Governo bloqueia em 6 anos 95% dos recursos para prevenção de acidentes de trânsito, aponta CGU

04/10/2017 08:48 - G1 Economia

Por Marcelo Parreira, TV Globo, Brasília

Auditoria do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) e levantamento do G1 apontam que, entre 2012 e 2017, o governo federal bloqueou R$ 2,24 bilhões do orçamento destinado a programas de prevenção a acidentes do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). O valor representa 95,21% dos R$ 2,36 bilhões arrecadados com esse objetivo.

De acordo com o relatório de fiscalização, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê que 5% do dinheiro arrecadado com o DPVAT, o seguro obrigatório pago anualmente por todos os donos de veículos, devem ser destinados ao Denatran para uso exclusivo em ações de prevenção de acidentes.

Mas, pelo menos desde 2012, o governo tem bloqueado o uso de parte destes recursos para atingir metas de economia, o que, para a CGU, é ilegal.

"A obrigação disposta no art. 78, parágrafo único e no art. 320, parágrafo único do CTB não admite juízo de oportunidade e conveniência quanto à destinação dos recursos arrecadados com o DPVAT. Entende-se, portanto, que a retenção desses recursos por meio de contingenciamento orçamentário constitui uma conduta que contraria a lei", diz o documento produzido pela Coordenação-Geral de Auditoria da Área de Cidades da CGU.

Em documento enviado à CGU durante a auditoria, o Denatran reconheceu que o volume de recursos destinados ao órgão "tem diminuído a cada exercício" e que a parcela do DPVAT, que deveria ser destinada aos programas de prevenção de acidentes, "têm sido sistematicamente contingenciados".

Em nota enviada ao G1, o Ministério das Cidades – ao qual é vinculado o Denatran – informou que historicamente os recursos disponíveis para realizar programas de prevenção são apenas os oriundos do DPVAT.

O ministério informou ainda que anualmente solicita ao Ministério do Planejamento para que os recursos sejam liberados.

"Dadas as limitações orçamentárias impostas ao Ministério das Cidades nos últimos exercícios, quando da elaboração da peça orçamentária de cada ano, não é possível a disponibilização dos recursos do DPVAT", diz a pasta na nota.

Procurado pela reportagem, o Ministério do Planejamento disse que "observado o fraco desempenho das receitas públicas e em busca de assegurar o cumprimento das metas fiscais, o governo federal se viu obrigado a fazer contingenciamento de recursos".

No entanto, a pasta não respondeu à avaliação da CGU de que o bloqueio dos recursos para prevenção de acidentes pelo Denatran contraria a lei.

'Perda de vidas humanas'

De acordo com o relatório, em 2012, o contingenciamento afetou 84,18% do dinheiro previsto para as ações, e foi crescendo nos anos seguintes.

Em 2013, 92,59% dos recursos foram bloqueados e, em 2014, 97,33%. Percentual parecido de contingenciamento foi feito em 2015.

Em 2016, aponta a CGU, todo o dinheiro previsto para estas ações foi bloqueado.

Já este ano, foram arrecadados até agora R$ 253,2 milhões de reais, mas o orçamento autorizado até esta segunda-feira (2) para o Denatran é de apenas R$ 500 mil, o que representa cerca de 0,2% do total.

O relatório de auditoria da CGU afirma que as mortes nos acidentes de trânsito são ocasionadas pela ausência de investimento em prevenção de acidentes, ou seja, um efeito do bloqueio de recursos.

"O contingenciamento de recursos resulta na ausência de investimento público em ações preventivas de acidentes e educativas para condutores e cidadãos, ocasionando a manutenção e ampliação da violência no trânsito e a crescente perda de vidas humanas a cada ano", diz a CGU.

Segundo dados do Ministério da Saúde, o número anual de mortes por acidentes de trânsito no Brasil entre 2012 e 2015 foi em média de 42,3 mil.

Em 2015, foram registrados 38.651 óbitos, o menor resultado no período, mas o próprio ministério diz que a redução provavelmente está relacionada não apenas a fiscalização, mas à crise econômica – a frota de veículos no país em 2015 cresceu bem abaixo do registrado nos anos anteriores.

O diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Aly Yassine, concorda que existem prejuízos na redução de ações preventivas.

Ele cita estatísticas internacionais que apontam que cada real utilizado em prevenção reduz a perda de R$ 18 em gastos com cuidados médicos e perda de produção de vítimas com sequelas permanentes ou mortas em acidentes – e critica o bloqueio dos recursos.

"Essa é uma lógica totalmente burra. Isso é um padrão cultural da nossa sociedade civil que observa ações de prevenção como sendo um governo 'bonzinho'. E na verdade os gastos públicos dedicados a prevenção deveriam ser muito mais intensos do que destinados ao pós-evento", avaliou.

Yassine cita ainda um estudo de 2015 do Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (Ipea), que estimou em R$ 50 bilhões o custo anual de acidentes em rodovias e cidades brasileiras.

"Ao longo da nossa história, não só no caso do trânsito, as verbas tem sido destinadas para outros fins. E as vítimas do sistema somos eu, você, pessoas da nossa família", disse o diretor da Abramet.

"O governo de fato está totalmente na contramão do que nós esperamos, ou seja, prevenir a doença. E o que acontece no trânsito é uma doença, com pessoas sendo amputadas e morrendo", concluiu.