23/11/2014 07:30 - O Globo
Imagine sair da Estação Ferroviária Dom Pedro II e seguir
para a Zona Sul pelo Viaduto Engenheiro Freyssinet. Ou pegar a Via Expressa
Presidente João Goulart para chegar ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, ou
mesmo a Avenida Carlos Lacerda em direção à Barra da Tijuca. As rotas soam
estranhas? Só que não: todos os caminhos citados existem, mas são popularmente
conhecidos por outros nomes. No Rio, quando se trata de logradouros públicos,
nem sempre o que está escrito é o que vale para os cariocas. O Viaduto
Engenheiro Freyssinet, por exemplo, é o Elevado Paulo de Frontin. A homenagem
ao engenheiro francês, pai do concreto protendido ( tecnologia mais resistente
à tração), definitivamente não pegou.
Também não colou a ideia de uma dupla homenagem numa das
áreas de lazer mais importantes da cidade. Popularmente conhecido como Parque
do Flamengo, o espaço foi oficialmente batizado, no fim dos anos 80, como
Parque Brigadeiro Eduardo Gomes ( no trecho do Aeroporto Santos Dumont ao
Monumento aos Pracinhas) e de Parque Carlos Lacerda (dos Pracinhas até o final,
na Zona Sul).
— Só a prefeitura sabe o nome do Aterro — ironiza o
historiador e urbanista Nireu Cavalcanti, para quem caberia no local uma
homenagem ao paisagista Roberto Burle Marx, que desenhou a área de lazer.
A vereadora Leila do Flamengo ( PMDB) apresentou um projeto
de lei em 1994 para trocar Eduardo Gomes e Carlos Lacerda por Parque do
Flamengo. Agora, ela promete desarquivar a proposta, que não chegou a ser
votada.
Nireu lembra outro caso em que o nome escolhido para o
logradouro ficou restrito aos atos oficiais.
— Colocaram no viaduto da Praia de Botafogo (ao lado do
Mourisco) o nome Carlota Joaquina. Dizem que ela teve um palácio na Praia de
Botafogo, mas a construção era na verdade de dom Pedro I. A chácara da rainha
ficava no Catete — diz Nireu, explicando que o nome surgiu dentro das
comemorações dos 200 anos da chegada da Família Real ao Brasil. — E colocar num
viaduto o nome de uma pessoa em cuja época não havia carro é nonsense.
LACERDA IGNORADO
Ex- governador do antigo estado da Guanabara, o político carioca
Carlos Lacerda, cujo centenário de nascimento foi comemorado este ano, é uma
das figuras mais presentes e também mais controversas da história do Brasil no
século passado. Ele também aparece em placas de ruas e equipamentos públicos.
Mas, assim como poucos reconhecem o Parque Carlos Lacerda (projeto que ele
próprio tocou), quase ninguém sabe que a Linha Amarela, de fato, se chama
Avenida Carlos Lacerda. Para não dizer que se trata de implicância com o
udenista, a Via Expressa Presidente João Goulart, político do campo oposto,
também só é chamada de Linha Vermelha.
— A população não gosta muito de nome de político — opina a
arquiteta Cêça Guimaraens, diretora cultural do Instituto de Arquitetos do
Brasil (IAB-RJ).
Projeto anula homenagem
a Costa e Silva na Rio-Niterói
Em Campo Grande, nome
oficial de viaduto não consta nem mesmo de registros da prefeitura
Quando se trata de homenagens a políticos, o caso mais
clássico é o da Ponte Rio-Niterói. Ou melhor: Ponte Presidente Costa e Silva.
Na Câmara dos Deputados, corre a a proposta do deputado Chico Alencar (PSOL) de
mudança de nome da construção, que passaria a se chamar Betinho, sociólogo que
foi exilado e se engajou no combate à fome após a anistia.
— No caso do Costa e Silva, ele foi o presidente que fez o
AI-5, algo muito forte na sociedade até hoje. O Brasil ficou traumatizado. Mas
acho também que ninguém vai chamar a construção de Ponte Betinho — afirma Cêça.
— Nada mais apropriado do que o nome Rio-Niterói.
E alguém já marcou encontro na Estação Dom Pedro II?
Provavelmente, não. Para os cariocas, a estação é a Central do Brasil (assim
conhecida devido à Estrada de Ferro Central do Brasil). No Aeroporto
Internacional Tom Jobim seria mais viável, embora seja mais comum o popular nome
de Galeão (que continua figurando no letreiro de ônibus e em placas).
VINICIUS DE MORAES "PEGOU”
Há situações na cidade em que é preciso consultar os
registros oficiais para saber qual é o nome que vale no papel. Uma confusão das
mais curiosas tem a ver com o Viaduto dos Cabritos ( ou seria Viaduto
Engenheiro Oscar Brito?), em Campo Grande, sobre a Avenida Brasil. Reza a lenda
que o povo teria simplificado o nome "Viaduto do Oscar Brito” para Viaduto dos
Cabritos. Por outro lado, há relatos de que, no passado, por ali circulavam os
tais animais. Mas, conforme afirmam tanto o Instituto Pereira Passos ( IPP)
quanto o Arquivo Geral da Cidade, um decreto de 1965 denomina o equipamento
como dos Cabritos, e não há qualquer logradouro chamado Engenheiro Oscar Brito.
Seria ele, então, um personagem fictício da cidade? Sendo ou não, foi
imortalizado numa placa ao lado do viaduto, provando que até as autoridades
podem se confundir.
Há histórias também de nomes que, mesmo adotados por vias
oficiais, acabaram dando certo. Uma delas é a da Rua Vinícius de Moraes, até
1980 identificada nas placas como Montenegro. Outro exemplo de sucesso é a
Avenida Ayrton Senna, na Barra da Tijuca, que antes de homenagear o ídolo do
automobilismo era uma insípida Via 11. O Túnel Zuzu Angel, que era Dois Irmãos,
já teve o nome da estilista popularizado. Com o Rebouças também nunca houve
problemas. Já o prefeito Alaor Prata não teve a mesma sorte: ele batiza o túnel
ligando Botafogo a Copacabana que, no dia a dia, é conhecido pelos cariocas
como Túnel Velho.