25/09/2014 06:05 - O Globo / Valor Econômico
SÃO PAULO — O Brasil começou a produzir neste mês de
setembro o chamado etanol de segunda geração (2G) a partir da palha e do bagaço
da cana-de-açúcar. A GranBio, empresa de biotecnologia industrial, controlada
pela GranInvestimentos, holding da família Grandin, anunciou nesta quarta-feira
que sua planta de álcool 2G instalada em Alagoas já começou a funcionar e está produzindo
o combustível pela primeira vez no país. Hoje, apenas a Itália e os Estados
Unidos produzem industrialmente o etanol celulósico.
O etanol 2G é a principal aposta para elevar a oferta do
produto sem que seja necessário aumentar a área plantada, já que a
matéria-prima é o bagaço e a palha. O anúncio acontece num cenário adverso para
o setor sucroalcooleiro, que está endividado, reduzindo investimentos,
promovendo demissões e assistindo o fechamento de diversas usinas.
De acordo com Bernardo Gradin, presidente da empresa, a
produção começou há dez dias. A estimativa é de chegar a uma fabricação semanal
de até 300 mil litros, elevando para 1 milhão de litros por mês, em outubro. A
produção será destinada ao mercado interno, mas quando ganhar escala a produção
deverá ser exportada, principalmente para os EUA. A Bioflex 1, unidade
construída na cidade alagoana de São Miguel dos Campos, tem capacidade inicial
de produção de 82 milhões de litros de etanol por ano, quando estiver a plena
carga.
Para Gradin, o álcool de segunda geração pode ser uma saída
mais rápida para a crise no setor.
— A palha e o bagaço de cana são deixados no campo e essas
sobras viram receita para a segunda geração. Então, vamos gerar um volume de
riqueza que antes não era considerado — afirma Gradin.
O país poderá aumentar em até 50% a produção de etanol com o
uso de palha e bagaço, sem necessidade de ampliação de canaviais. Além disso, a
expectativa é que o custo de produção seja 20% mais baixo do que o álcool de
primeira geração. Para ele, o projeto é a prova de que o Brasil pode liderar a
indústria de biotecnologia no mundo a partir de seu potencial agrícola.
Na planta de Alagoas, que começou a ser construída em 2012,
foram investidos US$ 190 milhões, um valor cerca de 35% maior do que o esperado
inicialmente, já que foram feitos ajustes durante o processo.
- Redimensionamos sistema de processamento de palha e o
investimento no sistema de limpeza da biomassa estava subdimensionado. O modelo
de tratamento de efluentes também mudou - disse Gradin, que lembra que o etanol
2G é um dos combustíveis mais limpos do mundo. Para ele, o etanol 2G tem
potencial de assumir a liderança em combustíveis renováveis.
As chuvas também atrasaram a obra e aumentaram os custos.
Outros US$ 75 milhões foram investidos no sistema de
cogeração de vapor e energia elétrica em conjunto com a Usina Caeté, do Grupo
Carlos Lyra. O sistema é alimentado com bagaço de cana-de-açúcar e lignina –
subproduto gerado no processo de produção do etanol de segunda geração. Além de
atender às necessidades da Bioflex, a caldeira gerará um excedente de energia
elétrica de 135.000 MWh/ano – o suficiente para abastecer uma cidade de 300 mil
habitantes. Esse excedente será vendido no mercado.
Nos próximos dez anos, a empresa pretende instalar mais dez
plantas no país, em parcerias com usinas de primeira geração (que fazem o
plantio da cana) que fornecerão a biomassa. Nessas plantas, serão investidos
cerca de R$ 4 bilhões. A segunda planta deverá entrar em operação já em 2016.
Até 2020, a expectativa é de produção de 1 bilhão de litros do etanol 2G.
De acordo com Gradin, 65 pessoas trabalham na indústria em
Alagoas e outras 210 estão empenhadas na colheita da palha.
Dos investimentos em Alagoas, o BNDES entrou com um financiamento de R$ 300 milhões, que já foram totalmente utilizados. O BNDEPar, braço de investimento do banco, é sócio da GranBio, com capital de R$ 600 milhões, dos quais R$ 300 milhões já injetados.
Valor Econômico
Começa a produção de etanol celulósico no país
A produção de etanol de segunda geração, a partir de açúcares extraídos da celulose presente em biomassas como o bagaço e a palha da cana, enfim saiu do campo das utopias no Brasil. E o pioneirismo coube mesmo à Granbio, como era esperado. A empresa de biotecnologia industrial controlada pela holding da família Gradin anunciou ontem o início da operação de sua primeira usina de etanol celulósico, em Alagoas.
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Mais do que fruto de um novo processo de fabricação de
biocombustíveis, o etanol celulósico é considerado por especialistas como uma
das maiores inovações do setor de agronegócios nas últimas duas décadas. No
mercado, estima-se que, no longo prazo, será possível aumentar em 50% a
produção brasileira de etanol com a tecnologia sem o cultivo de um pé de cana a
mais.
Batizada de Bioflex, a unidade da Granbio foi construída em
São Miguel dos Campos, no interior alagoano. O cronograma original previa que o
início das operações seria no primeiro trimestre deste ano, mas isso só
aconteceu, de forma contínua, há dez dias, de acordo com Bernardo Gradin,
presidente da companhia.
A jornalistas, o empresário disse que, até agora, os
investimentos na empreitada superaram em 35% o valor projetado e alcançaram US$
265 milhões - US$ 190 milhões na usina e US$ 75 milhões em uma planta de
cogeração no mesmo complexo.
O BNDES é o grande parceiro financeiro da GranBio no
projeto. Liberou para seu desenvolvimento, por meio do PAISS (programa voltado
a projetos inovadores com cana), um financiamento de R$ 300 milhões, e injetou
outros R$ 300 milhões na empresa via BNDESPar. O braço de participações do
banco deverá aportar mais R$ 300 milhões na Granbio e, com isso, passará a
deter uma fatia de 15% em seu capital.
Os parceiros esperam que essa capitalização dê fôlego aos
planos de companhia de investir cerca de R$ 4 bilhões em dez anos na construção
de 12 usinas de etanol de segunda geração. A unidade que começou a operar faz
parte desse pacote.
Há duas semanas, também entrou em operação a primeira
unidade de etanol celulósico dos EUA. Desenvolvido em parceria por DSM e Poêt,
esse projeto utiliza a biomassa do milho. Unidades da espanhola Abengoa e das
americanas DuPont e Quad County Corn Processors poderão ser inauguradas ainda
neste ano naquele país. No Brasil, a próxima planta a entrar em operação deverá
ser da Raízen, situada em São Paulo.
A pioneira brasileira Bioflex tem capacidade para fabricar
82 milhões de litros de etanol celulósico por ano, mais que a unidade de DSM e
Poêt nos EUA (75 milhões). E a usina alagoana foi projetada para ser expandida
em 25% e alcançar 100 milhões de litros a partir de investimentos considerados
"marginais". Isso deverá acontecer, segundo Gradin, após um ano de
operação.
A planta usará como matéria-prima palha e bagaço da cana
recolhidos de usinas parceiras na produção de primeira geração. Entre elas, a
principal é a Caeté, do grupo Carlos Lyra. Atualmente, o intervalo de tempo
entre a entrada da biomassa na usina e a saída do etanol celulósico pronto para
venda é de cinco dias. Gradin estimou que em um mês, com o aumento da
utilização da capacidade da fábrica, esse tempo diminuirá para três dias.
Ocorre que, diferentemente do etanol de primeira geração,
que leva oito horas para ser produzido porque é feito a partir dos açúcares
"explícitos" no caldo da cana, o etanol de segunda geração demanda um
processo industrial muito mais complexo para "revelar" os açúcares
contidos dentro da celulose.
Atualmente, detalhou Gradin, a palha da cana entra na
fábrica e fica quatro horas no pré-tratamento, quando a estrutura da biomassa é
"rompida" para abrir as fibras de celulose. Em seguida, as enzimas
entram em ação (atualmente por 32 horas), no processo de hidrólise. Com isso,
as fibras são "quebradas" em açúcares mais simples de serem
fermentados.
Ainda assim, o processo de fermentação demanda mais 72 horas
e depois é sucedido pela destilação, que leva mais 3 horas. Hoje, a fábrica
está operando com 20% da carga. Em seis meses, quando a ociosidade estiver
mínima, a empresa também poderá calcular os custos exatos de produção por
litro. Gradin disse que em um ano espera fabricar o etanol celulósico na
unidade a custos 20% mais baixos que os do convencional.
O empresário deverá anunciar em breve o nome do parceiro da
segunda usina de etanol celulósico da GranBio, cuja localização também é
mantida em segredo. Apesar de ter gastado na primeira unidade mais do que o
orçado, nas próximas fábricas, superada a curva de aprendizado industrial, a
economia tende a ser de pelo menos 30%.
Na usina alagoana, o orçamento estourou por uma série de
fatores, a começar a mudança no escopo da cogeração de energia. O plano
original era produzir eletricidade para consumo próprio da fábrica, mas a
companhia decidiu criar, por meio de uma Sociedade de Propósito Específico com
o grupo Carlos Lyra, a Companhia Energética de São Miguel (CESM), com
capacidade duas vezes maior de geração de vapor. Além de atender à demanda das
duas usinas (Caeté e Bioflex), a nova empresa vai "exportar" 135 mil
megawatts-hora por ano.
Também foram feitos ajustes na própria fábrica. O sistema de
alimentação do pré-tratamento da biomassa teve que ser expandido, o que
demandou R$ 10 milhões adicionais. Houve, ainda, a necessidade de aportes em
evaporadores de vinhaça, uma vez que seu uso para fertiirrigação não foi
possível na dimensão que a empresa esperava.
E foi preciso fazer outras modificações na planta para
implementar melhorias observadas na operação de uma unidade na Itália da Beta
Renewables que usa a mesma tecnologia adotada pela Granbio. "São
modificações naturais no processo de inovação" disse Gradin.