Paulistano já paga pedágio urbano mas não tem vantagens - Leão Serva

30/04/2018 08:11 - Folha de SP

Nas grandes metrópoles do planeta, a humanidade se divide entre quem defende o pedágio urbano e aqueles que vão ter de aceitá-lo. De que lado você está?

Qualquer que seja sua opinião, em São Paulo e outras grandes cidades brasileiras, você já paga a “taxa de congestionamento", como é chamada em Londres, mas seu dinheiro engorda bolsos privados, sem retorno em vantagens públicas.

Estacionamentos de R$ 30, R$ 40, R$ 50 ou mais (ou valets e flanelinhas) são a ponta de um grande iceberg de preços, tão elevados quanto escondidos, que inclui ainda os vultosos gastos com médicos particulares, planos de saúde ou SUS, necessários para dar conta dos males causados pelos engarrafamentos.

A opinião pública normalmente se divide quanto ao tema: quem anda de carro é contra e quem não anda, a favor. Já na administração pública, o corte é outro: os políticos são contra; os técnicos, favoráveis. Em cima do muro ficam alguns eleitos que dizem ser “a favor, mas só quando o transporte público for bom”. Eles são contra, mas querem o voto de quem é a favor.

Desde que comecei a acompanhar o tema, em 2000, todos os secretários de Transportes de São Paulo e todos os presidentes da CET foram favoráveis à medida (alguns não puderam ou não quiseram tornar explícita a opinião).

A frota de carros não para de crescer. Nesse quesito, foi uma sorte vivermos uma crise que, nos últimos anos, reduziu a venda de automóveis. Mas tão logo o PIB para de cair, os viciados correm às concessionárias para saciar a síndrome de abstinência.

As ruas das cidades já não comportam nem mesmo a quantidade de carros existente hoje. Os congestionamentos que param São Paulo todos os dias são provocados por uma minoria de veículos: a grande maioria dos registrados não circula com frequência.

Como não é possível e nem justo proibir que as pessoas comprem automóvel, o único jeito de evitar que engarrafamentos monstruosos se tornem mais frequentes é restringir o número de carros, elevando o custo de circulação. E a forma de fazê-lo é cobrar de quem quer rodar de carro um valor caro o suficiente para que muitos prefiram deixar o carro em casa.

Tecnicamente, há diversas formas de criar essa taxação, que podem ser adotadas de forma exclusiva ou combinada. Um jeito é cobrar de quem parar o carro na área restrita: estacionou, pagou. Outra opção é aumentar vigorosamente o preço dos combustíveis de tal forma que rodar se torne uma opção penosa (hoje, excetuando os custos fixos do carro, o gasto adicional com combustível resulta menor que a tarifa do transporte público, incentivando os mais endinheirados a andar de automóvel).

Mas o jeito mais fácil e efetivo é o pedágio urbano como é cobrado em Londres e algumas outras cidades do mundo: todos os carros têm um identificador e todas as ruas da área central são aparelhadas com sensores que detectam a passagem do veículo e cobram a taxa (via conta de luz, telefone, cartão de crédito etc.). A tecnologia, amplamente disseminada, está presente nos pedágios de todo o Brasil há décadas.

Na capital britânica, as 11 libras diárias (cerca de R$ 50/dia) são combinadas com altos preços de estacionamento, na rua ou em locais privados. A “taxa de congestionamento” foi adotada em 2000, no primeiro ano da administração do prefeito Ken Livingstone (2000-2008), trabalhista de esquerda. Tornou-se uma espécie de unanimidade e já sobreviveu à administração de Boris Johnson (2008-2016), conservador, de direita; e é defendida pelo atual, Sadiq Khan (desde 2016), trabalhista, de centro.

Desde que Livingstone implantou a cobrança, os congestionamentos caíram a níveis suportáveis, o trânsito flui razoavelmente bem. E o mais importante: toda a arrecadação é utilizada em investimentos na ampliação da infraestrutura de transportes públicos. As linhas de metrô, trem, metrô-leve e ônibus crescem como cogumelos após a chuva e sua manutenção melhorou muito.

Com uma visão de longo prazo, típica dos estadistas, o ex-prefeito de Londres inverteu a lógica dos políticos com medo das urnas: o pedágio urbano não veio depois do transporte público de qualidade; ele foi determinante para atingir a excelência. Aqui, a timidez dos homens públicos ajuda a engordar o bolso de empresários que cobram um pedágio sem qualquer contrapartida.

E então? De que lado você está: a favor do pedágio urbano ou vai ter que engolir?

Leão Serva - Ex-secretário de Redação da Folha, é jornalista, escritor e coautor de 'Como Viver em SP sem Carro'.