O reconhecimento dos biocombustíveis - Plinio Nastari

16/03/2017 08:25 - Valor Econômico

Na área de energia, o Brasil está diante de uma oportunidade, e aproveitá-la requer competência, espírito público, bom senso e diálogo. Durante o governo militar houve a construção de uma infraestrutura que não existia. Com a abertura política veio a gradual liberação de instrumentos de intervenção.

No entanto, na área de energia foi mantido um regime baseado em monopólio, ou condições de mercado com baixo grau de concorrência. Este modelo vigorou até recentemente e se mostrou pior quando associado a voluntarismo. Há neste momento um visível esforço de distanciamento na direção do reconhecimento do papel que agentes privados podem desempenhar, visando em última análise a atração dos investimentos requeridos para que o país volte a crescer.

Energia é a base do desenvolvimento econômico. Sem energia não se desenvolve a produção, não é criado bem-estar. Mas não basta gerar energia em quantidade, ela precisa ser gerada de forma eficiente, disponibilizada de forma acessível, regular e confiável, e ter custo baixo para não onerar consumidores e os diferentes elos da cadeia produtiva.

Se for gerada com baixo impacto ambiental, gerar emprego e renda local, melhor ainda, mas isso nem sempre é reconhecido por falhas de mercado. A regulação pode ajudar a tornar essas vantagens visíveis. Esse é o caso dos biocombustíveis, que até hoje não foram reconhecidos por sua capacidade de promover descarbonização e desenvolvimento econômico.

A biomassa moderna, e os biocombustíveis em particular, se distinguem de outros renováveis pela capacidade de eficientemente armazenar e distribuir energia solar. Mais do que isso, representam uma forma eficiente e barata de distribuir hidrogênio.

Levando em conta a eficiência energética no seu uso e a emissão de carbono equivalente em todo o ciclo de vida, a combinação do etanol de cana com motorização da frota já nos coloca em condição de competição com as ambiciosas metas europeias de controle de emissão até 2030. O etanol é considerado opção superior à eletrificação da frota quando considerado o conceito poço-a-roda. O graal será atingido com a utilização da célula a combustível movida a etanol, que é o carro elétrico abastecido com combustível líquido.

Recente pesquisa realizada pela KPMG junto a executivos da indústria automobilística em todo o mundo indica que 62% deles concordam totalmente ou parcialmente que os veículos elétricos a bateria irão fracassar devido a desafios de infraestrutura. De outro lado, 78% deles concordam totalmente ou parcialmente que os veículos movidos a células a combustível representam o real avanço da eletricidade para mobilidade. Algumas montadoras já estão em fase final de desenvolvimento de veículos com células a combustível movidas a etanol. Um protótipo foi trazido ao Brasil no ano passado e levado a Brasília para apresentação a autoridades.

Esta é uma oportunidade, mas também um desafio. É preciso criar as condições para estimular o investimento privado sustentado na produção e na distribuição de biocombustíveis, bioetanol, biodiesel, biogás-biometano e bioquerosene. No caso do etanol, se nada for feito, haverá a perda gradual de seu sistema de distribuição como combustível único, atualmente disponível em mais de 43 mil postos de revenda. Este sistema equivale a uma infraestrutura já instalada de hidrogênio.

Para mitigar esse risco e promover investimento privado, existe a oportunidade de se criar uma regulação que reconheça a capacidade de cada um contribuir para o atingimento da meta de descarbonização, definida no Acordo do Clima. Ao se atingir esse objetivo, será criado um farol que indicará o tamanho do mercado a ser perseguido.

Com o bioetanol e o biodiesel, o Brasil já atingiu uma escala relevante de produção e consumo de biocombustíveis. No Brasil, o etanol representa entre 40% e 45% do consumo total de combustíveis do ciclo Otto, em gasolina equivalente. Este percentual supera em muito o atingido nos Estados Unidos, maior produtor e consumidor mundial de etanol combustível, de 9,9%. No caso do diesel, já estamos praticando a mistura de 8% em todo o diesel fóssil distribuído no país. Pode consolidá-la e expandir nestas e outras frentes.

Mas é preciso criar uma meta crível e executável, com o apoio de instrumentos modernos de precificação e de alocação de risco. Devemos buscar mercados futuros com liquidez e incentivos para que sejam incorporadas novas tecnologias que permitam o seu melhor aproveitamento, e a sua produção em condições cada vez mais econômicas e eficientes, resultando em custos mais baixos para a sociedade.

O atual governo tem pouco tempo para aperfeiçoar o arcabouço legal e institucional nos setores de petróleo, gás, eletricidade e biocombustíveis. O mesmo ocorre na geração distribuída de energia elétrica, que tem um enorme potencial por meio do seu aproveitamento em residências e prédios inteligentes. É preciso criar, de uma vez por todas, uma política de Estado para esse setor. Ao estimular investimentos privados em biocombustíveis, estarão sendo criados empregos, efeito multiplicador na renda, economia com a substituição de importação de derivados de petróleo, e a recuperação da dignidade para um contingente enorme de trabalhadores hoje desempregados. É um desafio considerável, para o qual a sociedade civil e a academia podem oferecer sua contribuição.

Plinio Nastari, doutor em economia, representa a sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética.