Motociclistas resistem ao uso de roupas para proteção

31/05/2017 07:20 - Folha de SP

Os motociclistas lideram as estatísticas de óbitos no trânsito, com 31%, seguidos por pedestres (27%), conforme dados do Infosiga-SP. Só em abril, 139 motoristas de motos perderam a vida nas estradas do Estado.

Pesquisa encomendada pela empresa Laquila, importadora e distribuidora de peças e acessórios para motos, mostra que itens de segurança ajudam na redução do risco de morte em 40% e de ferimentos graves em mais de 70%.

Já o estudo da Data Sonda Pesquisas detectou que os entrevistados sempre utilizam capacete, como a lei exige. O mesmo não acontece com outros itens. Apenas 31,9% fazem uso contínuo de jaquetas, e 22,7% nunca vestem esse essa peça e tampouco utilizam calça (53,6%), bota (43,5%) ou luva (33,7%).

Especialista em segurança da Laquila, Wellington Santos acredita que faltam campanhas para incentivar o uso dos equipamentos, que não são obrigatórios. "A questão é cultural. Os acessórios são vendidos por vários preços. O investimento em uma jaqueta pode partir de R$ 120 e inibir uma fratura, por exemplo. Também tem a questão do clima quente", afirma.

Para Santos, nem a criação de uma norma que obrigue o uso desses itens resolve o problema. "Aumentaria o uso, mas o controle não seria tão fácil assim. O melhor a ser feito é investir na conscientização do piloto. Temos de saber que o para-choque é nosso peito, em uma moto", diz.

"A formação dos motociclistas é quase um teste de equilíbrio. Para piorar, o material didático mais atualizado sobre o assunto não é em português", afirma David Duarte Lima, presidente do Instituto de Segurança no Trânsito e professor da Universidade de Brasília.

Apesar de as motos serem menos de 30% de toda a frota nacional, responderam por 54% do total de internações no SUS. Segundo dados do Ministério da Saúde, o trânsito custa R$ 240 milhões por ano ao sistema público. De acordo com a Rede de Reabilitação Lucy Montoro, de São Paulo, em 2016, 50% das vítimas de acidente atendidas lá ficaram paraplégicas ou tetraplégicas, e quase 30% sofreram amputação. 

'Era motoboy e peladeiro, perdi as duas coisas'

Resumo 

Gilberto da Silva, 38, tinha 24 anos quando sofreu o acidente que mudou sua vida. Ao cruzar uma linha férrea em Barueri (Grande SP), bateu num trem. A cancela e o sinal sonoro da via estavam quebrados. O motoboy teve o pé direito arrancado. Tornou-se jogador de vôlei sentado e foi a três Jogos Paraolímpicos. Hoje, não arrisca mais pilotar motos.

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Eu me lembro bem daquela noite: 13 de setembro de 2003, 19h25. Naquele fim de semana, disse à minha mãe que não queria subir na moto. Havia sido atropelado duas vezes durante a semana por motoristas de carro que fizeram uma conversão proibida. Não aconteceu nada grave, só ralei o cotovelo, mas aquilo me deixou ressabiado.

Tenho uma ligação com o trânsito desde pequeno. Aos 12 anos, comecei a ajudar meu pai, caminhoneiro, que trabalhava para uma madeireira. Quando tirei a carteira de motorista, passei a dirigir também. Rodando com ele por aí de caminhão, a gente viu muita coisa, muito acidente. Aprendi a entender os perigos que corria e tinha medo de que algo acontecesse.

Quando estava com 19 anos, começou uma febre de motoboys. Ganhava-se um dinheiro até que razoável, e eu decidi tentar. Mas tinha muito medo de São Paulo, o trânsito era uma coisa de louco.

Naquela tarde de sábado, estava jogando bola com uns amigos e fazendo uma festa em Carapicuíba, onde eu morava, quando um deles recebeu a notícia de que o filho havia sofrido uma queda. Ele precisava pegar a rodovia Castelo Branco para ir ver a criança, mas não sabia como chegar lá. Peguei uma moto emprestada e fui na frente, mostrando o caminho.

Na volta, estava tranquilo. Fazia aquele caminho todos os dias de ida e volta ao trabalho, em Alphaville. Por isso, não estranhei quando cheguei a um cruzamento na linha do trem, em Barueri, e não vi a cancela. Eu sabia que estava sem a sinalização. Geralmente, eu parava quando ouvia o sinal sonoro mas, como não escutei nada, passei distraído. A sirene não estava funcionando naquele dia. Bati de frente no trem.

Foi uma mistura de falta de sinalização e desatenção. Meu pé foi arrancado na hora. Eu era motoboy e peladeiro. De repente, perdi essasduas coisas.

Minha recuperação foi difícil. Demorei muito tempo para voltar a andar, sentia dores, e ainda tive de passar por uma segunda cirurgia para reparar a primeira. Minha situação financeira ficou complicada, mas sou muito querido, e os vizinhos e amigos me ajudaram.

Cerca de três anos após o acidente, fui convidado para experimentar o vôlei sentado. Eu gostava de futebol, não sabia se ia me adaptar, mas comecei a conseguir bons resultados e vi que era para mim. Hoje, não vivo sem.

Fiz parte da seleção que, no Rio-2007, ganhou o primeiro ouro para o Brasil em Parapanamericanos [é chamado de Giba, como o craque olímpico]. Fui às Paraolimpíadas de Pequim-2008, Londres-2012 e Rio-2016.

Durante a reabilitação, ia ao Hospital das Clínicas todas as segundas. Aproveitava e conversava com pessoas que estavam passando pelo mesmo problema que eu e mostrava como o esporte tinha me ajudado. Levei seis delas para o meu time.

Voltei a dirigir, mas ainda tenho medo. O trânsito em São Paulo está bem pior do que na época em que eu era motoboy. Falta educação, tem acidentes o tempo todo. Se fosse hoje, escolheria outra profissão. Não teria coragem.