Meta sustentável

03/06/2016 08:53 - Valor Econômico

 O Brasil assumiu o compromisso internacional, no âmbito do Acordo de Paris, de reduzir suas emissões de gases de efeito-estufa em 43% até 2030, a partir de metas como assegurar um percentual de 45% de energias renováveis na matriz, zerar o desmatamento ilegal na Amazônia e recuperar 12 milhões de hectares de floresta.

As metas assumidas pela presidente afastada Dilma Rousseff foram herdadas pelo governo interino de Michel Temer, mas a atual gestão ainda não deu sinais claros de que pretende colocar a economia nos trilhos com uma estratégia de desenvolvimento baseada na economia de baixo carbono. Para especialistas ouvidos pelo Valor, o país tem desperdiçado a chance, governo após governo, de fomentar a recuperação econômica com base na inovação voltada à sustentabilidade.

Foi assim quando o governo federal concedeu isenção de impostos à indústria automobilística sem demandar contrapartidas ambientais das montadoras, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o que gerou problemas de trânsito e poluição decorrentes do excesso de veículos. Outro exemplo foi a decisão de reduzir o percentual do álcool, um combustível renovável, na gasolina brasileira, na gestão Rousseff. "Os compromissos que foram assumidos pelo Brasil em Paris trazem a oportunidade de solucionar a crise econômica e, ao mesmo tempo, enfrentar os desafios climáticos. Seria usar o verde para sair do vermelho", diz Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima.

Segundo Rittl, não falta conhecimento para subsidiar o governo na tomada de decisões rumo a uma economia mais verde, pois estudos recentes têm mostrado que é possível aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro com as medidas para redução das emissões de carbono. Um desses estudos é o "Implicações Econômicas e Sociais: Cenários de Mitigação de Gases de Efeito-Estufa" (IES-Brasil), conduzido pela Coppe/UFRJ e apresentado ao governo no ano passado pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que aponta que adoção de medidas ambiciosas de redução das emissões poderá gerar um incremento de até R$ 609 bilhões no PIB em relação ao projetado para o período 2015-2030.

O estímulo à economia seria alcançado por meio de ações de mitigação das emissões, como o aumento no uso de combustíveis renováveis, investimentos no setor de transportes e na agricultura de baixo carbono. No cenário mais otimista traçado pelo estudo, se adotadas essas estratégias mais sustentáveis, as emissões chegariam a 2030 em cerca de 1,0 bilhão de toneladas de CO2, 25% menos que o registrado em 1990 e 49% menor do que em 2005.

O governo federal tem em suas mãos também análises sobre os modelos de taxação de carbono que vêm sendo aplicados em várias partes do mundo, que poderiam subsidiar uma política fiscal voltada a penalizar os setores mais sujos da economia. "No entanto, a agenda de desenvolvimento que está norteando o governo interino é conservadora e vê a questão ambiental como um entrave", afirma Rittl. Ele cita os documentos "Agenda Brasil", conjunto de 27 saídas para a crise proposta por Renan Calheiros e "Uma Ponte para o Futuro", que são as propostas do PMDB para guiar o atual governo.

No primeiro caso, a menção ao meio ambiente aparece apenas no sentido de tornar mais ágeis as licenças ambientais, especialmente em áreas costeiras e obras consideradas estruturantes, e ainda é proposta a revisão dos marcos jurídicos que regulam áreas indígenas, para tornar as reservas "compatíveis" com atividades produtivas. Já o conjunto de propostas do PMDB sequer menciona a sustentabilidade, mas reforça a importância do pré-sal para a retomada do crescimento.

No Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65, recentemente aprovada em comissão no Senado, pretende flexibilizar a legislação de licenciamento ambiental com a premissa de acelerar os trâmites burocráticos e tem sido apontada como um retrocesso por ambientalistas, especialistas em direito e pelo Ministério Público.

O economista Ricardo Abramovay, professor titular do departamento de economia da FEA-USP, vê riscos também no movimento de reprimarização da economia brasileira, com a ênfase na produção e exportação de commodities agrícolas e de mineração, incapaz de promover e financiar uma economia mais sustentável. "Infelizmente, o Brasil ainda acredita que a retomada do crescimento é pela velha economia", diz Abramovay.

Segundo ele, a saída da crise que o país tem buscado é pela via de reduzir os custos de produção de commodities sem, contudo, investir para agregar valor sustentável aos produtos brasileiros. "Continuamos apostando nos setores que foram importantes no passado: grandes hidrelétricas, petróleo, commodities. E sem enxergar que estamos nos distanciando da fronteira global da inovação", completa.

Apesar desse cenário, na avaliação do economista, há sinais positivos vindo de importantes segmentos do setor privado, que, motivados pelas oportunidades da economia de baixo carbono, estão se organizando para fomentar essa agenda. Os exemplos estão nas áreas de energias renováveis (principalmente solar e eólica), eficiência energética, reflorestamento e agricultura sustentável. As metas do compromisso brasileiro firmado no Acordo de Paris evidenciam esse potencial - como expandir as fontes renováveis para pelo menos 23% da matriz e obter ganhos de eficiência de 10% no setor elétrico.

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que está mobilizando os segmentos de florestas plantadas, biocombustíveis e madeira certificada, é outro exemplo. Com 130 membros, entre empresas e ONGs, a coalizão têm se reunido para discutir como será possível tornar viável economicamente o plantio dos 12 milhões de hectares de florestas previsto no compromisso brasileiro. "A mudança climática vai trazer vencedores e perdedores, e podemos estar entre os primeiros", diz José Luciano Penido, presidente do Conselho de Administração da Fibria Celulose, uma das empresas da coalizão.

Mesmo com o engajamento de alguns setores, ainda sobram incertezas em relação a como o Brasil vai financiar suas estratégias de adaptação às mudanças climáticas. Em maio, o Ministério do Meio Ambiente lançou o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), instrumento que traz diretrizes e recomendações para gestão e redução dos riscos associados às mudanças climáticas em onze áreas de interesse nacional: agricultura; cidades; recursos hídricos; populações vulneráveis; segurança alimentar; biodiversidade e ecossistemas; gestão de riscos aos desastres; indústria e mineração; infraestrutura; saúde e zonas costeiras.

O plano foi construído com a participação técnica de 18 órgãos do governo federal, da comunidade científica, de populações tradicionais e do setor privado. Traz metas de quatro anos de prazo para execução para cada setor - na área de saúde, por exemplo, está previsto o compromisso do Ministério da Saúde de ampliar para 85% o percentual de municípios atendidos pelo Programa Nacional de Qualidade da Água para Consumo Humano, até 2019.

A questão de onde sairão os recursos necessários para enfrentar a adaptação, no entanto, não está clara no documento. Uma das possibilidades, prevista pela Lei 12.114/09, é a utilização de recursos do Fundo Clima ou do Fundo Amazônia, ambos operados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - o primeiro com recursos oriundos dos royalties do petróleo e o segundo com repasses de governos como o da Noruega. "Nesse cenário de incertezas políticas e econômicas, será preciso buscar fontes de recursos públicos, privados e de cooperação internacional para tirar a adaptação do papel", diz Guarany Osório, coordenador do programa Política e Economia Ambiental do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (GVCes).

Velocidade de acordos está aquém das necessidades

Por Vívian Soares / Para o Valor, de Genebra

Os desafios globais do meio ambiente não escolhem patamar de desenvolvimento econômico - países ricos e pobres hoje enfrentam as consequências de má gestão dos recursos naturais, priorização de fontes não-renováveis de energia e demora na implementação de políticas públicas adequadas. Apesar de esperançosos com a contribuição do Acordo de Paris em relação a metas globais de redução de emissões de gases-estufa, especialistas do setor afirmam que os contratempos vão além: poluição da água, produção de alimentos para acompanhar o crescimento demográfico e falta de conscientização dos atores políticos são alguns dos problemas que afetam, direta ou indiretamente, a todos os países.

"Existe um problema de ambição e outro de velocidade. É uma vitória do ponto de vista da ambição quando conseguimos fechar um acordo como o de Paris, com 192 países, depois de 20 anos de insucesso. Mas a velocidade dos acordos não acompanha o que precisa ser feito - mesmo se cumpridas, as promessas já não são suficientes", afirma Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace.

Um dos problemas que afeta todos os países, segundo ele, está ligado à energia e à relação entre governos e empresas que atuam com combustíveis fósseis. "Os lobbies das companhias de geração e distribuição constituem um poder muito grande sobre as políticas públicas, o que barrou por muito tempo a evolução de modelos de energia renovável", diz.

A despeito disso, o desenvolvimento das tecnologias em produção de energia limpa tornou essas soluções mais baratas e vantajosas para o consumidor, criando um cenário em que "mesmo poderes constituídos não podem mais brigar com essa realidade". Trata-se, agora, de uma questão de velocidade: quando os combustíveis fósseis serão substituídos por geração limpa de energia, e se isso acontecerá rápido o suficiente.

A produção de energia não-renovável está no cerne das discussões do Acordo de Paris - e, apesar da unanimidade sobre a necessidade de mudanças na matriz energética, ainda não existe concordância sobre a eficácia dessas medidas para a prevenção de uma catástrofe mundial. "É uma espécie de experimento global. As evidências são difíceis de ignorar e apontam para um cenário disruptivo severo, mas ainda estamos tentando entender o cenário que vamos enfrentar com a quantidade de gases na atmosfera", afirma Gabriel Labbate, executivo sênior do escritório regional do Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma).

Segundo Labbate, outro problema crítico é a produção de alimentos em um cenário de crescimento demográfico. "Até 2050, teremos mais de 2 bilhões de pessoas a mais no planeta até que a população se estabilize. O grande desafio é como produzir alimentos suficientes para atender às necessidades dessas pessoas a um custo ambiental aceitável", diz. Uma das soluções, segundo ele, é melhorar a produtividade e a distribuição de alimentos, por meio de programas de consumo e produção sustentáveis.

A preocupação direta é com as populações pobres - a distribuição de renda entre países está no centro do debate de programas como o "Economia Verde", lançado há oito anos pelo Pnuma. "Para eliminar a pobreza sem causar uma crise no meio ambiente, só por meio do estímulo à produtividade, igualdade e eficiência", diz Labbate.

Na América Latina, energia e produção de alimentos também são problemas que, somados aos desafios de saneamento, contaminação da água e do solo e gestão das florestas, agravam o status de vulnerabilidade da região. Rachel Biderman, diretora do World Resources Institute (WRI) para o Brasil, afirma que, no subcontinente, o acesso à água potável ainda é um caso crítico - tanto nas áreas rurais vítimas de contaminação por agrotóxicos ou fenômenos de desertificação, quanto nas grandes cidades que sofrem com problemas de abastecimento e saneamento. "O Brasil é tido como exemplo de legislação ambiental e é modelo para outros países da região, mas não estamos preparados para as mudanças climáticas e há pouca compreensão da sociedade para os riscos que elas representam", diz.

As conquistas das legislações ambientais na América Latina, porém, vêm sofrendo alguns retrocessos, na opinião de Rachel -seja pela falta de cumprimento das leis ou pela fragilidade das instituições que devem garantir seu funcionamento. "Os governos veem a área ambiental como mais fraca em termos de orçamento público e, por isso, não temos investimentos há décadas em pesquisa e capacitação de pessoal, por exemplo", explica a diretora.

A falta de consciência de atores políticos e civis é, segundo Marcio Astrini, um motivador para que instituições como o Greenpeace optem por atuações mais estratégicas. É preciso, por exemplo, ir além de campanhas pontuais de preservação da floresta e promover o combate às "causas profundas" dos problemas ambientais, como corrupção, desigualdade social e pobreza. "Há um entendimento de que essas são consequências dos desafios de meio ambiente, mas o que vemos é que os sistemas de corrupção e lobby globais, por exemplo, impedem o avanço de uma agenda positiva", diz.