O futuro do Proconve - Fabio Feldman

20/03/2018 09:11 - Valor Econômico

Estudos recentes publicados por importantes agências das Nações Unidas, tais como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ONU Ambiente e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), bem como revistas de prestígio como "The Lancet" demonstram, inequivocamente, os impactos da poluição do ar sobre a saúde da população. Segundo esta revista, 9 milhões de pessoas morreram no mundo em 2015 devido à poluição ambiental, sendo a poluição do ar responsável por 6,5 milhões dessas mortes. No Brasil, por sua vez, a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) tem realizado pesquisas sistemáticas que mostram a diminuição da expectativa de vida dos cidadãos expostos à poluição do ar.

A Assembleia Geral das Nações Unidas, por consequência, ao aprovar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2015, colocou como meta a ser atingida pelos países até 2030 a redução substancial do número de mortes e doenças decorrentes das várias modalidades de poluição, dentre elas a do ar. E o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em seu próximo relatório, está colocando as cidades como protagonistas importantes do combate ao aquecimento global e a urgência em medidas de adaptação.

Dentre os grupos mais vulneráveis à poluição do ar estão as crianças, os idosos e as mulheres grávidas, exigindo medidas concretas das autoridades governamentais responsáveis pela saúde. Ou seja, a matéria deve merecer atenção de todo o poder público e não apenas da área ambiental, envolvendo vários ministérios como o da Saúde, o das Cidades e até mesmo o de Minas e Energia e o da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Rota 2030).

No Brasil, o controle da poluição veicular foi regulado pelo Conama em maio de 1986, por meio da instituição do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve). Este foi reforçado, posteriormente, por uma lei federal específica sobre a matéria e idealizado pelos brilhantes técnicos da Cetesb, Alfred Szwarc e Gabriel Murgel Branco. A partir de então, as montadoras foram obrigadas a cumprir determinados padrões de emissão em relação aos veículos novos e a oferta de combustíveis também se sujeitou a atender metas ambientais.

Do ponto de vista de resultados, o Proconve representou um grande avanço em termos de diminuição da poluição do ar nos grandes centros urbanos, sendo que no Brasil a grande lacuna, até o momento, diz respeito à não implantação de programas de inspeção veicular e manutenção, que conscientizam e envolvem a população neste processo, prevenindo o aumento das emissões resultante do desgaste dos veículos. Isto é, os veículos podem ter motores e combustível projetados para um bom desempenho ambiental, mas se não forem submetidos a inspeção regular, o controle da poluição pode perder eficácia significativa. Infelizmente, governadores e prefeitos se recusam a adotar programas de inspeção e manutenção, o que, certamente, obrigará o governo federal a assumir protagonismo nesta matéria.

Em 2009, o Proconve foi judicializado pela criminosa omissão da Petrobras, que se recusou, à época, a cumprir a Resolução nº 315/2002 do Conama. É importante salientar que o seu representante nos debates era, nada mais nada menos, do que Paulo Roberto Costa (Folha de S. Paulo, 19/02/2010).

Da judicialização decorreu um acordo judicial, envolvendo os principais atores engajados nesta matéria, com significativos avanços em termos de antecipação de etapas e financiamento por parte da Anfavea a laboratórios específicos.

Nas últimas semanas iniciou-se uma discussão sobre as futuras etapas do Proconve, envolvendo notadamente o Ibama e a Cetesb. O primeiro, como responsável legal pela proposição das novas etapas e a Cetesb na condição de assistente técnico, por força de um convênio, com a referida agência federal. Até aqui, infelizmente, o que assistimos foi uma proposta tímida por parte do Ibama, formulada com pouca transparência e pactuada, unicamente, com as montadoras de veículos.

Ou seja, no momento em que a indústria mundial de veículos está sob justificadas críticas da sociedade em função das fraudes praticadas pela Volkswagen no escândalo do "dieselgate" e por outras grandes montadoras ora sob investigação, a diretoria de qualidade ambiental do Ibama tolera que os automóveis brasileiros, em tese, possam, pelos próximos dez anos, poluir várias vezes mais do que seus similares americanos. E esquecem, inclusive, que a Fiat, pioneiramente no Brasil, praticou uma grande fraude nos testes de seus motores na década de 90.

Em boa hora a presidente do Ibama, Suely Araújo, determinou uma corajosa realização de consulta pública sobre o assunto, encerrada no início de novembro passado, cuja "consolidação de sugestões" foi publicada tão somente em fevereiro deste ano. Sem qualquer comentário sobre a aceitação ou não das propostas, a área técnica do Ibama mantém a matéria envolta em um mistério no mínimo estranho. A Cetesb, por sua vez, se omite em manifestar com veemência suas críticas às propostas do Ibama, esquecendo que quem financia suas atividades, majoritariamente, é o contribuinte paulista, que sofre os efeitos danosos da poluição.

Não há como negar que uma matéria dessa complexidade e importância merece ser tratada com absoluta transparência para evitar influências nefastas de interesses econômicos e corporativos. Em um período de globalização como o que vivemos, não faz sentido colocar no mercado bens defasados tecnologicamente e com potenciais impactos negativos à saúde da população.

Há que se cobrar das montadoras, de um lado, coerência com seus compromissos com a sustentabilidade, sob risco de que as mesmas possam ser processadas por publicidade enganosa. Por outro lado, as autoridades ambientais, sejam elas nacionais ou estaduais, devem efetivamente acompanhar os padrões praticados internacionalmente, modernizando os métodos de controle e salvaguardando, com isso, a saúde da população e uma boa qualidade do meio ambiente. O Proconve tem sido reconhecido como um dos principais programas públicos de saúde e não podemos esquecer que o cidadão dos grandes centros urbanos não tem escolha em relação ao ar que respira.

Fabio Feldman foi deputado constituinte e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo