Fortaleza ganha novo desenho no trânsito

29/09/2014 09:03 - O Povo - Fortaleza

Esse ir e voltar para o trabalho de ônibus e bicicleta for uma opção realmente atrativa em Fortaleza? Abrir espaço para o transporte público e veículos não motorizados faz parte das mudanças aplicadas ao trânsito da Capital nos últimos quatro meses. Intervenções que desafiam e impactam diretamente o cotidiano dos condutores. Gerar uma convivência inclusiva e pacífica nas ruas não é tarefa simples ou imediata. O trânsito almejado por especialistas e gestores descentraliza o domínio do veículo particular e permite maior movimentação de pessoas com integração dos diversos modais de transporte.

Um conjunto de intervenções começou a ser pensado para Fortaleza em janeiro deste ano pelo grupo técnico do Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito (Paitt). A primeira mudança ocorreu na Aldeota. Concluída em junho deste ano, a implantação do sistema de binário nas avenidas Dom Luís e Santos Dumont deu sentido único a cada via em direções opostas. Em meio às polêmicas pela (pendente) transformação na Praça Portugal e pela retirada de árvores nos canteiros centrais, chegaram faixas exclusivas para o transporte público e para os ciclistas.

As mudanças na malha viária se intensificam com a pintura das faixas exclusivas para ônibus em outros locais, como na Avenida da Universidade e nas avenidas Carapinima, José Bastos e Domingos Olímpio. E com ações envolvendo os ciclistas: a Ciclofaixa de Lazer aos domingos (já na segunda edição ontem) e as bicicletas compartilhadas prometidas para outubro. A ideia é dar mais velocidade operacional aos ônibus e estimular o uso das bicicletas em deslocamentos curtos. Para Luiz Alberto Sabóia, coordenador do Paitt, a principal iniciativa é tentar tornar o transporte atrativo para as pessoas. O objetivo é que, gradativamente, o cidadão opte por deixar o carro em casa confiando em um sistema rápido, confortável e previsível para os trajetos entre casa, trabalho e escola.

Priorizar o transporte público e oferecer condições ao uso de bicicletas para viagens de até cinco quilômetros são ações positivas que incentivam a equidade social e maximizam o uso do espaço urbano, segundo o professor Flávio Cunto, do Departamento de Engenharia de Transportes (DET) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Análise semelhante faz Mário Ângelo Azevedo, engenheiro civil e professor do mesmo departamento. "É um começo. São medidas animadoras e fazem parte de um processo de mudança que leva um bom tempo para que vejamos os efeitos reais”, pontua. Um exemplo citado é o trajeto para ciclistas aos domingos. Para Azevedo, possibilitar o espaço de lazer é uma forma de começar a sensibilizar a população para o uso deste modal no dia-a-dia.

Curto prazo

De acordo com Cunto, nem todas as ações emergenciais para o trânsito têm efeito resolutivo ao longo dos anos: sistemas de binários, viadutos, túneis e trincheiras têm curto prazo de validade se não contribuem para a reorganização do espaço urbano. Assim, é mais abrangente reduzir a necessidade de viagens longas reunindo lazer, serviços e comércios em áreas nucleares. De efeito mais duradouro, segundo o engenheiro civil, é a cultura de convivência o transporte público e bicicletas na rua. Para gerar nova consciência, a demanda destes modais deve ser encarada como legítima e indispensável à cidade, aponta.

À frente do Paitt, Luiz Alberto Sabóia explica que as ações buscam combater de forma imediata os principais gargalos da cidade. A longo prazo, existe a elaboração do documento Fortaleza 2040 para planejar a gestão de uso e ocupação do solo e ordenamento espacial da cidade. Enquanto ele não vem (foi prometido para dezembro de 2015), as medidas emergenciais buscam consonância com as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, instituída na lei 12.587 (em 3 de janeiro de 2012).

Saiba mais

A partir de hoje, mais duas avenidas terão faixa prioritária para o transporte coletivo: José Bastos (entre a rua Padre Cícero e a avenida Senador Virgílio Távora) e Domingos Olímpio (entre as avenidas Bezerra de Menezes e Dom Manuel), somando 11,3km.

De acordo com a Etufor, a medida deve atingir 182 mil passageiros por dia e 46 linhas de ônibus.

As paradas de ônibus localizadas no percurso deverão passar por redimensionamento. A distância entre os pontos será de 500 metros e haverá comunicação visual com informações sobre as linhas.

Frases

Qual sua opinião sobre o novo desenho do trânsito de Fortaleza?

Multas

"É sendo multado que o cearense aprende. Com agentes presentes, começaremos a criar o hábito de respeitar (a faixa exclusiva para ônibus)” - Maria Luana Laurindo, 17 anos, estudante universitária

Fiscalização

"Quase ninguém respeita (a faixa exclusiva). É uma mudança que precisaria de fiscalização e educação. Nãotenho visto ninguém por aqui orientando” - Felipe Andrade, 18, estudante universitário

Rodízio

"A cidade não está suportando. Ainda teremos problemas críticos no trânsito. A mudança mais eficaz seria restringir a circulação dos carros com rodízio”. - Pedro Alan Queiroz, 32, vendedor

Exemplos ruins

"Todos precisam colaborar e fazer a sua parte. Tenho visto alguns utilizando a ciclofaixa no sentido contrário. Estes exemplos ruins não ajudam” - Bosco Morais, 51, corretor de imóveis

Fiscalização é essencial, dizem especialistas

É com fiscalização e ampliação das políticas públicas que a cidade poderá ver avançar em uma cultura de adequação ao novo desenho do trânsito, explicam os especialistas. "A ação principal é fiscalizar. Uma faixa para ônibus ou para bicicleta não vale de nada se nela está o automóvel. A calçada pode ser excelente, mas não vale de nada para o pedestre se tiver algo em cima obstruindo”, comenta Mário Ângelo Azevedo, professor do Departamento de Engenharia de Transportes (DET) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Além da fiscalização, é necessário divulgar as ações e oferecer períodos de ajuste aos principais envolvidos, segundo explica o professor e engenheiro civil Flávio Cunto. Assim, é possível avaliar os impactos de cada mudança e planejar a ampliação das medidas. Estender a estrutura cicloviária para regiões periféricas, por exemplo, permitirá criar uma convivência positiva em toda a cidade.

De acordo com Luiz Alberto Sabóia, coordenador do Paitt, a operação Via Livre em caráter piloto permite um reforço na atuação da Autarquia Municipal de Trânsito (AMC). Pelo projeto, 120 orientadores de trânsito operam nas vias da Regional IV desde o início do mês - também cumprindo caráter educativo. Com a ajuda dos agentes terceirizados, a intenção é permitir que a AMC concentre o seu efetivo para ações de punição no trânsito.

Fortaleza ganhará 122 km de faixas exclusivas até julho de 2015

A estimativa é que mais da metade da população de Fortaleza se desloque diariamente pelo transporte coletivo

Porque não temos uma pesquisa de origem-destino, o município desconhece que parcela da população utiliza o transporte coletivo. Comparada ao estudo já realizado em cidades do mesmo perfil, a crença é que entre 55% e 60% das pessoas utilizem o serviço em Fortaleza. A estimativa é de Luiz Alberto Sabóia, coordenador do Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito (Paitt). Na Região Metropolitana de Salvador, por exemplo, o resultado foi de 64,9% optando pelos coletivos em 2012.

A divisão das faixas para o transporte público encontra justificativa nesta proporção: deixar metade para o coletivo, metade para o individual não seria injusto. Segundo explica o engenheiro civil Ezequiel Dantas, técnico do Paitt, a margem de 40% a 45% restantes ainda seriam divididos entre os automóveis e modais não motorizados utilizados para os deslocamentos na cidade. Desta forma, os veículos particulares levando uma média estimada de 1,2 passageiros passam a ter o espaço restrito para que os transportes coletivos trafeguem prioritariamente com capacidade de até 95 pessoas.

Até julho do próximo ano, a promessa da Prefeitura é que a cidade tenha 122 quilômetros de faixas exclusivas para ônibus. Mas como o motorista entenderá esta lógica na prática?

"Tem carro que não respeita e atrapalha muito. Por exemplo, na avenida Dom Luís, as proximidades de centros comerciais são horríveis porque as pessoas querem fazer embarque e desembarque onde querem”, observa a usuária de ônibus Nívia Nunes, 29. A ótica de José Cláudio Falcão, 47, é outra: "Se estivessem aumentando as vias, tudo bem. Mas estão tirando o espaço do motorista, tirando de onde já não tem”, afirma o motorista particular.

O esforço não deve ser em "demonizar” os carros, aponta Sabóia. Mas em criar novos padrões de uso. Oferecer alternativas viáveis para deslocamentos pendulares com outros modais: os trajetos de ida e volta para o trabalho ou para a escola e que acabam convergindo para horários de grande fluxo. Deixar o carro para situações onde ele é indispensável. Viagens de lazer, passeios noturnos ou emergências, por exemplo.

Esperar apenas pela consciência das pessoas não adianta. É a análise da gestora em educação para o trânsito Ângela Maria Souza, do Instituto Paz no Trânsito. Além de se esforçar em punir efetivamente, o poder público deve investir em educação para a boa convivência.

Para Mário Ângelo Azevedo, a punição deve vir acompanhada da conscientização das pessoas sobre o papel que ocupam na cidade: "A ideia é pensar no todo. É não achar que você está sendo prejudicado e lembrar que você, de carro, ocupa um espaço danado”, ressalta o professor Departamento de Engenharia de Transportes (DET) da Universidade Federal do Ceará.

Saiba mais

20 anos

As ações no trânsito são vistas como necessárias a Fortaleza há pelo menos 20 anos. Os países da América do Sul sinalizam a priorização do transporte público há 15 anos.

Luiz Alberto Sabóia, coordenador do Paitt, aponta que o último grande investimento no transporte público ocorreu em 1992, com a criação dos terminais

Prioridade

Em setembro do ano passado, o fortalezense debateu a presença das ciclofaixas na área nobre da cidade após a sinalização das ruas Ana Bilhar e Canuto de Aguiar.

Já conhecia também a prioridade dada a ônibus, táxis e vans na avenida Bezerra de Menezes desde 2012 e fiscalizada apenas a partir de janeiro deste ano.