O trânsito é uma barra

16/10/2014 06:30 - O Globo

Cinco obras de mobilidade estão mudando o ritmo do trânsito na Barra, cada vez mais lento. Motoristas perdem quase duas horas em deslocamentos dentro do bairro. Em busca de mais qualidade de vida, o jornalista e estudante de arquitetura Fagner Figueira Silva, de 31 anos, resolveu se mudar, em maio deste ano, de Botafogo para a Barra. Mas, cinco meses depois e horas perdidas em congestionamentos, já pensa em voltar para a Zona Sul.

— Moro, trabalho e estudo na Barra. Só que, com as grandes obras em execução, os deslocamentos no bairro se tornaram um problema. Moro na Vila do Pan. Normalmente, gastaria 20 minutos do shopping Downtown até minha casa, mas estou levando uma hora e 40 minutos. Em alguns dias, gasto mais de duas horas. A Avenida das Américas se tornou um grande desafio diário. O tempo que eu levava de Botafogo à Barra estou gastando internamente no bairro.

Fagner não é o único estressado pelos engarrafamentos. A publicitária Bárbara Meirelles é moradora do bairro desde que nasceu. Diante do caos, também pretende migrar para a Zona Sul:

— Da altura do shopping Rio Design, onde moro, até o final da Barra, leva-se mais ou menos uma hora. É muita obra, especialmente do BRT, e muito carro. A Avenida das Américas, sem dúvida, é a pior. Já demorei uma hora para fazer um percurso de dez quilômetros. Ano que vem vou trabalhar em Botafogo e já estou arrumando tudo para ir morar lá.

QUASE 30% A MAIS DE CARROS

Enquanto as obras não ficam prontas, a cada dia o trânsito se torna mais tumultuado. Segundo a CET-Rio, entre 2010 e 2014, houve um aumento de 28,6% no total de carros que trafegam diariamente pelas principais vias da Barra, região que concentra o maior número de veículos por habitante no Rio.

Na Avenida das Américas, no horário do rush, o motorista que segue para a Zona Sul e o Centro anda a uma velocidade média de 34 quilômetros por hora, semelhante à de um ciclista. Quem pega a Avenida Ayrton Senna, na altura do Terminal Alvorada, e segue até o início da Linha Amarela leva meia hora, de acordo com a CET-Rio.

Por causa de tanto transtorno, o engenheiro Rodrigo Dalcin tentou até trocar o carro pela moto, mas não deu certo. Como ele trabalha no Centro, o trânsito continuou sendo um obstáculo. A vontade dele, agora, é voltar a morar definitivamente na Tijuca:

— Em 2006, comprei um apartamento em frente ao Downtown, que quase não consigo usar. Há alguns anos, decidi ir trabalhar de moto e passei a ficar mais tempo no apartamento dos meus pais, na Tijuca. Hoje, saio da Tijuca de manhã, trabalho, volto para a casa dos meus pais, pego a moto, vou para a academia na Barra e retorno para dormir na Tijuca. Dessa forma, ganho pelo menos 45 minutos de manhã e mais de uma hora no fim do dia.

Apesar de as medições da CET- Rio apontarem a Avenida Ministro Ivan Lins como a mais engarrafada do bairro, moradores e especialistas garantem que a Avenida das Américas é a que causa mais transtornos.

— O nosso maior problema é a Avenida das Américas, especialmente no entroncamento com a Avenida Ayrton Senna, em frente ao posto do Detran. Por ali, chegam todos os carros procedentes da Linha Amarela. Já estamos conversando com o Detran para tentar transferir o posto de lugar e ganharmos mais espaço — informou o subprefeito da Barra, Alex Costa.

Para o engenheiro aposentado do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) Paulo Roberto Araújo, que mora na Barra, o que faltou foi planejamento:

— A implantação do BRT tirou uma faixa de rolamento dos carros. O governo federal, por outro lado, também não para de incentivar a compra de carros. A Barra é como uma ilha. As margens dos lagos e canais deveriam ter pistas para as pessoas se deslocarem por dentro do bairro. Deveria haver ainda uma interligação de um lado a outro do Canal do Marapendi.

Segundo o professor de Engenharia Urbana e Ambiental da PUC-Rio Fernando Mac Dowell, pouco mais de dois milhões de viagens com carros particulares são feitas na cidade diariamente, sendo cerca de 600 mil na Barra. Na Avenida Brasil, são feitas 230 mil viagens e, na Ponte Rio-Niterói, 120 mil.

— Na Avenida das Américas, são 154 mil viagens por dia. Outras cem mil na Salvador Allende, cem mil na Abelardo Bueno e cerca de 118 mil na Ayrton Senna. É um volume muito grande. O que a gente percebe é que, quanto maior o poder aquisitivo das pessoas, mais viagens elas fazem de carro. É preciso investir no transporte público, em especial no metrô. O carioca concorda em usar o transporte público, desde que a qualidade melhore.

Já o especialista em planejamento de transporte e professor da Coppe/ UFRJ Ronaldo Balassiano acredita que a Barra sofre os mesmos problemas dos outros bairros da cidade, e que é preciso uma mudança de postura dos cidadãos:

— É claro que as obras causam um transtorno a mais. Quando elas estiverem prontas, o trânsito vai desafogar, mas o problema não estará resolvido. Estamos vivendo um momento de transição, de mudança de filosofia em relação ao transporte público. A cidade tem que ser pensada para as pessoas, ela não comporta essa quantidade toda de veículos. Não estou propondo que não usem os carros; apenas que façam um uso racional. Por outro lado, o transporte público também precisa atrair novos usuários.

EM DEZ ANOS, DOMICÍLIOS DOBRAM

A Barra, que abrigará o Parque Olímpico e a Vila dos Atletas, sediará a maior parte das competições nos Jogos de 2016. Cinco grandes obras de mobilidade estão sendo feitas no bairro: a ampliação das avenidas Embaixador Abelardo Bueno e Salvador Allende; a expansão do BRT Transoeste (trecho entre o Terminal Alvorada e o Jardim Oceânico); a implantação do BRT Transolímpico (Barra-Deodoro); a ampliação do Elevado do Joá; e a construção da Linha 4 do metrô (Barra-Ipanema).

Mas não são apenas as obras que movimentam o bairro. De acordo com o Instituto Pereira Passos (IPP), a Barra tem 300.723 moradores (eram 154.608, em 2000). Entre 2000 e 2010, o número de domicílios pulou de 30.809 para 65.369. Só de janeiro a agosto deste ano, segundo a Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), foram lançadas 6.161 unidades comerciais e residenciais no Rio, 858 delas na Barra.

— A Barra é um local que apresenta terrenos com vazios urbanos. E vai crescer ainda mais, até se tornar um polo de referência. Nos anos de 2005, 2006, observava-se uma concentração de escritórios na Barra. Agora, percebese uma movimentação de empresas interessadas em sair de lá por causa do trânsito. É uma questão de mobilidade — explicou o presidente da Ademi, João Paulo Rio Tinto de Matos.

Para o vice-presidente do Sindicato de Habitação do Rio (Secovi), Leonardo Schneider, mesmo com os problemas de trânsito, a procura pela Barra é constante:

— Dos anos 1970 a 1990, as pessoas saíram do eixo da Zona Sul para buscar na Barra uma maior qualidade de vida, através dos condomínios com grandes estruturas, como clubes. A tendência é que o público que ocupa o bairro se diversifique mais, especialmente com a chegada do metrô, mas a procura vai continuar.