Multas por uso do celular: falta conscientização por parte de quem? - Márcia Pontes

08/11/2016 06:48 - Blumenews

São mais de 3 mil flagrantes dos agentes de trânsito da GMT e policiais militares. Com tanta notícia na imprensa atualizando sobre os valores de multas, com tantas postagens em redes sociais de todos os tipos alertando que celular x volante aumenta em 400% o risco de acidentes; com tantos acidentes diários provocados por quem se distrai em ligações ou acessando redes sociais e ainda se insiste em que as campanhas de conscientização com abordagens de agentes deveriam substituir as autuações e multas. Para dizer ao motorista o que ele já sabe e não deixa de fazer de teimoso: se for flagrado será autuado e depois multado. 

É bem difícil de acreditar que os condutores sejam tão ingênuos assim, já que vivem na sociedade digital, com informações na ponta do dedo, bastante um clique na tela dos celulares e aplicativos quando não estão empunhando o volante. Vivemos os novos tempos, as pessoas não são tapadas, mas, sim teimosas. Cabe lembrar que dentre os autuados diariamente por uso do celular ao volante estão profissionais como médicos, advogados, administradores, gestores, funcionários públicos, professores e tantos outros esclarecidos, politizados e bem conscientizados de muita coisa. Se utilizam o celular ao volante não é porque não sabem o que estão fazendo, pelo contrário, é pela certeza da impunidade que assumem conscientemente os riscos. Tudo isso travestido em tentativas de desculpas esfarrapadas. 

Primeiro, determinam as leis de trânsito no país que o agente ao flagrar a infração tem o dever de lavrar o auto sob pena de prevaricação, que nada mais é, que o crime cometido por funcionário público quando, indevidamente, retarda ou deixa de praticar ato de ofício. O guarda de trânsito é agente público com dever de ofício de lavrar os autos de infrações que flagrar. 

Segundo, a conscientização é tal e qual a motivação: assim como ninguém motiva ninguém porque a motivação é pessoal, é intrínseca e vem de dentro de cada um, também o é a conscientização. Não podemos conscientizar ninguém, o que podemos fazer é dar estímulos adequados para que a pessoa se conscientize. 

Terceiro, temos que desfazer essa visão distorcida de campanha de conscientização como sinônimo de agente que flagra a infração e em vez de autuar, de notificar a autoridade de trânsito para que aplique as punições devidas ao infrator, passa um sermãozinho e fica por isso mesmo. Essa não é função de agente de trânsito e nem temos efetivo para tal. Isso também não é campanha educativa e não vai conscientizar ninguém. Não passará de aliviar a barra dos infratores que sabem o que estão fazendo. 

Uma coisa é campanha educativa, é alertar, é avisar, é trabalhar a prevenção dos riscos e das consequências dos acidentes, justamente para que não sejam provocados. Outra coisa é fazer vista grossa e aumentar ainda mais a sensação de impunidade, afinal, o acidente, em quase 100% dos casos é a infração que deu errado. É a infração que, quando flagrada, requer, por previsão e força legal, que o agente cumpra o seu papel. O CTB é a boca do estado falando: se você, condutor, infringir as leis de trânsito, será autuado; o agente é a mão do estado autuando o condutor que foi avisado e, mesmo assim, infringiu. 

Tanto é que o CTB está dividido em três partes: 1) a constituição e organização dos órgãos de trânsito em cada uma de suas esferas para que o condutor saiba quem vai lhe autuar caso desrespeite as leis de segurança e de trânsito;  2) as Normas de Circulação e Conduta, que avisam ao condutor sobre os cuidados que ele deverá ter no trânsito não só ao dirigir; 3) a parte das infrações, em que o condutor que não cumpre com o que deveria cumprir pela segurança de todos é punido depois de avisado. 

Ou seja, o CTB não pega o condutor de surpresa: ele é avisado antes, lá nas primeiras aulas teóricas na autoescola; ele sabe o que é infração, as penalidades e as medidas administrativas a que está sujeito. Campanha educativa é uma coisa; fiscalização é outra bem diferente embora a primeira exista para alertar das consequências da segunda, caso o motorista desrespeite as leis de trânsito.  

Efetivo, falta de recursos e campanhas educativas de trânsito                   

Em junho deste ano os gestores do trânsito na cidade revelaram em reportagens o que não é novidade: o efetivo de agentes está abaixo do recomendado e não dá conta. Dos 130 agentes de trânsito, 114 estavam ativos e apenas 33 tinham condições de sair para atender em momentos mais problemáticos do trânsito. Considerando que não houve concurso público para a contratação de mais agentes, a situação não mudou muito de figura. Agora pensa em 33 agentes para fiscalizar cerca de 4 mil ruas na cidade! 

Mesmo que excluíssemos as ruas sem saída e sem muito tráfego nos bairros ainda sobraria muita rua bem movimentada e com grande fluxo de veículos e pedestres a fiscalizar. 

Talvez o que passe batido à população e contribua para uma visão equivocada é a ideia ou cultura de que só a fiscalização ou o órgão de trânsito resolve tudo. Realmente, faltam campanhas educativas e preventivas na cidade, assim como os recursos não só financeiros para realizá-las. Falta visão de trânsito e segurança em nível de gestão; falta divulgar com regularidade o que se arrecada com multas, o quanto se investe em segurança e o quanto gastamos em atendimentos de acidentes. Hoje, praticamente, fica-se atrás do telefone esperando o acidente ser provocado para ir atender. 

Uma faceta oculta no que diz respeito aos agentes de trânsito continua sem visibilidade para a população: costuma-se lembrar deles e exigir a presença no menor tempo possível quando o próprio veículo está envolvido no acidente; já quando é para fiscalizar, os querem bem longe e o que não vai faltar é a cantilena desgastada de indústria da multa. 

A GMT ainda está longe de ganhar o título de corporação amiga do cidadão, até porque muitos cidadãos os veem com outros olhos. Ainda que possam existir supostos relatos de excessos (e se houver precisam ser devidamente denunciados e investigados) bem como acusações de cara feia e truculência, não se pode extender o comportamento de um ou outro à toda a corporação. O GMT Hilário pode ser o mais conhecido, mas não é o único agente de trânsito educado e gente boa, que ganha a simpatia de pedestres, ciclistas e motoristas. 

No exercício de minha profissão ligada à segurança no trânsito, ainda que de forma autônoma e voluntária, em alguns momentos interajo com os agentes, com os gestores da GMT, o suficiente para constatar até em filmagens que, não importa quão respeitosa ou imparcial seja a abordagem, agentes de trânsito são xingados e até agredidos por alguns tipos de motoristas. 

Eles estão trabalhando em regime de “fazer das tripas coração” para tentar atender todas as ocorrências, se deslocarem aos locais de acidentes, enfrentam alguns trotes que os distanciam ainda mais da situação de atendimento de ocorrências reais e prestam um enorme apoio às demais instituições como PM, Polícia Civil e Bombeiros. Não tem como deslocar agentes para fazer campanha educativa de trânsito nos moldes do sermão em vez de autuar. Até porque os motoristas sabem que usar celular ao volante é proibido, dá multa, e ainda assim assumem os riscos. 

Praia de agente de trânsito é a fiscalização, é a autuação a cada flagrante de infração no trânsito, até porque a infração que não deu certo vira acidente e quem a cometeu precisa de um corretivo, de uma punição. Ou em uma partida de futebol, em vez de apitar e punir as faltas e infrações ao jogo o juiz fica ensinando as regras para os jogadores? O próprio torcedor é o primeiro a gritar pedindo cartão amarelo ou vermelho. 

No que se refere às questões de educação para o trânsito, campanhas educativas e preventivas, o problema vem de cima e ultrapassa a esfera de atuação dos agentes de trânsito, que quando participam das abordagens educativas o fazem em apoio e engajamento. Mas, se flagrarem a infração devem autuar. 

Cabe às coordenadorias de Educação para o Trânsito nas cidades planejarem, organizarem e elaborarem as suas ações. Contarão com o apoio e presença dos agentes, mas não é papel de agente de trânsito “conscientizar” motorista infrator. 

Outras questões que passam batidas e deveriam ser esclarecidas à população: agente de trânsito não multa. Ele autua, ele lavra o auto de infração, ele notifica a autoridade de trânsito na devida esfera das competências (Seterb, Detran, União) sobre a infração cometida pelo motorista. Quem multa é a autoridade de trânsito. 

A equipe de profissionais com formação adequada é que deve trabalhar ações educativas e preventivas de trânsito, inclusive as que alertam para o uso do celular. Ainda que com o apoio dos agentes. Mas, a função deles sempre será a de organizar o trânsito, ajudar a manter a fluidez, atuar em apoio aos atendimentos de acidentes e, claro, autuar. 

Imagine um motorista que estacionou o carro dele bem na entrada da sua garagem, impedindo a sua saída. O que vocês faz? Chama o agente para autuar e dar início à remoção do veículo ou para dar sermão, “conscientizar” o motorista que está te deixando vermelho de raiva e ir embora? 

Não adianta ficar indignado só quando um motorista embriagado tira a vida de inocentes no trânsito e reclamar da impunidade quando, mesmo deixando mortos como saldo, ele é solto para responder em liberdade. Aquele que infringe as leis da segurança no trânsito colocam à todos em risco. 

Conscientização é tomada de consciência, é trazer algo ao consciente, e isso, só quem faz é cada um, facilitado pelos estímulos que recebe. Quem sabe, essa conscientização de que tanto necessitamos e pedimos começasse por nós mesmos, exercendo os nossos deveres para um trânsito humano e seguro, deixando de assumir riscos e não cometendo imprudências, negligências e imperícias. 

Quem sabe, começasse por um trabalho viral em nossas próprias famílias e círculos de relacionamentos, em que um sensibiliza o outro para a conscientização na vida e no trânsito. Facilitaria ainda mais o trabalho das equipes educativas de trânsito e dos agentes. Teria mais efeito e seria ainda mais responsiva. 

Márcia Pontes é educadora de trânsito, escritora e Coordenadora do Movimento Internacional Maio Amarelo em Santa Catarina.