada carga de multidão calculada foi de 5 kilonewtons por metro quadrado, que indica a sobrecarga que a estrutura pode suportar. Segundo Manoel Lapa, a carga prevista foi considerável:

— Se a ciclovia estivesse em outro lugar, seria bem mais resistente, por exemplo, que as passarelas das vias expressas.

Ainda de acordo com Lapa, o projeto executivo não previu a ancoragem (fixação) entre o tabuleiro e os pilares. No entanto, no orçamento da obra, foi previsto o uso de barras Gewi, estruturas normalmente utilizadas em processos de ancoragem. Essas barras, segundo o projeto executivo, foram empregadas apenas para ancorar os pilares na rocha.

O especialista Albino Joaquim Cunha também analisou o documento e percebeu que não há menção ao levantamento do tabuleiro por ação da força do mar.

— Não há referência a qualquer dispositivo para evitar o levantamento da pista por ação de onda, algo que poderia estar previsto, talvez, em outro trecho do projeto executivo — afirmou.