Para João Scharinger, engenheiro mecânico, ‘em mobilidade, não há cidade pior que o Rio’

25/09/2015 08:03 - O Globo

"Nasci no Rio em 1948. Sou casado e tenho três filhas. Formei-me em engenharia mecânica pela UFRJ e fiz especialização em automóveis no IME. Trabalhei por 25 anos no BNDES, na área de transporte e infraestrutura. Hoje me dedico a registrar a história da indústria automobilística do Brasil”

Conte algo que não sei.

A capacidade, a criatividade e a quantidade de projetos no Brasil são bem maiores do que pensamos. Mais de mil modelos de carros, caminhões, tratores, ônibus, desde que a indústria foi implantada nos anos 1950. Na minha pesquisa, toda hora descubro novidades. No Sul do país temos indústrias pequenas que pegam um chassi, botam motor e caçamba e vendem para pessoas nas fazendas. E o Brasil já teve projetos do nível de uma Ferrari, como o Amoritz.

Imagino que sua lista tenha também projetos birutas.

Citarei o Caçador de Estrelas, de 1967, desses carros de competição feitos só para provas no interior. O inventor fez uma coisa fora do comum: botou a cabine na frente, avançada, e o motor no meio. E o Gurgel Motofour, com janela e para-brisa ovais e direção no centro. Uma coisa totalmente sem sentido.

Quando nasceu tanta paixão pelos automóveis?

Aos seis anos. Meu pai me deu uma revista sobre carros e, desde então, passei acompanhar tudo. Vi nascer a "Quatro Rodas”, com emoção. Recortava as imagens e catalogava. Quando me aposentei, pensei: o que vou fazer com tudo isso?

Aí veio a ideia de um livro...

Sim, a indústria fazia 50 anos. Comecei a organizar a coleção para o livro, mas era coisa demais e acabei montando um site, o Lexicar, sem qualquer caráter comercial, só pelo registro e pelo prazer.

E seu primeiro carro? Deve ter sido uma emoção e tanto.

Tinha 22 anos. Estudava no Fundão e estagiava em Parada de Lucas. Com algumas economias comprei um Renault conhecido como rabo-quente. Logo vendi porque não tinha dinheiro para a manutenção.

O melhor e o pior carros.

O melhor foi um Passat que comprei usado de uma amiga e foi roubado no Flamengo. Com o dinheiro do seguro comprei um Fiat 147, que foi o pior. Antes tive uma Variant que adorava. Depois, parti para uma Brasília com a qual viajei o Brasil inteiro. Quando vou a São Paulo, é sempre de carro.

Não virou colecionador?

Não tenho dinheiro para isso. É preciso cuidar da revisão, levar para feiras e ficar preso a uma rotina. Prefiro gastar dinheiro e tempo com viagens.

O desejo número um do brasileiro ainda é o carro?

Sim. Porque simboliza poder. O mais pobre vê no carro ascensão. O cara de classe média sonha com um Toyota. A propaganda reforça estereótipos. Vi isso quando entrei no BNDES. Eram profissionais de classe média. O carro deles era o Opala. Depois, foi o Monza, depois o Santana e, por fim, o Corola.

Mobilidade urbana é uma preocupação sua?

Sempre fui da área, e defensor do transporte público, embora goste de carro no nível individual. Infelizmente, nesse aspecto, moro aqui: em mobilidade, não há cidade pior que o Rio de Janeiro. Fazer corredor de BRT na Avenida Brasil? Teria que ser trem. Faixas exclusivas com ônibus vazios? Nada disso faz sentido. O Rio tem uma frota descabida. Cadê as portas largas, o câmbio automático, os ônibus mais baixos?

Mas o modelo brasileiro incentiva o uso do carro, não? O carro não tem culpa?

A Alemanha fabrica carro para caramba. O índice por habitante é 1,4. É alto. Só que lá tem transporte público de verdade e restrição ao uso. As pessoas usam carro no fim de semana.