Gestão Covas planeja construção de mais de 500 apartamentos sobre terminais de ônibus

01/02/2020 09:00 - Folha de SP

Guilherme Seto / Thiago Amâncio

SÃO PAULO

A Prefeitura de São Paulo planeja que os terminais municipais de ônibus, que pretende conceder à iniciativa privada, recebam moradias no topo de suas estruturas. A ideia está no projeto de concessão desses espaços, gestado pela administração Bruno Covas (PSDB).

O projeto prevê ao menos 560 apartamentos sobre os terminais, tendo em vista o objetivo de adensar com residências e comércios os eixos de transporte da cidade, conforme o Plano Diretor Estratégico de 2014.

A gestão Covas quer repassar os 31 terminais de ônibus da cidade em modelo de parceria público-privada, além de dois pontos de parada (Clínicas e Eldorado), oito estações do Expresso Tiradentes e quatro corredores de ônibus.

Os terminais recebem diariamente 846 mil passageiros, segundo dados da secretaria municipal de Transportes, e 55 mil passam pelas estações do Tiradentes (o antigo Fura-Fila). A manutenção dos espaços custa R$ 258,4 milhões ao ano.

O edital de licitação prevê que a empresa vencedora será a responsável pela administração, manutenção, conservação, exploração comercial e requalificação dos terminais e demais espaços ao longo de 30 anos.

As concessionárias deverão construir espaços comerciais e residenciais sobre os terminais para terem retorno financeiro com a operação.

Os apartamentos que forem construídos não serão destinados inicialmente a moradia popular, para os mais pobres. O vencedor da licitação poderá explorar o aluguel dos imóveis durante os 30 anos da concessão —mas a propriedade do local será da prefeitura, que poderá, ao fim desse prazo, conceder por mais tempo, vender ou transformar em habitação social.

Os apartamentos foram pensados para ter até 50 m² de área privativa para que no futuro tenham tamanho adequado para se tornarem habitações de interesse social, caso a administração futura assim queira.

Com o mesmo propósito de incentivo habitacional, o edital apresenta dispositivo que diminui o valor que a concessionária terá que dividir com a prefeitura na divisão das receitas de espaços comerciais à medida que construir mais residências.

Victor Bueno Sellin, diretor da SPParcerias, órgão da prefeitura de São Paulo que cuida de projetos com a iniciativa privada, explica que a concessão segue o conceito de desenvolvimento orientado ao transporte, utilizado por urbanistas em Hong Kong, Tóquio, Nova York e Cidade do México.

A ideia é a de adensar com moradias e comércios as rotas de transporte consolidadas, aproximando residências e locais de trabalho, evitando deslocamentos desnecessários, reduzindo o trânsito e a emissão de poluentes, e permitindo que o munícipe passe menos tempo no transporte.

Os terminais foram divididos em três blocos: noroeste, sul e leste.

Os nove terminais que compõem o bloco noroeste, como Campo Limpo, Pinheiros e Pirituba (veja lista completa abaixo), poderão receber até 21.714 m² de espaço a ser explorado comercialmente pela construtora, sendo que 10.857 m² terão que ser de área locável residencial.

Serão no mínimo 217 unidades, caso todas tenham o limite máximo de 50 m². Se os apartamentos forem projetados em tamanhos menores, será possível construí-los em maior número.

O restante da área poderá ser usado para a construção de empreendimentos comerciais variados.

O terminal Princesa Isabel é o único de todo o projeto que obrigatoriamente receberá unidades residenciais —no mínimo 84 delas. As concessionárias poderão escolher em quais outras construir.

Os dez que fazem parte do bloco sul, como Santo Amaro, Bandeira e Capelinha, poderão ter 34.056 m² de área para empreendimentos comerciais diversos, sendo que 17.028 m² deverão ser destinados para as moradias.

No caso dos 12 terminais da zona leste, entre eles alguns dos mais movimentados da cidade, como Parque Dom Pedro II e Sacomã, não haverá a obrigação de produção de moradias, ainda que não seja proibido. Para a prefeitura, os terminais desse bloco já fazem parte de regiões populosas e nelas seria mais importante incentivar a produção de empregos e novos negócios, diz Sellin.

Em termos de empreendimentos comerciais, a prefeitura não determinou quais tipos de atividades poderão ser exploradas. Sellin afirma que viu, em viagens para modelagem do projeto, equipamentos de saúde (Cidade do México), shoppings, escritórios (Nova York) e muita moradia, especialmente em Hong Kong.

A prefeitura receberá os envelopes com as propostas em 19 de fevereiro, mesma data em que revelará os vencedores.

Pela execução dos serviços e obras, a prefeitura terá que pagar, no máximo, R$ 174 milhões por ano a todos os vencedores conjuntamente --a chamada contraprestação. As empresas vencedoras serão as que apresentarem os menores valores de contraprestação.

Com a economia de gastos, os investimentos em reformas, a cobrança de impostos e o retorno com as atividades comerciais promovidas nos terminais, a prefeitura calcula que terá R$ 3,4 bilhões de retorno com a PPP.

A reforma dos terminais terá que ser entregue em dois anos a partir da emissão da ordem de serviço das obras (cerca de dois meses após a assinatura do contrato), que, prevê a prefeitura, acontecerá no segundo semestre de 2020. Já os edifícios poderão ser concluídos em cinco anos.

O urbanista Fernando Tulio, do Instituto dos Arquitetos do Brasil, elogia a iniciativa da prefeitura de vincular a construção de moradias a um projeto da área do transporte, mas questiona o fato de a administração não ter previsto unidades para os mais pobres.

“A prefeitura perde a oportunidade de integrar o desenvolvimento habitacional. Não necessariamente todas as unidades precisariam ir para a população de baixa renda, porque é interessante mesclar, mas a gestão perde uma oportunidade de ganhar aí, economizando na construção de habitação popular em outros locais”, afirma.

É possível melhorar o conforto para quem mora nessas regiões não sofrer com poluição e barulho, diz ele. “Pode-se construir ruas peatonais [somente para pedestres], o que é bom para comércio e serviços. Pode-se acelerar a substituição da frota de ônibus para veículos elétricos, o que reduz o barulho e a poluição”, sugere.

Esta é a segunda tentativa da gestão de conceder os terminais da cidade. Em abril de 2018, o recém-empossado prefeito Bruno Covas levou adiante um projeto de seu antecessor, João Doria, para conceder 24 dessas estruturas.

O projeto permitia que os concessionários construíssem prédios comerciais sobre os terminais, como shoppings e salas de escritórios, ou mesmo residenciais. Além disso, deveriam fazer uma requalificação do entorno em um raio de 600 metros a partir do terminal, com projetos de acessibilidade, requalificação de calçadas e construção de ciclovias.

O projeto, no entanto, não atraiu o interesse das empresas e acabou abortado, até a prefeitura elaborar o atual plano.

Agentes do mercado, porém, avaliam que o atual projeto pode ter o mesmo destino, pois o setor da construção está tímido.

PROJETO DO GOVERNO DE SP DE HABITAÇÃO EM METRÔ NÃO FOI ADIANTE

O governo estadual também lançou seu projeto de construir habitação sobre terminais de transporte público.

Em 2017, o então governador Geraldo Alckmin (PSDB), à época em pré-campanha presidencial, lançou consulta pública sobre a PPP (Parceria Público-Privada) dos Trilhos, que previa a construção de 4.556 moradias sobre trilhos do metrô próximo da estação Belém (zona oeste), em área de 32 mil m².

Além disso, o projeto previa mais 55 mil m² para a construção de áreas comerciais e serviços, 15 mil m² de estacionamentos e garagens e 20 mil m² de equipamentos públicos.

A ideia era lançar o edital em abril de 2018 e entregar o prédio completo em sete anos. O projeto, no entanto, não foi para frente, após análise do Conselho Gestor de PPPs e Concessões.

A gestão João Doria (PSDB) diz que aguarda as novas regras do Minha Casa Minha Vida, programa federal de financiamento, "para reestruturação do projeto e redesenho da modelagem e suas alternativas de financiamentos para o beneficiário da moradia assim como a destinação das áreas."?

OS TERMINAIS DE ÔNIBUS DO PACOTE

Bloco Noroeste

Amaral Gurgel

Campo Limpo

Casa Verde

Jardim Britânia

Lapa

Pinheiros

Pirituba

Princesa Isabel

Vila Nova Cachoeirinha

 

Bloco Sul

Água Espraiada

Bandeira

Capelinha

Grajaú  (não receberá moradias)

Guarapiranga

Jardim Ângela

João Dias

Parelheiros

Santo Amaro

Varginha

 

Bloco Leste

A.E. Carvalho

Aricanduva

Cid. Tiradentes

Itaquera II  (não receberá moradias)

Mercado

Pq. Dom Pedro II

Penha

Sacomã

São Miguel

Sapopemba

Vila Carrão

Vl. Prudente  (não receberá moradias) ?

ANÁLISE

Conter barulho dos ônibus é chave para moradias próximas

No exterior e no Brasil, há muitos exemplos de como manter terminais escondidos

Rafael Balago

SÃO PAULO

Se as pessoas moram em cima de estações de metrô e não se incomodam, porque não poderiam viver em cima de terminais de ônibus? Essa resposta depende de como lidar com o barulho.

Os motores a diesel roncam alto a cada acelerada. Como ex-vizinho de um corredor de ônibus, lembro como o ruído constante atrapalha a concentração e marca o ritmo do dia. O barulho sobe e desce com os horários de pico, até perder força por volta das 22h. Sossego para valer só da meia-noite às 4h, e aos domingos.

Os ônibus tendem a ser silenciosos quando novos, mas seu ruído aumenta com o passar dos anos. Uma das razões é a falta de manutenção. Isso poderia ser fiscalizado pela prefeitura, assim como a fumaça dos escapamentos.

Paredes grossas e janelas antirruído podem resolver a questão de um lado. De outro, falta a esperada transição para veículos elétricos e silenciosos, que há décadas são testados em São Paulo, mas não conseguem passar disso.

Empresas chinesas entraram neste mercado e prometem baratear a tecnologia. Nos EUA e na Europa, frotas de veículos híbridos e mais silenciosos são a regra na maioria das cidades.

No exterior e no Brasil, há muitos exemplos de como manter terminais escondidos. Em Paris, a rodoviária de Bercy fica embaixo de um parque. Em Toronto, há terminais sob prédios. Nova York tem duas estações de trem gigantescas, a Grand Central e a Penn Station, no subsolo e que têm entradas e saídas que se estendem por várias quadras.

Usar esse terrenos para outros fins é um caminho para realizar um sonho de qualquer passageiro que mora onde os ônibus vindos do centro não chegam: fazer o trajeto com uma viagem só.

Enterrar essas estruturas também ajudará a melhorar seu entorno. Os arredores dos terminais Bandeira, Princesa Isabel e Dom Pedro II, no centro, são pouco convidativos para andar à noite, assim como em terminais na periferia.