22/10/2014 08:00 - Zero Hora - Porto Alegre
As reuniões para a construção de um novo trecho de ciclovia,
que ligará a Avenida Ipiranga à Praça da Encol, têm sido marcadas por embates
entre ciclistas, moradores e comerciantes contrários à instalação da via
exclusiva na Rua Santa Cecília. Já foram realizados dois encontros para debater
o tema— o primeiro, em julho — e pouco se avançou. Proprietários de lojas temem
perder clientes que chegam de carro por conta da retirada de estacionamento:
— O que eu vou perder de clientes vocês não imaginam.
Ninguém vai vir de bicicleta — argumenta Luiz Roberto Kapel, proprietário da
loja de móveis Santa Cecília.
O que poucos sabem é que a reação contrária de comerciantes
à instalação de ciclovias não se restringe a Porto Alegre. No entanto, os
números mostram que não há motivo para tanto receio. Dados colhidos em países
onde a implantação das ciclovias está mais avançada vão na direção oposta: mostram
que as vias exclusivas podem, sim, beneficiar o comércio local.
— "Nunca vai funcionar aqui" é uma frase comum a
respeito da implantação de ciclovias por todo o mundo. Isso ocorreu também aqui
em Portland, no Estado de Oregon (que hoje está cotada entre as 10 melhores
cidades para se andar de bike nos Estados Unidos) — conta Elly Blue,
cicloativista e escritora.
No livro Bikeconomics, Elly relata dados pró-ciclovias. Por
exemplo: a Rua Magnolia, em Fort Worth, no Estado do Texas, foi completamente
modificada: duas das quatro pistas para carros, uma em cada sentido, foram
convertidas em ciclovias. Após a mudança, as receitas dos restaurantes
aumentaram 179%.
Já em Nova York, que implanta desde 2007 um ambicioso plano
cicloviário, um dos maiores sucessos em retorno comercial foi na Avenida
Vanderbilt. No terceiro ano de funcionamento, os resultados foram ainda
melhores: o crescimento nas vendas foi de 102% na Vanderbilt, ao passo que na
região, foi de 18%.
Confira estes e outros benefícios das ciclovias em números:
CICLOVIAS = $$$
Os ciclistas também compram
Dados dos EUA, Canadá e
Nova Zelândia
Em Portland no Estado de Oregon, nos Estados Unidos, pessoas
que iam de bike a uma área comercial gastaram 24% mais por mês do que aquelas
que iam de carro.
Em outros países Estudos mostraram a mesma tendência em
Toronto, no Canadá, e em três cidades da Nova Zelândia
Estacionamento
Clientes de bike x
Clientes de carro
Por caber muito mais bicicletas na mesma vaga ocupada por um
carro, o comerciante pode ganhar muito mais convertendo a área de uma vaga para
estacionamentos de bicicletas. Veja um exemplo de Melbourne, na Austrália
1 carro ocupa uma vaga de estacionamento de 13m²
6 bicicletas podem ser estacionadas na mesma área
$ 27 dólares australianos é a receita do comércio
por hora com um motorista
$ 16,20 dólares australianos é a receita do
comércio por hora com um ciclista
$ 97,20 dólares australianos é a receita do
comércio com as seis vagas para ciclistas ocupadas. Isso o comércio ganha com 3
clientes que andam de carro
Exemplos de Nova York
que implanta, desde 2007, um plano cicloviário
Em sete anos, se construiu 587quilômetros de ciclovia.
· 2007-2013
Neste período, as vendas realizadas pelo comércio cresceram
mais nas vias com novas ciclovias não receberam vias exclusivas aos ciclistas.
Em alguns casos, foi um crescimento até
2 vezesmaior do que o aumento verificado em ruas semelhantes sem ciclovia
Exemplo de Fort Worth
Cidade do Texas, nos EUA
Em 2008, a Rua Magnólia foi transformada. Ela tinha duas
pistas em ambos os sentidos, usadas até então basicamente por veículos
motorizados e pouquíssimos ciclistas. Em cada sentido, uma das faixas virou
ciclovia.
· 179%
foi o aumento da receita dos restaurantes ao longo da rua
após a mudança
Exemplo de San Francisco
Na Rua Valencia, que fica em uma área mais plana da cidade
de San Francisco, com ciclovia em ambos os lados da via desde 1999:
44,4%dos
comerciantes sentiram que a área foi revitalizada desde a implantação das
ciclovias
37% perceberam
melhoras nas vendas
55,6% perceberam
um aumento de moradores da região consumindo na área
Nenhum informou
algum efeito negativo
Exemplo de Minneapolis-St
Paul
Região Metropolitana no Estado de Minnesota, Estados Unidos
· A cada 400m
mais próximos a uma ciclovia, o valor de um imóvel
residencial na região metropolitana que Minneapolis e St. Paul aumenta em US$ 510
"Comerciantes
contrários às ciclovias mudam de ideia depois", diz cicloativista dos EUA
Em Portland, que está entre as melhores cidades para andar de
bicicleta, população dizia que bikes não teriam sucesso
A contrariedade de moradores e comerciantes na implantação
de ciclovias não é um sentimento restrito a Porto Alegre. Elly Blue, moradora
de Portland, no Estado de Oregon, nos Estados Unidos, estava acostumada a
escutar essa frase:
— Aqui não é Amsterdam, então não espere muito. Sempre ouvi
isso. Não vai funcionar aqui. É algo que as pessoas adoram dizer.
A percepção desse sentimento e de que ele pode dificultar o
trabalho de instalação das vias exclusivas aos ciclistas a motivaram a escrever
o livro Bikenomics, ainda sem tradução para o português. Em Toronto, no Canadá,
em mais da metade do tempo previsto para a implementação do plano cicloviário
da cidade, foram construídas menos de 20% das ciclovias sobre a pista de
trânsito, em parte, por causa da forte oposição do comércio local.
Ao saber da proposta do vereador João Carlos Nedel (PP) para
que as ciclovias não tirem espaço dos veículos motorizados e da dificuldade nas
últimas duas reuniões sobre implantação de ciclovia na Capital, Elly Blue
afirmou que as reações são similares nos Estados Unidos (confira, abaixo, uma
entrevista com a cicloativista):
– Os comerciantes costumam superestimar quanto de seus
negócios são gerados a partir de pessoas que estacionam perto de suas lojas, e
também como as ciclovias podem aumentar as receitas dos estabelecimentos
comerciais. Geralmente, eles mudam de ideia depois, ao ver os benefícios
econômicos das ciclovias e uso de bikes.
As dificuldades de Porto Alegre são similares, inclusive, às
de Nova York, que promoveu uma revolução no trânsito de 2008 para cá. Em
setembro, o gerente de projetos de mobilidade da EPTC, Antônio Vigna, assistiu
a uma palestra de Janette Sadik-Khan, que chefiou o departamento de trânsito de
Nova York, e ficou abismado em como as dificuldades são parecidas, apesar das
diferenças entre as duas cidades.
– O que me impressionou foram os fatos se repetindo, tudo
muito semelhante, as dificuldades dos técnicos de lá e a reação da implantação
por parte das comunidades – conta o arquiteto da EPTC.
Após ser construído o trecho de ciclovia na Erico Verissimo,
que ligará a Avenida Ipiranga à ciclovia da José do Patrocínio, a EPTC vai
fazer uma nova pesquisa de percepção de comerciantes e moradores. A primeira
foi feita durante a implantação do trecho da José do Patrocínio, para captar a
percepção no momento anterior ao uso. Em Porto Alegre, por enquanto, com todos
os trechos concluídos, a cidade tem menos de 25 quilômetros de ciclovia, de um
total de 497 quilômetros previstos no Plano Diretor Cicloviário.
EPTC cogita deixar de
pintar ciclovias segregadas
– O percurso por automóvel muitas vezes não permite a parada
em algum local que se queira parar. A bicicleta permite isso. Lojas de ruas
deveriam tratar o modal com muito carinho e atenção, pois podem ser as grandes
beneficiadas com a implantação das ciclovias. Em Nova York, o comércio aumentou
em mais de 30%. São números impressionantes – comenta Vigna.
Confira a entrevista com Elly Blue, moradora de Portland, no
Estado de Oregon, Estados Unidos, e autora de Bikenomics:
A contrariedade de comerciantes e moradores muda com o tempo?
Normalmente, sim. Mas se há um embate muito forte isso pode
dificultar o processo de aceitação. O mais fácil seria oferecer maneiras
atraente e proativas de adotar a cultura da bicicleta, como a instalação de
paraciclos.
Comerciantes de algumas vias de Porto Alegre ainda reclamam que as
ciclovias não estão sendo usadas. Isso ocorreu também em outras cidades?
É preciso levantar dados e apresentá-los. Quantas pessoas
andavam nesta via antes da ciclovia? E quantas andam agora? É muito difícil
para as pessoas julgar o trânsito e as mudanças. A nossa visão facilmente
interfere nisso.
Quais são as estatísticas mais convincentes em relação aos
comerciantes?
Quando uma rua tem ciclovias não é só mais seguro como se
torna um ambiente melhor para caminhar e comprar. Há diversos exemplos em que
no primeiro ano, as receitas dos estabelecimentos comerciais aumentou em, pelo
menos, o dobro.
Quais são os argumentos mais convincentes para os moradores de uma
região?
Quando se instala uma ciclovia em uma rua, se cria mais
segurança aos pedestres, aos motoristas e aos ciclistas. Isso ocorre porque os
motoristas andam em uma velocidade que oferece maior segurança e ficam mais
atentos.
Quais são os principais argumentos contra a implantação de ciclovias?
Muitos falam de áreas com relevo e clima como fatores que
impediriam o uso de bicicletas, mas isso não é verdade. Uma das melhores
cidades para se andar de bicicleta nos Estados Unidos é Minneapolis, que é bem
fria e tem gelo no inverno, e as pessoas andam de bicicleta. San Francisco e
Pittsburgh têm muito relevo e, apesar disso, há muitos ciclistas lá. Houston,
no Estado do Texas, está crescendo como uma cidade propícia para as bikes, e
tem verões bem quentes.