25/04/2016 09:00 - Valor Econômico
DANIELA CHIARETTI
A próxima fronteira de exploração do petróleo no Brasil está no mar e, em parte, em frente à Amazônia. Ao mesmo tempo em que as perspectivas geológicas de exploração são animadoras, no front ambiental a região é considerada muito delicada e com grandes lacunas de conhecimento biológico, oceanográfico e socioeconômico.
Trata-se da chamada margem equatorial, uma faixa no Atlântico estimada em um milhão de quilômetros quadrados, dividida em cinco grandes bacias sedimentares. Vai do delta do Amazonas ao Nordeste, iniciando na fronteira do Amapá com a Guiana Francesa, passando pelo Pará e o delta do Amazonas, e descendo até alcançar o Rio Grande do Norte. A leste e sul da margem equatorial estão os blocos mais antigos, próximos de Sergipe e Alagoas. O que assusta os técnicos ambientais está ao norte: a sensibilidade ambiental é tanto maior se na costa estiver a floresta.
A bacia chamada Foz do Amazonas estende-se ao longo da costa do Amapá e da ilha do Marajó, no Pará. A área próxima à Guiana Francesa é das mais delicadas e o levantamento de dados, em região tão remota, pode ter custos altos. "Aquele litoral é cheio de áreas de manguezal com muitas reentrâncias. No caso de vazamento de petróleo seria grande a dificuldade de contenção e limpeza", diz um especialista que não quer se identificar. Para piorar, como não há histórico de exploração na região, também não há infraestrutura de resposta a possíveis acidentes.
Um parecer preliminar feito por técnicos dos Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), antes da rodada de licitação dos blocos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), em 2013, dizia que ali, um vazamento de petróleo no mar teria dois desafios diferentes. Se ocorresse em blocos próximos ao litoral não só ameaçaria um "ativo ambiental tão relevante", como seria difícil instalar bases de apoio para os planos de emergência. Em alto mar, o derramamento poderia avançar para águas da Guiana Francesa e de outros países. "Essa situação é inédita para o licenciamento federal de petróleo e gás", adverte o texto. "Algumas conjunturas poderão inviabilizar empreendimentos", sugere o parecer.
No caso de um vazamento que ultrapasse a fronteira, será necessário ter cooperação internacional de todos os países atingidos, diz a advogada Maria Alice Doria, especialista em direito ambiental. "Depois, o país que deu causa à contaminação pode ser responsabilizado pela retirada do óleo e remediação das áreas atingidas", lembra.
A bacia Foz do Amazonas tem o tamanho do Rio de Janeiro e é muito sensível. "Em caso de vazamento, a coisa não é trivial. E ali tem problema de correnteza", alerta a professora Alessandra Magrini, da Coppe-UFRJ. "Se acontecer um vazamento e a correnteza levar para a Guiana, podemos ter um problema internacional complicado."
Ela lembra que a portaria interministerial de 2012 entre os ministérios do Meio Ambiente e da Energia estabeleceu que novas bacias devem ter avaliação ambiental de área antes de ser lançados os leilões. "Seria um estudo mais aprofundado das questões ambientais, mas isso não foi feito", diz.
A 11ª rodada de licitações para exploração e produção de petróleo e gás foi promovida pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em 2013. O foco era a margem equatorial brasileira. Uma análise ambiental feita antes da rodada pelo Ibama traçou uma avaliação prévia dos impactos.
Os blocos na Foz do Amazonas envolvem águas rasas (50 metros de profundidade) e profundas (mais de 3 mil metros). A distância mínima do litoral é de 60 km. "A área tem importância ecológica e baixa ocorrência de processos antrópicos", diz o parecer do Ibama, lembrando que as maiores áreas de manguezais da costa brasileira estão no Amapá. A estimativa é que 2/3 dos peixes e frutos do mar se reproduzam e se alimentem em manguezais. O estuário do Amazonas forma um ambiente aquático complexo com alta produtividade biológica, diz o texto. Na plataforma continental há recifes.
O parecer do Ibama recomenda que se estude muito mais a região, dada a sua relevância ambiental, para avaliar adequadamente os potenciais impactos da exploração de petróleo no mar. As marés e a complexidade dos ciclos hidrológicos dos rios da bacia amazônica têm que ser muito estudadas, adverte o órgão ambiental.
"A margem equatorial está associada à quebra do Gondwuana", diz o engenheiro Alexandre Szklo, referindo-se ao fenômeno geológico que teria separado a África da América do Sul. Pelo lado africano há uma descoberta importante, que é o campo de Jubileu, em Gana. "Jubileu é um campo de boa quantidade de recursos, petróleo de excepcional qualidade", diz Skzlo, professor da área de tecnologia do petróleo da Coppe-UFRJ.
Na região que seria de conexão das placas geológicas, na altura da Guiana Francesa, descobriu-se em 2011 o campo de Zaedyus, a 150 km da capital, Caiena. "Os dois campos têm características geológicas semelhantes, o que indica que é o mesmo sistema petrolífero", diz Skzlo. "Algumas perspectivas são alvissareiras, existe probabilidade de descoberta", acredita. A estimativa é que na Foz do Amazonas haveria perto de 15 bilhões de barris de petróleo e 30 trilhões de pés cúbicos de gás.
"Há uma perspectiva, mas os custos de exploração são muito altos", continua Skzlo. "As jazidas são distantes de portos e de infraestrutura, a base de resposta da Petrobras não está localizada lá. Tem que se fazer um estudo, em detalhe, da corrente. "São áreas sensíveis ambientalmente que merecem a discussão da sociedade brasileira, quanto a se ter ou não exploração ali."
"A minha opinião é que não deveríamos explorar o delta do Amazonas. Ainda temos muito óleo no pré-sal", diz Szklo. Desde 2013 foram emitidas cinco licenças para atividades de aquisição de dados sísmicos na margem equatorial, sendo uma delas na Foz do Amazonas. Já haviam sido expedidas duas licenças em 2012, sempre para coleta de dados. Audiências públicas aconteceram no Amapá para que a sociedade discuta a exploração de petróleo no Estado.
Para a atividade de perfuração ao longo da margem equatorial, nove empresas (Petrobras, Total, Queiroz Galvão, BP, Premier Oil, ExxonMobil, Chevron, BG e Ouro Preto) possuem processos de licenciamento ambiental em curso no Ibama. São 24 processos. Destes, 11 decorrentes da 11ª rodada da ANP. Algumas empresas formaram um consórcio para caracterização ambiental da região e protocolaram o estudo no Ibama, em 2015. Seria como um capítulo de um estudo de impacto ambiental. O Ibama já pediu complementação.