Os espaços das cidades podem mudar a vida dos adolescentes - Claudio Bernardes

10/07/2017 08:10 - Folha de SP

Pesquisadores têm se interessado pelas cidades sob pontos de vista como mobilidade, economia, meio ambiente, metropolização e utilização dos espaços, dentre tantos outros aspectos. Entretanto, a maioria dos estudos não tem considerado, de forma mais efetiva, as influências dos espaços da cidade na vida dos adolescentes.

A questão das atitudes da população mais jovem em relação aos espaços urbanos tem sido ignorada, apesar dos benefícios cognitivos e práticos que podem resultar desse tipo de acompanhamento.

Os espaços urbanos são áreas fortemente conectadas à vida das pessoas, cuja existência e transformação sofrem contínuo processo de percepção e interpretação pela comunidade.

A interpretação e a reinterpretação do espaço acontecem, em sua dimensão material, na aparência e nas mudanças de edifícios, ruas e quadras. Mas as propriedades físicas de um espaço não deixam de estar relacionadas com as intervenções planejadas e espontâneas no espaço e com a abordagem de seus usuários.

Recente estudo desenvolvido pelo time de pesquisadores do King's College, em Londres, entrevistou mais de 2.000 jovens de 18 anos de idade, para identificar possíveis experiências psicóticas apresentadas a partir dos 12 anos.

Foram consideradas experiências psicóticas aquelas relatadas ao menos uma vez pelos adolescentes entrevistados dentro de uma relação de 13 itens, que continha, por exemplo, ouvir vozes não identificadas por outros, acreditar em monitoramento permanente de seus atos (espionagem) ou em envenenamento de alimentos oferecidos a eles.

Os níveis de "urbanidade" foram atribuídos a cada participante por meio de seu código postal. Os fatores sociais de vizinhança, como confiança, apoio e cooperação, e sinais de ameaça, como assaltos, foram medidos por pesquisas feitas com os vizinhos imediatos dos participantes.

As condições de vizinhança mostraram-se intensos fatores de contribuição. Entre os adolescentes que cresceram em bairros mais adversos, 62% relataram experiências psicóticas. A alta taxa de experiências psicóticas foi quase três vezes maior do que a registrada entre os adolescentes que viviam em meio a vizinhanças mais favoráveis.

Segundo o professor Candice Odgers, um dos autores do estudo, em função do crescente número de jovens em todo o mundo que vive em cidades, é necessário melhorar a compreensão da maneira como as características sociais construídas a partir das configurações urbanas podem interferir na saúde mental e no comportamento dos adolescentes.

Os jovens deveriam usar os espaços públicos tanto quanto, ou até mais, crianças e adultos. Muitas vezes, quando são excluídos do processo de concepção desses locais, eles terminam "vagando" em outros espaços.

Pesquisas demonstraram que áreas especialmente projetadas para jovens devem conter, entre outros espaços, oficinas para arte urbana, áreas abrigadas de chuva e calor, rampas de skate, paredes para escalada, palco para performances, instalações para caminhada em corda bamba, acesso à internet, oficinas de música e dança.

Envolver os jovens com os espaços da cidade é importante não só para eles, mas para toda a comunidade. Essa interação pode proporcionar a oportunidade de eles aprenderem habilidades de comunicação, de tomada de decisão e de criação de relacionamentos positivos com os "adultos" da comunidade.

O envolvimento de jovens com a comunidade e com os espaços da cidade faz com que eles desenvolvam um forte sentimento de orgulho e pertencimento aos espaços públicos locais, além de poder influenciar, realmente, os futuros planejadores urbanos e líderes comunitários. 

Claudio Bernardes -  engenheiro civil e atua como empresário imobiliário há mais de 30 anos. É presidente do Conselho Consultivo do Secovi-SP