Lei de responsabilidade urbana - Washington Fajardo

06/01/2018 08:44 - O Globo

Insisto: não há nenhum mecanismo dentro da administração pública que proteja a sociedade da ineficiência, da segregação e da deseconomia produzida por cidades mal planejadas e, principalmente, mal geridas.

A ênfase na gestão não é à toa. Mesmo um bairro mal concebido poderia ter suas qualidades ambientais incrementadas se bons espaços públicos fossem produzidos e, obviamente, se fossem bem conservados.

Ruas bem desenhadas, lugares para socializar, arborização urbana, limpeza, ordenamento e conservação são fórmulas de sucesso menosprezadas.

Não aliviam as carências de infraestrutura, mas, quando não implementadas, corroem o cotidiano. Criam empatia pela degradação. “É assim mesmo” ou “Ilegal, e daí?”

Ouvi isso de Elizabeth Barlow Rogers, arquiteta paisagista, responsável pela reabilitação do Central Park, em Nova York. Betsy Rogers transformou um antro de crimes e violência, nos anos 1980, em um dos parques urbanos mais vibrantes do mundo fazendo simplesmente o que ela definiu com três ações fundamentais: limpeza, beleza e conservação.

Note que “segurança” não foi listada. Pela qualificação da experiência urbana, tornando-a inclusiva, e sempre cuidada, se produz aumento do bom uso.

William H. White, outro urbanista estadunidense, inovador no campo do comportamento humano no espaço público, dizia: “Os chamados ‘indesejáveis’ não são o problema. São as medidas tomadas para combatê-los, esse sim é o problema... A melhor maneira de lidar com o problema dos indesejáveis é tomar é tornar o lugar atraente para todos os outros”.

Comprovamos essa hipótese quando foram retiradas as grades da Praça Tiradentes, no Centro do Rio. Tornou-se um lugar vivo. O medo motivara o gradeamento. Franqueada a todos e bem cuidada, passou a existir de fato. Contudo não foi a simples retirada das grades que produziu tal efeito, mas um conjunto de ações de gestão urbana que a manteve, ao longo do tempo, limpa, ordenada, bela e conservada.

Insisto na menor escala. Num urbanismo que caminha. Numa nova autoridade pedestre. Menos urbanismo pretensioso ou revolucionário. Mais espaços inclusivos e amorosos. Isso não é pouco. Mas como fazer?

Apesar dos avanços da Constituição de 1988, do Estatuto da Cidade, de 2001, e agora do bebê Estatuto da Metrópole, de 2015, a vida nas cidades brasileiras não tem melhorado. A cada 13 anos aproximadamente, nós fizemos leis para dizer “o quê”, mas nunca para dizer “como”.

Proponho a Lei de Responsabilidade Urbana.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, feita em 2000, disse como o governo deveria gerir as finanças públicas. Não é perfeita, mas assegurou controle social e transparência sobre metas claríssimas, responsabilizando o gestor. Há compreensão nítida sobre os benefícios desse modo de cuidar do bem público.

Já para outro bem coletivo importante, a cidade, são feitos Planos Diretores, que, caso não sejam atendidos, não implicam em responsabilidade para os gestores. Tais planos erram ao não definirem metas. Esta função tem cabido aos Planos Estratégicos.

O Rio utiliza-se dessa metodologia desde a administração Cesar Maia, quando, em 1993, foi feito o plano “Rio Sempre Rio”. Daí veio a visão e busca pelas Olimpíadas. Depois, em 2004, realizaram “As Cidades da Cidade”, de onde vêm “cidade” das Artes, do Samba, das Crianças.

Ainda durante as eleições, em 2008, os candidatos Fernando Gabeira e Eduardo Paes assinam com a iniciativa Rio Como Vamos compromisso em adotar metas.

Eleito, Paes inicialmente faz plano que mira em 2020 e define metas para o fim do primeiro mandato. Em 2013, cria-se uma carreira de estado dentro do município, que são os Analistas de Gerenciamento de Metas. E um novo plano, com vistas a 2030, e metas para 2016. Essa metodologia soma-se à prática de acordo de resultado e bonificações, fazendo com que a cidade vislumbre uma gestão mais célere.

Justamente quando elabora um plano estratégico de maior alcance temporal, o Plano Rio 500, olhando para 2065, e com maior processo de participação, e, novamente, criando metas para o próximo quadriênio, o TRE-RJ torna Paes e o candidato à sua sucessão, Pedro Paulo, inelegíveis.

A administração Marcelo Crivella continua a metodologia e o Plano Estratégico.

Está se consolidando uma cultura coletiva de elaboração participativa de metas no Rio.

Mas como assegurar resultados?

Esse modelo de gestão é recomendado pela Frente Nacional dos Prefeitos e até por entidades internacionais, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Com base no Censo de 2010, o IBGE lançou o inédito estudo “Tipologia Intraurbana: Espaços de diferenciação socioeconômica nas Concentrações Urbanas do Brasil”, que mostra como é aguda a desigualdade territorial. Somente 24% da população das concentrações urbanas brasileiras vivem em condições consideradas boas.

Falham a Constituição e o Estatuto da Cidade. De nada servem Planos Diretores que não definam metas. De nada adianta participação, se metas não são alcançadas.

A população brasileira precisa de uma Lei de Responsabilidade Urbana que puna o gestor que não se esforce para fazer uma boa cidade para todos.



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