O que candidatos de 5 grandes capitais propõem para a mobilidade

26/09/2016 07:05 - Nexo Jornal

A mobilidade urbana torna-se cada vez mais foco os debates políticos na corrida pelas prefeituras. Não apenas pelo fato de deslocamentos terem um impacto imediato no dia a dia dos cidadãos, mas também por, nos últimos anos, uma nova mentalidade em relação à ocupação da cidade ter emergido e pressionado políticos a renovarem a forma de abordar a questão.

No geral, o tema ocupa maior espaço no debate em São Paulo, sendo coadjuvante ou menos aprofundado nas demais cidades em que emerge - onde questões como segurança e educação adquirem mais repercussão. Na maior metrópole da América do Sul, o foco se volta para a redução da velocidade das marginais - medida impopular implementada pelo atual prefeito, Fernando Haddad (PT).

Nas outras capitais, têm início discussões que ocuparam o noticiário paulistano anteriormente, como a regulamentação do Uber e a implementação de uma rede cicloviária. Propostas para a redução das tarifas do transporte coletivo e implantação de BRTs (Bus Rapid Transit) também são uma constante.

O Nexo falou com arquitetos, urbanistas, cientistas políticos e jornalistas de Porto Alegre, São Paulo, Salvador, Goiânia e Manaus. São as cinco maiores capitais por região do país - no Centro-Oeste, Brasília foi excluída da conta pois lá não há eleição para prefeito. Veja o que eles disseram:

Porto Alegre

Na capital gaúcha, onde o tema da segurança públicaparece dominar, a questão da mobilidade urbana tem sido debatida de forma superficial, diz o urbanista Emilio Merino, consultor na área de transporte urbano.

Segundo ele, os planos de governo dos candidatos não foram bem difundidos e os debates políticos ainda não aconteceram nos principais veículos de comunicação, o que dificulta ainda mais o acesso às propostas feitas. “São coisas muito genéricas, tais como melhora do transporte coletivo, implementar espaços públicos, melhorias para o pedestre etc. Isso não me diz nada”, argumenta.

INTENÇÕES DE VOTO EM PORTO ALEGRE

29% - Sebastião Melo (PMDB)

17% - Nelson Marchezan Júnior (PSDB)

17% - Raul Pont (PT)

12% - Luciana Genro (PSOL)

Fonte: Ibope 23/09/2016

Por ser uma cidade com mais de 100 mil habitantes, Porto Alegre teve de elaborar, há três anos, um Plano Municipal de Habitação. O resultado, porém, na avaliação do vereador Marcelo Sgarbossa (PT), que compôs a frente parlamentar formada para debater o plano, foi uma “carta de intenções”, que está sendo agora negligenciada pelos candidatos.

“Quando você fala de mobilidade, não adianta falar só sobre a questão específica do transporte. Ela envolve um conceito de cidade e uma série de outros elementos, como política de incentivo para pessoas morarem perto de local de trabalho e da escola dos filhos, flexibilização dos horários de trabalho, política de adensamento.” - Marcelo Sgarbossa/Vereador de Porto Alegre, ao Nexo

Na avaliação de Merino, as propostas do PMDB e PSDB se aproximam por darem mais ênfase na tecnologia, valorizando a implementação de câmeras nos ônibus e sistemas de GPS. Já PT e PSOL demonstram uma preocupação maior com a criação de um sistema de planejamento e gestão pública, embora ainda não de forma suficiente.

“Tudo isso são implementações tecnológicas que seriam muito bem-vindas, mas o problema é de onde vai sair esse dinheiro que não consta nas licitações. Empresários não vão aceitar a não ser que haja aumento de tarifa.” Emilio Merino/Urbanista, ao Nexo

Atual vice-prefeito e líder nas pesquisas de intenção de voto, Sebastião Melo (PMDB) destaca temas fundamentais, como a realização da primeira licitação no transporte coletivo da cidade, os serviços do catamarã no transporte fluvial e a ampliação de lotações para Restinga, bairro na zona sul de Porto Alegre. Ele define como desafios na nova gestão a interligação do sistema de transportes municipais com a região metropolitana e a operação dos BRTs.

As obras de mobilidade urbana para a Copa do Mundo de 2014 foram uma das marcas da atual gestão. Parte do projeto inicial, porém, ainda não foi concluído, passados dois anos desde o campeonato. O atraso é o principal alvo de críticas de adversários.  

"Aproveitamos o ‘bum’ da Copa do Mundo para dizer o seguinte: como fazer obras que estão atrasadas 40 anos? E foi o que fizemos. Sei que tem críticas, mas eu prefiro ser criticado por ter obra do que por não ter." Sebastião Melo (PMDB)/Vice-prefeito de Porto Alegre, ao G1

Luciana Genro, candidata pelo PSOL que liderou o início da campanha, caindo para quarto lugar posteriormente,  destacou o transporte hidroviário e cicloviário em seu programa resumido, chamado “50 medidas para mudar Porto Alegre”. Ele promete investir em fiscalização de trânsito e segurança urbana, além de reavaliar as licitações de transporte coletivo, congelar o valor da tarifa e fiscalizar os horários do transporte.

Para Merino, um dos principais gargalos do sistema de transporte da cidade e ignorado pelos candidatos é a integração metropolitana. Ele defende a criação de um órgão gestor centralizado para coordenação do transporte entre Porto Alegre e as cidades conurbadas. “Nenhum prefeito conseguiu esse tipo de coisa porque depende de uma vontade política. Ninguém quer deixar o poder para uma única autoridade.”

São Paulo

Candidatos da maior cidade do país parecem não ter lido os próprios programas de governo. É a avaliação que faz a redeMobilidade Ativa, que desde o começo do ano monitora as promessas dos candidatos à prefeitura de São Paulo.

A partir de comparações entre os planos e os discursos feitos ao longo da corrida eleitoral, a rede analisa que, em propagandas eleitorais, os candidatos mostram perfis diferentes daquele exposto no programa de governo.

INTENÇÕES DE VOTO EM SÃO PAULO

25% - João Doria (PSDB)

22% - Celso Russomanno (PRB)

20% - Marta Suplicy (PMDB)

10% - Fernando Haddad (PT)

5% - Luiza Erundia (PSOL)

Fonte: Datafolha 22/09/2016

Segundo a jornalista Ana Carolina Nunes, uma das coordenadoras do projeto, candidatos como Doria, Russomanno e Marta se contradizem ao escreverem sobre “priorização de pedestres” e, posteriormente, defenderem o aumento da velocidade dos automóveis.

“Não dá pra dizer que vai dar prioridade ao pedestre e ciclista se você vai aumentar velocidade. Tem o bloco do retrocesso e outro bloco que tem visão mais coerente com nossa agenda, mas não estão trazendo proposta explícita.” - Ana Carolina Nunes/ Jornalista e coordenadora do Mobilidade Ativa

Segundo a “Folha de São Paulo”, todos “reciclaram” em suas campanhas projetos antigos que nunca foram para frente.

A principal polêmica gira em torno da redução da velocidade máxima de circulação de veículos nas marginais. A medida, aplicada por Haddad durante sua gestão na prefeitura, é associada à redução significativa de acidentes de trânsito e aumento da velocidade média nessas vias. No entanto, causou grande insatisfação entre motoristas contrariados com a limitação. Russomanno, Doria e Marta prometem revertê-la. Haddad e Erundina prometem mantê-la.

Entre as pautas recicladas, está a expansão e modernização dos terminais de ônibus - com painéis eletrônicos com informações, por exemplo, como promete Haddad. A criação de mais corredores de ônibus aparece no programa de todos eles.

O único candidato contrário ao Uber, regulamentado durante a gestão Haddad, é Russomanno. Marta pretende rever taxas cobradas dos taxistas para igualar suas condições com as dos motoristas do Uber.

Goiânia

Goiânia é uma cidade que tem um número expressivo de automóveis por habitantes. Em 2015, havia 1,24 milhão de automóveis registrados, o que corresponde a 1,23 habitante por veículo.

O fato é destacado pelo cientista político Robert Bonifácio para concluir: há um grande problema de transporte na capital de Goiás. A passagem de ônibus, por exemplo, custa R$ 3,70, o mesmo valor de São Paulo. “Temos um transporte caro e ineficiente”, diz Bonifácio.

Por esse motivo, a mobilidade urbana é um tema premente no debate político local, embora, aos moldes das demais cidades, é feito de forma insuficiente.

INTENÇÕES DE VOTO EM GOIÂNIA

35,7% - Iris Rezende (PMDB)

27,1% - Vanderlan Cardoso (PSB)

11,7% - Delegado Waldir (PR)

7% - Adriana Accorsi (PT)

3,4% - Francisco Júnior (PSD)

1% - Djalma Araújo (DEM)

0,1% - Flávio Sofiati (PSOL)

Fonte: Instituto Paraná 23/09/2016

Consenso nos debates são as promessas de aumentar a frota de ônibus e rever contratos, embora ninguém especifique que pontos do contrato precisam ser revistos.

A finalização da construção de um BRT na cidade e da rede de ciclovias são as principais promessas feitas pelos candidatos, em especial pelo candidato do PMDB e líder das pesquisas de intenções de voto, Iris Rezende. Seu programa de governo não detalha, porém, de que forma e em que locais essa ampliação será feita.

A discussão sobre as ciclovias também aparece pouco explorada. Atualmente, na cidade, elas funcionam apenas aos finais de semana, sendo ocupadas por carros em dias úteis. “Durante a semana os carros estacionam ali. Que tipo de uso queremos dar para as bicicletas? Um veículo de passeio de final de semana ou um modelo alternativo de transporte? A administração pública é meio dúbia com isso. Não é uma lógica voltada para um modelo alternativo de transporte”, critica Bonifácio.

Ele destaca o programa do candidato do PSOL, Flávio Sofiati, que apresenta apenas 0,1% das intenções de voto e as propostas mais radicais para o transporte público na cidade. Sofiati promete romper unilateralmente contratos com empresas, implementar o passe livre e a tarifa zero. “Até que ponto isso é possível? Precisa ver o custo político disso, pois implica perder um montante de dinheiro. Isso é viável politicamente?”, questiona o cientista.

Para ele, um aspectos importante da mobilidade urbana goiana que está sendo ignorado é o uso dos recursos obtidos com as taxas cobradas sobre o direito de construir - em algumas cidades, obrigatoriamente utilizada no transporte. “Seria importante que esse recurso fosse canalizado para um fundo específico que priorize o transporte público.”

Salvador

Maior cidade do Nordeste e terceira maior do Brasil, Salvador é apontada como uma das capitais mais congestionadas do país, inclusive à frente de São Paulo, segundo uma matéria do jornal baiano “A Tarde”.

Isso porque, como outras pelo mundo, foi historicamente desenhada em torno da mobilidade por carro: a última estação da Linha 1 do metrô só foi entregue em 2015.

O transporte coletivo é considerado ineficiente pela população soteropolitana e mesmo pelo secretário deMobilidade Urbana Fábio Mota. Com relação à mobilidade a pé, a cidade conta com calçadas precárias e tempo de semáforos que não favorecem o pedestre, mesmo commuitos soteropolitanos se deslocando dessa forma.

Apesar de as mortes por acidentes de trânsito estarem em declínio na capital da Bahia, seguindo a tendência das cidades brasileiras, a velocidade máxima permitida nas vias expressas ainda é uma das mais altas do país, chegando a 70 e 80 hm/h. As altas velocidades praticadas nessas vias têm relação com a mortalidade em acidentes de trânsito, ainda alta.

Em 2016, as tarifas de metrô e ônibus sofreram reajuste de 10% - de R$ 3,00 para R$ 3,30 - mas a de ônibus havia chegado a R$ 3,60 no mandato de João Henrique Carneiro (PMDB/PP), prefeito da cidade entre 2006 e 2012. Ainda assim, “é uma das passagens mais caras do país, principalmente em relação à renda per capita do soteropolitano, que é baixa” diz Pablo Vieira Florentino, professor do Instituto Federal da Bahia e participante do coletivo Mobicidade Salvador.

O acesso ao transporte público melhorou com a implantação do Bilhete Único e a integração entre metrô e ônibus, feita em junho de 2016.

A gestão do prefeito ACM Neto também trouxe asbicicletas compartilhadas, presentes em outras cidades brasileiras, e aumentou a quilometragem de ciclovias e ciclofaixas.

INTENÇÕES DE VOTO EM SALVADOR

69% - ACM Neto (DEM)

12% - Alice Portugal (PCdoB)

7% - Pastor Sargento Isidório (PDT)

Fonte: Ipobe de 19/09/2016

O candidato à reeleição ACM Neto parece estar com o segundo mandato garantido. Suas principais propostas sobre mobilidade tratam de BRT, ciclovias e sistema viário como um todo.

Segundo o candidato, um projeto para o BRT Lapa Iguatemi será licitado ainda este ano e ligará os dois pontos de maior fluxo de passageiros da cidade.

Pablo Florentino, professor do IFBA e integrande do Mobicidade Salvador, critica o projeto.

Além de o quilômetro sair caro, em R$ 800 milhões de investimento por 8,6 km de BRT, para Florentino o projeto vai na contramão da tendência urbana mundial de acabar com os viadutos, pois é neles que se apoia. Ele argumenta que a construção de um complexo como esse tende a piorar os alagamentos, já severos, de Salvador e pontua que seria melhor investir na ampliação do metrô.

O candidato à reeleição promete construir ciclovias e ciclofaixas que penetrem o tecido urbano da cidade, servindo aos bairros mais populosos.

Para o professor Florentino, o mais importante nesse momento é o compromisso com uma quilometragem determinada de ciclovia construída e o estabelecimento de um plano cicloviário. “As ciclovias e ciclofaixas são focando sempre no aspecto turístico, baseado na orla”, diz, o que dificulta o uso da bicicleta como meio de transporte do soteropolitano.

Apesar dos avanços, a proporção dos recursos públicos usados nas vias pensadas para carros ainda expressa a prioridade no plano de mobilidade de Salvador.

A integração também pode ser melhorada. Há linhas de ônibus que, mesmo cortando proximidades de estações de metrô, ainda não permitem integração, o que é uma das pautas de ACM Neto.

O programa da candidata Alice Portugal para mobilidade fala em construção participativa do plano de mobilidade, faixas exclusivas de ônibus e mudança na política de reajuste das tarifas, com desenvolvimento de estudos para implantação da Tarifa Social Zero, que trata da gratuidade do transporte para uma parcela da população, selecionada por ter baixa renda.

Manaus

Manaus é uma cidade de 2 milhões de habitantes e carente em transporte público, como explica o geólogo Geraldo Alves de Souza. Predominam na cidade ônibus articulados e corredores mal-estruturados.

O governo atual de Artur Neto (PSDB), candidato à reeleição, legalizou parte dos mototaxis, veículo popular na cidade. As opções de médio porte, porém, são negligenciadas pelos programas de governo no geral, assim como foram pelas gestões anteriores. Neto também implementou as chamadas “faixas azuis”, dedicadas a ônibus, mas que não funcionam de forma coordenada.

“Você tem ônibus andando no trecho exclusivo e outros no resto da via que sobrou em trânsito misto. A melhoria que conseguimos proporcionar aos usuários acaba retardando a viagem de quem está no transporte coletivo”, diz o geólogo.

“Penso que precisamos investir em sistema sobre trilho, talvez um veículo leve. Pegar terreno baldio ou margem de igarapé para sustentar parte das vias. a resposta de um sistema sobre trilho seria melhor que BRT.” - Geraldo Alves de Souza/Geólogo, ao Nexo

INTENÇÃO DE VOTOS EM MANAUS

42% - Artur Neto (PSDB)

20% - Marcelo Ramos (PR)

10% - Serafim Corrêa (PSB)

6% - José Ricardo (PT)

Fonte: Ibope 23/09/2016

Segundo Alves, em nenhum dos mandatos recentes foi feito investimento em transporte de média capacidade, como BRTs, dada as limitações do sistema viário, demasiado estreito.

O geólogo critica o fato de a cidade ter perdido a oportunidade de realizar investimentos no transporte urbano durante a preparação para a Copa do Mundo. Os projetos que surgiram à época, além de não terem sido efetivados, seriam contraproducentes. “O Governo do Estado propôs a construção de um monotrilho, mas temos uma demanda muito baixa para isso. Não precisamos construir uma segunda camada de circulação, considerando os custos. A cidade perdeu a oportunidade de investir em transporte coletivo”, diz.

Ele destaca como principal gargalo no trânsito da cidade, ignorado pelos políticos, a ausência de um transporte que ligue os bairros residenciais na zona leste e norte ao polo industrial de Manaus, para onde se deslocam mais de 100 mil trabalhadores diariamente - atualmente, por ônibus fretado que circulam em trânsito misto.