12/11/2013 08:05 - O Globo
RIO - ‘Quando falam em Jacob, infelizmente muitos pensam que
sou o dono. Pensam que sou o majoritário. Jacob, Jacob é o bicho-papão”. Assim,
com essa analogia, Jacob Barata, hoje com 81 anos, descrevia a imagem de sua
atuação no sistema, em entrevista inédita, feita em 2008. Entraria para um
projeto de acervo histórico que foi iniciado, mas não concluído, pela
Fetranspor, e revela detalhes do jeito de pensar do empresário, apontado como o
mais poderoso do setor de transportes no Rio. Ele conta a sua versão para o
início de tudo: é a história do menino que comprava e vendia galinha no Pará, e
que aos 14 anos chegou ao Rio; estudava no colégio Piedade de dia, e à noite
"puxava o queixo de um burro”.
Jacob, que agora se recupera de uma cirurgia cardíaca feita
há quatro meses, depois do casamento de sua neta Beatriz Barata, relata que
passou a ajudar um conhecido que vendia à prestação panelas de alumínio, nas
ruas do Rio dos anos 1940. Três vezes por semana, batia à porta dos devedores.
"Eu era o cobrador. Me achavam muito bom”, orgulhava-se. Arranjou emprego como
escriturário em um banco. Com o dinheiro que juntou, começou a vender joia.
Oferecia nas empresas do Centro, de manhã, antes de ir para o banco, na esquina
da Avenida Rio Branco com Avenida Central. "Eu criei uma espécie de núcleo, com
um chefezinho, eu dizia ‘tu vende a joia pra mim e te dou 10%’”.
Largou o banco e, com o dinheiro das joias e a economia do
salário, entrou para o negócio que lhe deu, mais do que cifras milionárias,
poder. "Todo mundo que me encontrava dirigindo o lotaçãozinha (eu fazia
Madureira-Irajá), dizia: ‘Jacob, você deixou de ser bancário para dirigir essa
lotação’. Eu dizia: ‘Vocês estão confundindo: bancário é uma coisa, banqueiro é
outra’”. Lembra da ajuda essencial para enfrentar uma espécie de bullying que
sofria por causa do deplorável estado de seus pneus. "Um camarada, o Bóris, da
Benfica Pneus, me disse: ‘Ô judeuzinho, por que o pessoal faz hora com você?’
Expliquei que não tinha dinheiro para trocar os pneus. Aí ele me ofereceu a
chance de comprar quatro e pagar um por mês. Foi um dia feliz na minha vida. É
o que digo: felicidade completa na vida ninguém tem. Todos nós na vida temos
momentos felizes. No dia seguinte, todo mundo passava e eu fazia: ó pra vocês
(sinal com o dedo). Aí não enguicei mais. Fui tocando e estou aqui”, contou o
empresário, que em 2008, declarou ter 96 sócios. A entrevista, concedida no
prédio da Fetranspor (mesmo endereço onde Jacob Barata Filho deu a entrevista
ao "Globo a Mais”, há duas semanas), levou o empresário a um desabafo: "Eu vim
muitas vezes aqui com Seu Waldemar (o antigo dono do prédio). Ele dizia para mim,
no quinto anadar: ‘Rapaz, você já está devendo muito’. E eu dizia: ‘Eu pago o
senhor direitinho’. Deus é muito bom, Quando que na vida eu pensei que ia ser
dono dessa p.?”
O homem mais poderoso do transporte no Rio se define como
"apolítico”, mas declara sua simpatia pelo ex-presidente Lula. "Eu nunca fui
Lula, mas hoje sou Lula. Porque acho que o povo passa "menas’ fome. Hoje ganho
muito menos do que ganhava, mas estou satisfeito, porque acho que equilibrou
muito. Mas tenho muitos parentes que discordam disso”, diz ele.
O empresário, que chega a comparar as vans (cuja
desregulamentação atingia o auge no começo da década passada) com o lotação,
critica políticos e diz que, quando começou, "havia um certo limite, um
critério”. "Em certos lugares, há necessidade da van, mas um certo número. Não
a baderna que foi feita, Não vou dizer o nome da autoridade. O camarada pega um
carro qualquer, sem documentação e bota para rodar”.
Ao falar sobre gestão pública, o empresário usa uma leve
ironia, e cita "um amigo senador”. "Os próprios ônibus dos governos são
administrados por outras pessoas. É o tal negócio, nego velho… No governo tem
gente muito capaz, essa é a realidade. Tão capazes quanto os particulares.
Agora, começam os afilhados… Tem um amigo meu foi senador aí. No gabinete dele,
cinquenta e poucas pessoas. Eu disse: "Rapá (sic), se entrarem todos, não dá na
sala”. Em pé não dá aqui dentro (da sala). Não há condição, né?”
Adepto do baralho — jogava truco, buraco e sueca com amigos
e sócios —, Jacob diz que perdeu o hábito do carteado com a morte de um de seus
melhores amigos, dono da viação Nossa Senhora de Lourdes (de quem era sócio
também em uma empresa em Portugal).
O que era administrar para a primeira geração do transporte
no Rio? "É delegar poderes e cobrar. Não é fazer, não. Eu só dirigi um ano.
Depois coloquei motorista”, conta Jacob. Com jeito um tanto rústico de
expressar sua filosofia de trabalho, ele resume assim os tipos profissionais
que o cercavam: "Existem três tipos de gente: aquele que pode querer fazer, mas
é sempre aquele pau mandado. Existe a pessoa que nasceu para dirigir, mas dando
uma diretriz a ela. É bom para dirigir, mas sempre com uma diretriz. Não larga
senão, desembesta. É seu diretor, mas sempre você orientando ele. E aquele que
é nato. Pode deixar que é dele. Ele nasceu para dirigir”. Hoje, Jacob Barata
ainda tem o cargo de diretor do grupo, mas vem saindo aos poucos do comando das
empresas.
A segunda geração da família, para o empresário, "melhorou
muito, veio com outra mentalidade, melhoraram as carrocerias e as indústrias”.
A escolha por uma estratégia de investimentos pulverizados talvez tenha raíz na
máxima declarada por Jacob Barata na entrevista, feita há cinco anos: "Sempre
tive ônibus, revendedora de carros, nunca gostei de ter os ovos na mesma cesta.
Senão quando cai, quebra tudo de uma vez só”.
Como controlar um negócio tão fragmentado? "O controle que
eu tenho é: todos os meus sócios que dirigem as empresas. Não sou caixa nem
tesoureiro de nenhuma delas. A única coisa que quero é todo dia o caixa na
minha mesa. Saber o tostão que entra e o tostão que paga. Não admito fazer um
tostão de vale na empresa. Admito qualquer erro, menos financeiro. Se precisar,
é só me pedir. Quem erra por R$ 1 erra por um milhão”.
Aníbal e os tubarões
O lotação foi também a origem do grupo de Anibal de
Sequeira, primeiro dono da Viação Real, principal empresa do consórcio
Intersul, responsável pelas linhas que operam na Zona Sul do Rio. Nascido em
uma família de agricultores no distrito de Figueiras, em Portugal, Anibal, que
morreu em março de 2009, aos 77 anos, disse, em rara entrevista ao projeto "Os
pioneiros”, da Fetranspor, que o governo Carlos Lacerda ajudou a organizar e a
fomentar o sistema. "Ele acabou com o sistema de lotação, e organizou-os no
mais alto nível. Foi bom porque ele falou que o individualismo acabou e que
tinha que haver coletividade. Fomos nos reunir em empresa. Fundamos a primeira,
em que estamos até hoje”, conta Anibal, dono da Real, hoje comandada pelo
empresário Claudio Callak, seu genro.
Debilitado, Anibal faz, na entrevista, uma análise do
período em que, na avaliação dele, o setor mais se expandiu: os anos JK
(1956-1961): "Havia muito dinheiro. Foi quando Juscelino fez Brasília. Com
menos de 20% do que era o salário mínimo na época, o sujeito comprava o
suficiente para se sustentar”.
Anibal afirma que o setor atravessou "uma guerra”, em que
"os bons” resistiram. E ironiza a tentativa do poder público de gerir o
sistema, com encampação, no governo Brizola. "As empresas estão aí, como dizem
os políticos, nas mãos dos tubarões. Agora pega essas empresas e coloca nas
mãos do governo, para ver se em dois anos não está quebrado. Tudo o que é de
todos não tem dono”, diz Anibal, na entrevista. "Tudo o que depende da política
é difícil. Nosso relacionamento é bom. Mas se eles agem com boa vontade têm
medo de fazer porque vão dizer que estão levando vantagem. Para ele não passar
por essa pecha, também não faz. É essa a guerra que temos aí”, sintetiza.
O empresário relata detalhes dos primeiros anos no lotação.
"Cheguei a ter meia-lotação, depois três, depois mais. E fizemos uma de 20, a
autoviação Arpoador. Eu dirigia sempre. Era mecânico também. Se você procurar,
aqui dentro (e ele mostra as unhas) tem graxa”.