Esse ir e voltar para o trabalho de ônibus e bicicleta for
uma opção realmente atrativa em Fortaleza? Abrir espaço para o transporte
público e veículos não motorizados faz parte das mudanças aplicadas ao trânsito
da Capital nos últimos quatro meses. Intervenções que desafiam e impactam
diretamente o cotidiano dos condutores. Gerar uma convivência inclusiva e
pacífica nas ruas não é tarefa simples ou imediata. O trânsito almejado por
especialistas e gestores descentraliza o domínio do veículo particular e
permite maior movimentação de pessoas com integração dos diversos modais de
transporte.
Um conjunto de intervenções começou a ser pensado para
Fortaleza em janeiro deste ano pelo grupo técnico do Plano de Ações Imediatas
de Transporte e Trânsito (Paitt). A primeira mudança ocorreu na Aldeota.
Concluída em junho deste ano, a implantação do sistema de binário nas avenidas
Dom Luís e Santos Dumont deu sentido único a cada via em direções opostas. Em
meio às polêmicas pela (pendente) transformação na Praça Portugal e pela
retirada de árvores nos canteiros centrais, chegaram faixas exclusivas para o
transporte público e para os ciclistas.
As mudanças na malha viária se intensificam com a pintura
das faixas exclusivas para ônibus em outros locais, como na Avenida da
Universidade e nas avenidas Carapinima, José Bastos e Domingos Olímpio. E com
ações envolvendo os ciclistas: a Ciclofaixa de Lazer aos domingos (já na
segunda edição ontem) e as bicicletas compartilhadas prometidas para outubro. A
ideia é dar mais velocidade operacional aos ônibus e estimular o uso das
bicicletas em deslocamentos curtos. Para Luiz Alberto Sabóia, coordenador do
Paitt, a principal iniciativa é tentar tornar o transporte atrativo para as
pessoas. O objetivo é que, gradativamente, o cidadão opte por deixar o carro em
casa confiando em um sistema rápido, confortável e previsível para os trajetos
entre casa, trabalho e escola.
Priorizar o transporte público e oferecer condições ao uso
de bicicletas para viagens de até cinco quilômetros são ações positivas que
incentivam a equidade social e maximizam o uso do espaço urbano, segundo o
professor Flávio Cunto, do Departamento de Engenharia de Transportes (DET) da
Universidade Federal do Ceará (UFC). Análise semelhante faz Mário Ângelo
Azevedo, engenheiro civil e professor do mesmo departamento. "É um começo. São
medidas animadoras e fazem parte de um processo de mudança que leva um bom
tempo para que vejamos os efeitos reais”, pontua. Um exemplo citado é o trajeto
para ciclistas aos domingos. Para Azevedo, possibilitar o espaço de lazer é uma
forma de começar a sensibilizar a população para o uso deste modal no
dia-a-dia.
Curto prazo
De acordo com Cunto, nem todas as ações emergenciais para o
trânsito têm efeito resolutivo ao longo dos anos: sistemas de binários,
viadutos, túneis e trincheiras têm curto prazo de validade se não contribuem
para a reorganização do espaço urbano. Assim, é mais abrangente reduzir a
necessidade de viagens longas reunindo lazer, serviços e comércios em áreas
nucleares. De efeito mais duradouro, segundo o engenheiro civil, é a cultura de
convivência o transporte público e bicicletas na rua. Para gerar nova
consciência, a demanda destes modais deve ser encarada como legítima e
indispensável à cidade, aponta.
À frente do Paitt, Luiz Alberto Sabóia explica que as ações
buscam combater de forma imediata os principais gargalos da cidade. A longo
prazo, existe a elaboração do documento Fortaleza 2040 para planejar a gestão
de uso e ocupação do solo e ordenamento espacial da cidade. Enquanto ele não
vem (foi prometido para dezembro de 2015), as medidas emergenciais buscam
consonância com as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana,
instituída na lei 12.587 (em 3 de janeiro de 2012).
Saiba mais
A partir de hoje, mais duas avenidas terão faixa prioritária
para o transporte coletivo: José Bastos (entre a rua Padre Cícero e a avenida
Senador Virgílio Távora) e Domingos Olímpio (entre as avenidas Bezerra de
Menezes e Dom Manuel), somando 11,3km.
De acordo com a Etufor, a medida deve atingir 182 mil
passageiros por dia e 46 linhas de ônibus.
As paradas de ônibus localizadas no percurso deverão passar
por redimensionamento. A distância entre os pontos será de 500 metros e haverá
comunicação visual com informações sobre as linhas.
Frases
Qual sua opinião
sobre o novo desenho do trânsito de Fortaleza?
Multas
"É sendo multado que o cearense aprende. Com agentes
presentes, começaremos a criar o hábito de respeitar (a faixa exclusiva para
ônibus)” - Maria Luana Laurindo, 17 anos, estudante universitária
Fiscalização
"Quase ninguém respeita (a faixa exclusiva). É uma mudança
que precisaria de fiscalização e educação. Nãotenho visto ninguém por aqui
orientando” - Felipe Andrade, 18, estudante universitário
Rodízio
"A cidade não está suportando. Ainda teremos problemas
críticos no trânsito. A mudança mais eficaz seria restringir a circulação dos
carros com rodízio”. - Pedro Alan Queiroz, 32, vendedor
Exemplos ruins
"Todos precisam colaborar e fazer a sua parte. Tenho visto alguns utilizando a ciclofaixa no sentido contrário. Estes exemplos ruins não ajudam” - Bosco Morais, 51, corretor de imóveis
Fiscalização é
essencial, dizem especialistas
É com fiscalização e ampliação das políticas públicas que a
cidade poderá ver avançar em uma cultura de adequação ao novo desenho do
trânsito, explicam os especialistas. "A ação principal é fiscalizar. Uma faixa
para ônibus ou para bicicleta não vale de nada se nela está o automóvel. A
calçada pode ser excelente, mas não vale de nada para o pedestre se tiver algo
em cima obstruindo”, comenta Mário Ângelo Azevedo, professor do Departamento de
Engenharia de Transportes (DET) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Além da fiscalização, é necessário divulgar as ações e
oferecer períodos de ajuste aos principais envolvidos, segundo explica o
professor e engenheiro civil Flávio Cunto. Assim, é possível avaliar os
impactos de cada mudança e planejar a ampliação das medidas. Estender a
estrutura cicloviária para regiões periféricas, por exemplo, permitirá criar
uma convivência positiva em toda a cidade.
De acordo com Luiz Alberto Sabóia, coordenador do Paitt, a operação Via Livre em caráter piloto permite um reforço na atuação da Autarquia Municipal de Trânsito (AMC). Pelo projeto, 120 orientadores de trânsito operam nas vias da Regional IV desde o início do mês - também cumprindo caráter educativo. Com a ajuda dos agentes terceirizados, a intenção é permitir que a AMC concentre o seu efetivo para ações de punição no trânsito.
Fortaleza ganhará 122
km de faixas exclusivas até julho de 2015
A estimativa é que
mais da metade da população de Fortaleza se desloque diariamente pelo
transporte coletivo
Porque não temos uma pesquisa de origem-destino, o município
desconhece que parcela da população utiliza o transporte coletivo. Comparada ao
estudo já realizado em cidades do mesmo perfil, a crença é que entre 55% e 60%
das pessoas utilizem o serviço em Fortaleza. A estimativa é de Luiz Alberto
Sabóia, coordenador do Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito
(Paitt). Na Região Metropolitana de Salvador, por exemplo, o resultado foi de
64,9% optando pelos coletivos em 2012.
A divisão das faixas para o transporte público encontra
justificativa nesta proporção: deixar metade para o coletivo, metade para o
individual não seria injusto. Segundo explica o engenheiro civil Ezequiel
Dantas, técnico do Paitt, a margem de 40% a 45% restantes ainda seriam
divididos entre os automóveis e modais não motorizados utilizados para os
deslocamentos na cidade. Desta forma, os veículos particulares levando uma
média estimada de 1,2 passageiros passam a ter o espaço restrito para que os
transportes coletivos trafeguem prioritariamente com capacidade de até 95
pessoas.
Até julho do próximo ano, a promessa da Prefeitura é que a
cidade tenha 122 quilômetros de faixas exclusivas para ônibus. Mas como o
motorista entenderá esta lógica na prática?
"Tem carro que não respeita e atrapalha muito. Por exemplo,
na avenida Dom Luís, as proximidades de centros comerciais são horríveis porque
as pessoas querem fazer embarque e desembarque onde querem”, observa a usuária
de ônibus Nívia Nunes, 29. A ótica de José Cláudio Falcão, 47, é outra: "Se
estivessem aumentando as vias, tudo bem. Mas estão tirando o espaço do
motorista, tirando de onde já não tem”, afirma o motorista particular.
O esforço não deve ser em "demonizar” os carros, aponta
Sabóia. Mas em criar novos padrões de uso. Oferecer alternativas viáveis para
deslocamentos pendulares com outros modais: os trajetos de ida e volta para o
trabalho ou para a escola e que acabam convergindo para horários de grande
fluxo. Deixar o carro para situações onde ele é indispensável. Viagens de
lazer, passeios noturnos ou emergências, por exemplo.
Esperar apenas pela consciência das pessoas não adianta. É a
análise da gestora em educação para o trânsito Ângela Maria Souza, do Instituto
Paz no Trânsito. Além de se esforçar em punir efetivamente, o poder público
deve investir em educação para a boa convivência.
Para Mário Ângelo Azevedo, a punição deve vir acompanhada da conscientização das pessoas sobre o papel que ocupam na cidade: "A ideia é pensar no todo. É não achar que você está sendo prejudicado e lembrar que você, de carro, ocupa um espaço danado”, ressalta o professor Departamento de Engenharia de Transportes (DET) da Universidade Federal do Ceará.
Saiba mais
20 anos
As ações no trânsito são vistas como necessárias a Fortaleza
há pelo menos 20 anos. Os países da América do Sul sinalizam a priorização do
transporte público há 15 anos.
Luiz Alberto Sabóia, coordenador do Paitt, aponta que o
último grande investimento no transporte público ocorreu em 1992, com a criação
dos terminais
Prioridade
Em setembro do ano passado, o fortalezense debateu a
presença das ciclofaixas na área nobre da cidade após a sinalização das ruas
Ana Bilhar e Canuto de Aguiar.
Já conhecia também a prioridade dada a ônibus, táxis e vans na avenida Bezerra de Menezes desde 2012 e fiscalizada apenas a partir de janeiro deste ano.