Evidências de falhas em série na queda da ciclovia - Editorial

27/04/2016 08:12 - O Globo

Uma sucessão de falhas é fonte comum de acidentes aéreos. Somados, erros humanos cometidos na cabine de comando ou colapsos em sequência de material, originados de um defeito primordial, levam quase irreversivelmente a grandes tragédias. Em engenharia, essa cadeia de causas também costuma terminar em sinistros. Foi assim no desabamento de parte da pista da Ciclovia Tim Maia, no feriado da semana passada: juntou- se no acidente uma série de maus passos, com erros no projeto, na execução e na fiscalização da obra.

Buscar responsabilidades passa, por óbvio, pela investigação de como se deu a construção do passeio em todas as suas etapas. As evidências de falhas que antecederam a inauguração da ciclovia são fartas: em entrevista ao “Jornal Nacional”, o pesquisador da Coppe/ UFRJ Moacyr Duarte afirmou que o projeto básico, feito pela prefeitura, negligenciou um procedimento inescapável em obras com as características da ciclovia, um trajeto ao longo de um paredão que se projeta para o mar: a montagem de uma estrutura que aguentasse o impacto das ondas e a amarração da pista com os pilares do sistema estrutural.

Para o especialista, não prever, no projeto, a possibilidade de que ocorresse um esforço de baixo para cima, como o provocado por ondas fortes, um movimento natural típico de ressacas, foi a razão do colapso estrutural na ciclovia. Esse é um dos pontos a partir do qual o poder público precisa investigar por que se chegou à tragédia que custou a vida de pelo menos duas pessoas.

Há ainda, olhando em retrospecto para o cronograma da obra, outras evidências de que houve, no mínimo, desleixo com procedimentos estruturais ou de prevenção, recomendáveis em quaisquer construções. Imagens divulgadas esta semana em redes sociais mostram que, em um trecho da ciclovia, faltavam parafusos no guarda- corpo. Se isso não chega a ser um risco a ponto de ter contribuído para o desabamento, é sinal de que a pista foi entregue sem que tenha sido observado o necessário zelo. Em outras palavras, descuido.

É da cultura do país, uma vez tendo ocorrido um acidente como o de São Conrado, autoridades responsáveis entregarem- se ao velho jogo do empurra. Nele estão prefeitura e Tribunal de Contas do Município, órgão fiscalizador no âmbito do poder público de empreendimentos desse tipo. As duas partes discutem se foram ou não observados os procedimentos recomendados pelo TCM durante a construção. Independentemente de quem tenha razão, o certo é que houve falhas que precisam ser identificadas para evitar que se repitam.

Deve- se também avaliar se prefeitura e construtora privilegiaram o tempo à integridade estrutural da obra, de olho no calendário olímpico. Não só para se cobrarem responsabilidades, mas também em razão da suspeição que o desabamento da ciclovia projeta sobre a confiabilidade de todo o mobiliário urbano montado para a Rio- 2016. Mais do que uma dúvida, essa é uma ameaça que não pode reduzir a segurança do evento.