Futuro das cidades depende do deslocamento das crianças

05/02/2018 07:30 - Diário de Pernambuco

A volta às aulas é o gatilho da tensão de quem se locomove pelo Grande Recife. A angústia é provocada pelo aumento de 25% na frota de veículos nas ruas. Uma das causas dos quilométricos engarrafamentos que a população voltou a enfrentar é a decisão dos pais em optar pelo carro no caminho entre a casa e a escola, por menor que ele seja. Quase um terço dos deslocamentos para os colégios da capital é feito em um automóvel, de acordo com a pesquisa Origem-Destino do Recife.

Enxergar o veículo motorizado particular como principal meio de transporte no percurso escolar parte de uma lógica formatada nas cidades do século 20. A agenda urbana do novo milênio, adotada na Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), porém, parte de uma nova premissa: da promoção de mobilidade urbana sustentável sensível à idade e ao gênero, acessível a todos, e integrada às políticas de desenvolvimento territorial.

Uma das formas de atingir esse objetivo é pensar nas próximas gerações e considerar as crianças como agentes ativos da mobilidade, detentoras de autonomia. “É preciso incentivar a mobilidade ativa, que a criança caminhe ou vá de outros jeitos, como bicicletas ou patinete. É importante para a saúde da criança, que precisa fazer exercícios físicos, e também porque ela precisa conhecer, tocar e cheirar a cidade além de conviver com outros cidadãos diferentes”, explica a arquiteta, urbanista e especialista em cidade e infância Irene Quintáns.

Para que isso ocorra, é necessário mudar também o paradigma de cidade, já que hoje o público infantil é vítima de uma urbe que não se prepara para recebê-lo.

“A grande dificuldade é que a nossa matriz de transporte ainda é dependente do veículo motor. Estamos caminhando para um ponto de inflexão bastante sério. Principalmente numa cidade de passado mais orgânico como o Recife, sem traçado homogêneo (como Brasília e Nova York, por exemplo)”, afirma conselheiro federal do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) Roberto Salomão.

A mobilidade ativa infantil, considerada peça chave na engrenagem do futuro de qualquer cidade do século 21, não diz respeito apenas ao deslocamento, mas a um projeto mais amplo de uso e ocupação dos espaços públicos. Repercute ainda na saúde das crianças e só pode ser plena se garantidos outros direitos básicos, como segurança, acesso à educação e ao lazer.

Entrevista // Irene Quintáns, arquiteta urbanista consultora de projetos urbanos e especialista no tema cidade e infância


Foto: Fundação Bernard van Leer/Divulgação (Credito: Fundacao Bernard van Leer/Divulgacao)
Foto: Fundação Bernard van Leer/Divulgação

O que influencia no olhar da criança sobre a cidade?

Como uma criança usa a cidade está muito determinado pela permissão dos pais. O mais mais influencia é o que o adulto deixa ou não ela fazer. As crianças têm um olhar muito sensível, elas vêem detalhes e beleza em lugares que você nem enxerga. Se você puxa o filho pela mão, manda ele correr, não parar, tira dele a oportunidade de curtir os pequenos detalhes. Se a criança tem contato com a cidade de fato, ela tem outro olhar. As crianças pensam muito no bem comum. É um olhar mais generoso, mais amável.

Como o contexto social influencia na forma como as crianças se deslocam?
Geralmente nas áreas nobres você vê mais famílias levando as crianças de carro e nas zonas periféricas as crianças vão mais a pé. Mas, nas cidades brasileiras, há muitas realidades diferentes. Nas periferias você vê crianças um pouco mais soltas, mas nem tanto. Temos uma lenda urbana de que na periferia as crianças estão sempre na rua, mas nem sempre. Há uma tendência cada vez pior de a criança ficar grudada na tecnologia, prefere isso a sair de casa. Por outro lado, a cidade fica mais hostil e mais difícil de ser usada como espaço de convívio.

Como seria um modelo ideal de educação para o trânsito para as crianças? 

Cerca de 99,9% dos programas de educação para o trânsito têm o mesmo problema. Ensinam que você precisa andar pela calçada, atravessar na faixa e quando o sinal estiver vermelho. Só que as cidades são feitas priorizando os carros. Você não ensina que a cidade pode mudar. A criança não sabe disso porque ninguém ensina. Ela é ensinada a se adaptar. E que, se algo errado acontecer, a culpa é dela. Mas os culpados também podem ser os motoristas que estão andando muito rápido, que estão cometendo infrações, o poder público que às vezes não pintou a faixa. A educação de trânsito faz com que a criança seja a única culpada. É preciso ter uma visão mais de conjunto, de sistema. A educação de trânsito tem que mudar o olhar dela, tem que ensinar a criança a atravessar no lugar certo, mas também que a cidade é um espaço para todos.

Como esse modelo de educação para o trânsito impacta na vida da criança?
Impacta no olhar que a criança tem para a cidade. Se ela vai se submeter à minoria que é o motorista, a um modelo de cidade já ultrapassado, ou se será uma criança questionadora, propositiva. Capaz de pensar no que ela faria para melhorar a cidade. A tendência é que as cidades passem a distribuir o espaço urbano entre diferentes meios de transporte, aumentando os espaços públicos. Essa é a cidade do século 21, e não aquela dos dois séculos passados, onde o carro é que ocupava às ruas. Esse modelo é insustentável.

O que falta às cidades brasileiras no que diz respeito à mobilidade infantil?
O que falta são políticas de mobilidade que incentivem a mobilidade ativa infantil. Geralmente quando pensamos políticas de infância pensamos em assistência, em creche, mas é preciso pensar a mobilidade infantil dentro das secretarias de planejamento urbano e transporte também. Você precisa compreender que é importante para todo o sistema urbano.

Transitar pela cidade estimula o pertencimento

Entre a casa e a escola, existe um território de oportunidades para as crianças, a própria cidade. Estimular a mobilidade ativa infantil é oferecer instrumentos para a formação cidadã, pois caminhando ou andando de bicicleta pelo espaço em que vive a criança internaliza diferenças, identifica problemas e adquire uma posição questionadora para a urbe. Ajoelhar o planejamento urbano à altura dos pequenos olhares é também uma estratégia de desenvolvimento, como evidenciou o projeto Recife 500 anos.

Caminhar e brincar pelas ruas e avenidas estimula o sentido de pertencimento e dá à criança referências para a criação de um mapa mental. A população infantil precisa de contrastes para formular a compreensão de que a cidade é um bem de todos, explica o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU-PE), Rafael Tenório. É diferente do adulto, cujo entendimento sobre a importância da fluidez, dos passeios públicos qualificados, da arborização, já está formatado. “A maior ação de mobilidade para as crianças é fazer com que elas descubram a cidade, conhecendo não só o parque do bairro, mas outros equipamentos”, afirma.

A servidora pública Mariana Guerra, 31 anos, viveu uma infância aprisionada por trás das janelas de um carro. O primeiro percurso de ônibus de Mariana foi aos 15 anos. Naquele momento, ela começou a perceber as cicatrizes da falta de autonomia. “Eu não tenho noção do Recife, já me perdi inclusive no meu bairro. Me assusta, parece que estou sempre limitada aos mesmos lugares.”

Mariana não ia sozinha pelo medo dos pais. O transporte ativo das crianças depende de garantir equipamentos urbanos que confiram segurança aos deslocamentos. A falta de uma faixa de pedestres e um semáforo na esquina de casa retiram a liberdade de Isaias Cardoso, 11. “Já vi muito acidente, inclusive com menino indo para a escola. Precisamos esperar um tempo enorme para conseguir atravessar. Ele só vai comigo”, conta a mãe, a dona de casa Jaqueline Conceição, 40, moradora da Bomba do Hemetério.

Depois de realizar uma série de consultas públicas para montar uma estratégia de futuro, o Recife identificou que pensar políticas voltadas para a primeira infância deve ser prioridade no projeto 500 anos. A cidade irá abaixar o horizonte de mudanças aos 95 centímetros do chão, a altura média de uma criança de três anos. Com o apoio da fundação holandesa Bernard Van Leer, a capital pernambucana começará a implementar ainda neste semestre o programa Urban95. “Se parte da premissa de que uma cidade pensada e construída para uma criança de três anos consegue ser saudável e segura para pessoas de qualquer faixa etária”, explica o gerente de projetos da Agência Recife para Inovação e Estratégia (Aries), Diego Garcez.

Para tanto, serão implementadas interveções urbanísticas focadas na primeira infância em duas áreas da cidade, Iputinga e Alto Santa Terezinha, escolhidas pelos índices de vulnerabilidade social. “Iniciamos um estudo há cerca de um ano e identificamos a ausência de espaços para brincar, ruas sem calçamento, lixo, esgoto a céu aberto, fatores que comprometem a mobilidade infantil”, detalha Garcez.

As intervenções, ainda a serem definidas junto à comunidade, funcionarão como conectoras e disparadoras de uma nova cultura de aglutinação de pessoas. Assim como piloto para desencadear políticas públicas semelhantes.

Falta de segurança motiva pais a preferirem os carros

O medo de andar nas ruas é um dos principais argumentos usados pelos pais que moram perto de onde os filhos estudam e usam o carro para fazer o trajeto casa-escola. De acordo com a Secretaria de Defesa Social (SDS), em 2017, foram registrados 119.747 crimes violentos contra o patrimônio, ou seja, a média crimes como roubos, assaltos a ônibus e extorsão mediante sequestro é de 328 por dia no estado. Além dos dados alarmantes, ruas sem movimentação, com calçadas mal conservadas e escuras formam o cenário mais temido por pais na hora de sair com os filhos.

Assustada com as constantes notícias sobre violência, a administradora de empresas Polyana Barbosa, 35, não costuma caminhar com a filha, Luiza, de 1 ano e 11 meses, nas ruas de Boa Viagem, onde moram. “Antes do nascimento dela eu era uma pessoa. Agora, sou outra. Tenho medo de andar nas ruas e só costumo sair de carro. Ainda assim, fico sempre pensando em como vou tirá-la do carro se formos abordados por um assaltante no trânsito ou em um estacionamento”, relata.

Polyana diz que, por causa do medo, não costuma ir, de segunda a sexta-feira, a áreas públicas da cidade, como parques e praças. “Nos fins de semana, com o meu marido, fazemos passeios para outros lugares da cidade, como a praia, porque eu fico mais perto de Lulu e posso, em um caso de emergência, tirá-la do carro mais rapidamente. Durante a semana, brincamos mais em casa e no playground do prédio”, conta. Luiza vai para a escola pela primeira vez em fevereiro. A escola escolhida pelos pais fica a menos de dois quilômetros do apartamento onde vivem. “Iremos deixá-la e buscá-la de carro”, adianta Polyana.

A arquiteta e urbanista Irene Quintáns, consultora de projetos urbanos e especialista no tema cidade e infância, pontua que a garantia de segurança no caminho casa-escola não se limita à existência de boas calçadas e de faixas de pedestre. “Imagina uma rua que só tem muros, não tem lojas, não há vida interagindo com a rua. Isso dá menos segurança do que uma rua que tenha cafés, lojas, interação”, explica.

Segundo a especialista, o conceito “olho na rua” se refere à sensação de segurança ligada à existência de estabelecimentos abertos e circulação de pessoas. “Dá muito mais segurança quando há ‘olhos na rua’ do que câmeras, por exemplo”, enfatiza. Quintáns destaca ainda que o fator determinante para uma criança poder ou não ir só à escola não é apenas a idade, mas o que existe e acontece nesse trajeto, ou seja, como é o entorno do caminho entre a casa e a escola e ainda como é a convivência social nesses arredores. “Ir só nem sempre significa ir sozinho”, ressalta.

Levantamento

A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), do IBGE em parceria com o Ministério da Saúde e apoio do Ministério da Educação, perguntou a alunos do 9º ano do ensino fundamental se a insegurança motivou alguma falta escolar deles nos 30 dias anteriores à pesquisa, realizada em 2015. No país, 14,8% dos estudantes responderam que sim. Esse percentual é de 15,8% para alunos de escolas públicas e 9% de instituições privadas. Em Pernambuco, a insegurança motivou 17,4% das crianças entrevistadas a faltar as aulas em 2015. No Recife, a taxa foi de 14,7%.

Caminho à escola muda de acordo com classe social

Ainda longe de ser uma cidade adequada à mobilidade ativa infantil, o Recife conta com poucas iniciativas que pensem o deslocamento e a vivência urbana a partir da ótica das crianças. O primeiro passo para começar a pensar uma cidade melhor para as futuras gerações foi dado com a conclusão da pesquisa Origem-Destino do Recife, realizada entre 2015 e 2016 e divulgada no ano passado. Os resultados do estudo são relevantes porque vão nortear o planejamento urbano da cidade a partir dos deslocamentos dos moradores.

O levantamento mostrou que, de uma forma geral, 37% das pessoas que levam os filhos para escola no Recife vão a pé. Outros 30% vão de carro e 17% de ônibus. Se for feito um recorte de classe, porém, os números mudam consideravelmente. Nas famílias que recebem até um salário mínimo, 55% vão a pé; 28% de ônibus e apenas 4% de carro. Por outro lado, entre os que recebem mais de vinte salários as porcentagens são de 22% a pé; 66% de carro e apenas 2% de ônibus.

O diretor executivo do Planejamento da Mobilidade do Recife, Sideney Schreiner, esclareceu que, a partir dos resultados, estão sendo estruturados programas de ação. “Esses dados reforçam que precisamos priorizar as calçadas e o transporte público. Estamos desenvolvendo um projeto para o acesso seguro e saudável das crianças à escola, em parceria com a WRI (ONG que atua no desenvolvimento de cidades sustentáveis), que é o Ruas Completas para a Escola, com a identificação de vias do trajeto casa-escola prioritárias para receber melhoria das calçadas, arborização, iluminação e segurança. Quando concluído, será entregue ao poder público, a quem caberá colocar em prática”, pontua.

Atualmente, boa parte das ações do poder público relacionadas à mobilidade das crianças corresponde às campanhas educativas que se intensificam nos períodos de volta às aulas e em maio, quando acontece o Maio Amarelo, mês com projetos para chamar a atenção da sociedade para o alto índice de mortes e feridos no trânsito em todo o mundo.

“A questão da mobilidade infantil a gente pensa a partir da ideia de que a criança deve ter conhecimento suficiente para se locomover com segurança desde o momento em que ela anda, trafega pelas ruas e usa o espaço público. Vamos às escolas para realizar campanhas educativas nesse sentido. Algo que sempre reforçamos é que os pais são o testemunho vivo para os filhos, são exemplo para as crianças, que repetem o comportamento deles quando crescem”, afirma o coordenador do programa municipal de educação para o trânsito, Francisco Irineu.

No estado, o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-PE) coordena quatro projetos voltados para o público infantil. O principal é o Condutor do Amanhã, que tem foco na sensibilização de alunos do ensino fundamental 1 (a partir dos 6 anos) e  ensina aos alunos as normas de trânsito e promove a vivência deles em um circuito prático, onde passam pelos papeis de pedestre, motorista e ciclista.

 “Tenho uma consciência de que a criança precisa estar na cidade, interagir com o espaço urbano. Não temos calçadas adequadas, trânsito com baixa velocidade, mas é o que temos. E precisamos educar e preparar as crianças para viver nele. Moro em um bairro onde consigo fazer tudo a pé com o Felipe e, no caminho, acabo mostrando muita coisa a ele. Costumávamos ir para parques públicos e já cheguei a ver um assalto. Mas não vou abrir mão de andar pela cidade com o meu filho.” Brenda Venturieri, 37 anos, psicóloga e mãe de Felipe Venturieri, 8 anos. Eles costumam ir andando tanto para a escola quanto para a academia infantil Hora do Recreio, que o menino frequenta, no bairro da Tamarineira. 

Pesquisa traça perfil de deslocamentos com foco em gênero e idade

Uma pesquisa inédita do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), realizada em 2017 e divulgada neste mês, ouviu mães recifenses sobre a mobilidade delas e dos filhos. O estudo qualitativo intitulado “O acesso de mulheres e crianças à cidade” é o primeiro da instituição com enfoque em questões de gênero do Brasil e mostrou que as mães, principalmente as de baixa renda, enfrentam dificuldades para se deslocar usando o transporte público da cidade com as crianças.

Buscando entender a dinâmica de locomoção dessas mulheres com filhos pequenos, o instituto realizou entrevistas em três grupos com mães de crianças com idades entre 0 e 6 anos. Nas rodas de diálogo, foram feitas perguntas sobre a oferta de equipamentos públicos, principalmente de educação, e o uso da cidade pelas crianças em espaços de lazer. “Mulheres e crianças enfrentam grandes desafios para exercer o direito à cidade e acessar as oportunidades oferecidas no espaço urbano. Nossas cidades têm sido sistematicamente planejadas e construídas a partir de padrões que reforçam as desigualdades de classe, raça e gênero, limitando também a convivência e circulação de pessoas segundo a idade e habilidades físicas”, destaca o ITDP no documento.

De acordo com o levantamento, em geral, os deslocamentos dos filhos das entrevistadas para as creches e escolas são feitos a pé, sempre acompanhados por um adulto. “Nos casos em que a escola fica longe e que precisam usar o transporte público, enfrentam problemas, como a demora, os atrasos, a dificuldade para sentar, entre outros”, pontua o estudo.

O documento produzido pelo ITDP a partir das escutas enfatiza ainda que “se de alguma forma as mães encontram arranjos para solucionar as questões relativas à educação de seus filhos, o grande desafio tem a ver com o brincar e o lazer. Pela percepção da violência generalizada, a rua é um espaço ‘proibido’ para as crianças. Quando não estão na creche ou escola, elas ficam confinadas dentro de casa, assistindo televisão ou jogando com o celular”.

Além de pontuar os problemas levantados pelas mulheres entrevistadas, o estudo, que foi apresentado para o Instituto da Cidade Pelópidas Silveira e para a Secretaria de Mulheres do Recife nos dias 15 e 16 deste mês, respectivamente, enumera seis propostas para diminuir os obstáculos na mobilidade das crianças. São elas: aumentar a oferta de vagas em creches públicas; implementar creches públicas em horário integral; manter adequadamente os espaços públicos de lazer como praças e parques; implementar parques, vias pedestrianizadas e/ou ruas de lazer em todos os bairros da cidade; implementar espaços de cultura em todos os bairros da cidade e elaborar e implementar calendário de eventos de cultura e lazer em praças e parques em todos os bairros da cidade.

“A escolha da escola foi feita priorizando uma educação que combinasse com a que oferecemos a Arthur em casa, mas também a localização. Buscamos uma perto de casa para que pudéssemos deixar o carro de lado. Vou andando com ele até a escola todos os dias. Aproveito para sair de casa de tênis muitas vezes, pois já é uma forma de eu me exercitar. O único problema é a ausência de faixas de pedestre na avenida que atravessamos para chegar à escola. Para conseguir passar, Arthur dá um legalzinho."  Juliane Lira, 39 anos, redatora e mãe de Arthur Gomes, 8 anos. Eles vão andando de casa até o Colégio Motivo.

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Mobilidade ativa é questão de saúde

Dar alternativas não motorizadas às crianças para se deslocarem pela cidade é cuidar da saúde delas. Uma pesquisa realizada pela OMO em mais de 10 países mostrou que a população infantil passa menos tempo ao ar livre do que um presidiário. Condição que está inflando as estatísticas de sedentarismo e obesidade infantil.

O número de crianças obesas no mundo já é 10 vezes maior do que o registrado há 40 anos. No Brasil, o sobrepeso já é realidade para 7,3% das crianças com menos de cinco anos. Dados da última Pesquisa Nacional de Saúde Escolar mostram que sete em cada 10  estudantes pernambucanos no 9º ano do ensino fundamental realizam menos horas de atividades físicas semanais do que o recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Por outro lado, metade deles costuma passar mais de três horas em atividades que fazem sentados.

“Há uma lista de doenças na infância associadas com a obesidade. Apneia do sono, problemas respiratórios, refluxo, diabetes tipo 2, presença de gordura no fígado. E quando mais cedo você apresentar obesidade, mais cedo você terá complicações”, alerta a endocrinogista membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Endrocrinologia e Metabologia Regional Pernambuco (Sbem-PE) Lúcia Cordeiro.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que as crianças pratiquem 60 minutos de atividades físicas por dia. Nem sempre, a prática esportiva da escola é suficiente para garantir saúde e evitar o ganho de peso, foi o que descobriu a biomédica Maria Mileide Montenegro, mãe de Gabriel Montenegro, 9. “Ele começou a ganhar peso durante uns seis meses, então buscamos alternativas”, disse ela, que não se sente segura para deixar o filho na rua e procurou uma academia particular.

Nessa busca, os especialistas alertam que as famílias podem considerar o trajeto de casa para a escola uma oportunidade para a prática de atividades das crianças, que pode repercutir inclusive na processo de aprendizagem. “Por meio dos estímulos, as crianças desenvolvem habilidades motoras fundamentais para a vida adulta: correr, arremessar, saltar”, afirma a educadora física da academia infantil Hora do Recreio Joseane Mariz. Na Dinamarca, uma pesquisa mostrou que crianças que vão a pé ou de bicicleta para a escola permanecem mais concentradas na aula. Estudos correlacionam o hábito ainda a melhorias no desenvolvimento cognitivo e das funções cerebrais.

“Além de não ficar no trânsito, ir de bicicleta é também uma forma de atividade física. Vou conversando com meu filho e consigo estar mais atento a ele do que em um carro. Ele vai na cadeirinha na minha frente e aproveito para ir dando beijos na cabeça dele. Essa é a melhor parte. No caminho, explico coisas da rua e da cidade a ele, que sempre presta atenção e já tem um olhar crítico para a realidade. Ele observa a limpeza das ruas, compara as casas e os prédios, sabe o que é novo e o que é velho no bairro. Acho que essa rotina tem mudado a percepção dele sobre o entorno e aguçado a curiosidade.” Gustavo Neves, 45 anos, administrador e pai de André Neves, 5 anos. Eles vão de casa até o Colégio Parnamirim de bicicleta.

Entrevista // Clarissa Duarte, arquiteta e urbanista

O Diario de Pernambuco entrevistou a arquiteta e urbanista, professora e pesquisadora da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Clarrisa Duarte sobre mobilidade infantil. Para referenciar as respostas, Clarissa realizou o exercício de aplicar antes o mesmo questionário aos próprios filhos, Vicente, 9 anos e Helena, 5 anos, que vão sempre para escola a pé ou de bicicleta. A família decidiu não ter carro há quase dois anos. As perguntas foram feitas para eles logo que a pesquisadora as recebeu, enquanto estavam no táxi, a caminho do cinema. Abaixo, você confere o resultado.

Como uma cidade pode se preparar para ser usada e apropriada, em seus espaços públicos, pelas crianças? Que equipamentos e políticas devem existir nesse sentido?

Helena: Precisa ter um monte de ‘pedeLUZ’ (luminária fotovoltaica para pedestres que está sendo desenvolvida por Clarissa junto ao FabLab Recife e que Helena conheceu quando o protótipo foi testado).

Vicente: Precisa ter menos degraus e buracos nas calçadas. Mais tempo para o pedestre atravessar no sinal e menos carros na rua.

Clarissa: Criança é, tecnicamente, usuário definido como “pessoa de mobilidade reduzida” (PMR). Ao planejarmos e reabilitarmos as ruas considerando as necessidades infantis, certamente estaremos atendendo a grande parte das necessidades cidadãs. Ao promover a desaceleração dos veículos motorizados, identificar rotas estratégicas e intervir nas mesmas de maneira integrada, considerando todos os usuários e elementos urbanos, a cidade se prepara coerentemente para atingir uma mobilidade sustentável, logo, inclusiva. Do contrário, admitindo-se altas velocidades e realizando intervenções “em retalhos”, como prevê a atual Lei das Calçadas, jamais veremos nossas crianças seguras e felizes a caminhar pela cidade.

Como a cidade também pode se preparar para o deslocamento das crianças a pé, de bicicleta e no transporte público?

Helena: Ter calçadas grandes para andar de patinete e skate.

Vicente: Ter mais dias de ciclofaixas (no Recife a ciclofaixa de Turismo e Lazer funciona aos domingos e nos feriados) e calçadas mais largas pra ficar mais proporcional. Também deve ter via própria para ônibus, onde os carros não podem andar, que nem em Buenos Aires. Precisa também aprender a plantar melhor as árvores nas calçadas porque quando as raízes crescem elas quebram o piso.

Clarissa: O planejamento da mobilidade deve considerar todos os modos de transporte ativos de maneira integrada, ou seja, não se pode planejar rotas para pedestres sem pensar ao mesmo tempo na mobilidade dos ciclistas e dos “coletivistas” (usuários do transporte coletivo, que são pedestres por excelência). Ao olhar mais especificamente para a mobilidade ativa infantil e juvenil, ressalta-se a urgência da integração segura entre os modais ativos e, para tanto, é imprescindível o planejamento em rotas. Se a oferta de segurança e de conforto não for contínua, o deslocamento de crianças nas ruas do Recife será sempre desestimulado.

No que a cidade ganha quando ela se prepara para o público infantil?

Vicente: Menos mortes

Helena: Poxa! Vicente está respondendo mais do que eu.

Clarissa: Mais vida, mais alegria e mais esperança.

Você conhece iniciativas aqui no Recife nesse sentido?

Helena: Ah, mãe! Tá bom! Bora pro cinema?

Vicente: Também cansei! Me empresta teu celular?

Clarissa: Não conheço nenhuma iniciativa realmente pensada de maneira “completa”, executada de forma integrada (inserida em um “plano de rotas”, considerando todos os usuários e todos os elementos urbanos). A proposta para a Rua da Hora e a obra da Avenida Rio Branco podem ser consideradas um esforço positivo nesse sentido. No entanto, nenhum dos dois exemplos está inserido em um sistema maior de rotas (conjunto de vias reabilitado de forma contínua). Por enquanto, são apenas trechos desconectados de ruas mais humanizadas. Para chegar até essas vias, as crianças e demais cidadãos enfrentarão os mesmos obstáculos e perigos que sempre encontram por toda a cidade.

Como você avalia o Recife quando o assunto é mobilidade infantil? O que nos falta e o que nós temos de referência (se temos algo)?

Clarissa: A avaliação é a pior de todas. Faltam-nos rotas apropriadas para a mobilidade ativa (para pedestres, ciclistas e “coletivistas”), segura e confortável para todos. Não temos sequer uma rota acessível e digna que conecte escolas a praças e parques do entorno, por exemplo. Parece quase impossível encontramos lugares onde uma cidadã ou um cidadão consiga percorrer um trajeto pelas calçadas guiando um carrinho de bebê de maneira contínua, segura e confortável, sem necessitar desviar para o asfalto do leito da rua (normalmente bem mais uniforme). O que poderíamos ter como "princípio de referência", como já dito, seria a recente intervenção da Avenida Rio Branco, no Bairro do Recife, que só passará a ser referência de verdade quando a ela se unirem outras vias alinhadas, recebendo reformas que priorizem a segurança e conforto dos pedestres e, em particular, das crianças e demais "pessoas de mobilidade reduzida". Existe, por exemplo, uma rota bastante estratégica para o deslocamento de estudantes (crianças e jovens) que se inicia justamente na Avenida Rio Branco: é o eixo que parte do Marco Zero e segue pela Ponte Princesa Isabel; eixo composto também pela Rua do Príncipe, parte da João de Barros e ruas Joaquim Felipe e Fernandes Vieira, até chegar à Avenida Agamenon Magalhaes.

O que seria essa rota?

Clarissa: Nas pesquisas do Plano Centro Cidadão (parceria entre Unicap e Prefeitura do Recife) chamamos esse eixo de "Rota dos Estudantes", uma vez que acolhe milhares de estudantes diariamente e, ainda, por ladear o Parque 13 de Maio, nosso "Central Parque". Poderíamos também chamar esta rota de "Passeio Real" (pois atravessa o Palácio das Princesas e antiga área do Palácio de Nassau, a ponte e as rua Princesa Isabel e do Príncipe). Essa rota conecta diretamente nada menos do que o centro histórico da cidade ao seu Parque Central, seu rico patrimônio e seu Porto Digital a dezenas de instituições educacionais e culturais tais, como a escola de referência da Avenida Rio Branco (Escola Técnica Porto Digital), o antigo Liceu de Artes e Ofícios da Praça da República, o Teatro de Santa Isabel, a Biblioteca Pública do Estado com a Escola Estadual Silvio Rabelo, a Faculdade de Direito da UFPE, a Universidade Católica de Pernambuco, o Liceu Nóbrega, o Colégio Especial, o (centro universitário) Unibra, dentre outros. Serviria também ao deslocamento de outros milhares de estudantes e usuários do Senac, Esuda (Faculdade de Ciências Humanas), Ginásio Pernambucano e UPE (Universidade de Pernambuco). A boa notícia é que a Prefeitura do Recife, através da integração dos trabalhos de duas Secretarias (Planejamento Urbano/ICPS e Infraestrutura/URB) com a Unicap, já realizou o projeto executivo do trecho da Rua do Príncipe entre a Unicap e o Liceu Nóbrega e se prepara para iniciar as obras de intervenção viária ainda neste primeiro semestre de 2018. Considerando que brevemente teremos dois importantes trechos da "Rota dos Estudantes" executados, por que não termos esperança na reabilitação integrada e inclusiva de todo o eixo nos próximos anos? A identificação e humanização de rotas estudantis pode ser, justamente, a grande alavanca para promover a mobilidade infantil.