Pedestre não é prioridade em políticas de trânsito, dizem especialistas

31/05/2017 07:30 - Folha de SP

Os pedestres são as maiores vítimas de acidentes de trânsito. Porém, eles não são vistos como prioridade durante a elaboração de políticas públicas, focadas excessivamente nos motoristas de veículos.

A conclusão é de especialistas que participaram do fórum "Segurança no Trânsito" na manhã desta segunda-feira (29). O debate foi promovido pela Folha em parceria com a Ambev e com a Labet.

Os acidentes de trânsito matam 1,2 milhão de pessoas no mundo por ano, segundo a OMS. Na cidade de São Paulo, o número de mortes por atropelamento nos meses de fevereiro a abril aumentou em 37% em 2017, passando de 86 para 118 mortes.

Para o vereador Police Neto (PSD-SP), as medidas que poderiam ser adotadas pelo poder público são simples e possuem grande potencial de redução de vítimas. Uma delas é melhora da iluminação em locais de travessia nas vias.

"Se olharmos as estatísticas de mortos no trânsito, há 40% mais mortos no pico noturno em comparação com o pico da manhã. É a mesma quantidade de pessoas, de carros, de pedestres. Estatisticamente, deveríamos ter o mesmo número de mortos", concordou Sérgio Ejzenberg, consultor de engenharia de tráfego.

Outro ponto colocado como essencial para a redução do número de vítimas é o aumento do tempo de travessia em semáforos. O vereador citou um estudo feito em 2016 pela USP que apontava que 97,8% dos semáforos na cidade de São Paulo não ofereciam condições de travessia segura para o pedestre.

"Para que serve esse semáforo? Só para que dois carros não colidam?", questionou Neto.

FINANCIAMENTO

O Estatuto do Pedestre, proposta do vereador que visa colocar o pedestre como foco na política de mobilidade urbana, deveria ter sido votado na Câmara de São Paulo no dia 17 de maio. A votação foi adiada devido à falta de quórum.

"Está para ser votado há um ano. Não foi porque toca em uma questão central: financiamento". Ele afirma que, apesar de um terço dos deslocamentos pela cidade ser feito a pé, os investimentos para melhorar calçadas e sinalizações para pedestre representam apenas 1/14 do investimento total no trânsito da cidade de São Paulo.

"Temos um sistema bastante eficaz de sinalização para motoristas, mas o pedestre é invisível", disse.

RESPONSABILIDADE

O deputado federal Hugo Leal (PSB-RJ), autor do projeto da Lei Seca, propõe um sistema de metas de redução de acidentes com previsão de punição para municípios que não as cumprirem.

"Assim como a Lei de Responsabilidade Fiscal pune o político que descumpre o teto de gasto com funcionários, os agentes públicos têm que ser punidos pela falta de medidas para impedir acidentes.", disse.

"É impressionante como convivemos com estradas em que as pessoas falam: aqui é a curva da morte. Sabe-se que o trecho mata pessoas e não se faz absolutamente nada. E não é responsabilidade de ninguém?", disse.

Responsabilizar o motorista causador de acidentes pelo aumento da punição legal foi o ponto defendido por Nilton Gurman, idealizador do movimento "Não foi acidente".

Nilton é tio de Vitor Gurman, morto em um atropelamento na Vila Madalena em 2011.

"O público se identifica e vê essas pessoas como 'bons cidadãos' que cometeram um erro. Naquele dia em que uma pessoa bebeu e andou acima da velocidade, ela cometeu um crime e precisa ser punida. Assim vamos mudar a sociedade e nossos valores", disse. 

Pedestres não são prioridade, mostram mortes no trânsito

Entre fevereiro e abril deste ano, a cidade de São Paulo registrou um aumento de 37% no número de mortes por atropelamento em comparação ao mesmo período de 2016, de acordo com dados do governo paulista.

A falta de segurança para pedestres e ciclistas, na opinião de Letícia Lemos, diretora da associação de ciclistas Ciclocidade, está relacionada ao modelo de mobilidade urbana brasileiro, que segundo ela é centrado no uso do carro.

"Essa promoção tem como chave a fluidez, que vai definir a geometria viária, prioridade nos cruzamentos, locais onde há estacionamento na rua. E essa fluidez é inversamente proporcional à segurança viária", afirma.

Reflexo da prioridade ao carro em detrimento ao pedestre são os investimentos. De acordo com o vereador Police Neto (PSD-SP), que participou na segunda (29) do Fórum Segurança no Trânsito, realizado pela Folha, o sistema de circulação a pé em São Paulo representa um terço de todas as viagens e recebe 1/114 do investimento.

A preferência dos carros é visível para quem anda pela cidade. Na Vila Mariana, zona sul, por exemplo, a reportagem encontrou calçadas tão estreitas que é impossível a travessia de uma única pessoa, mas há espaço para tráfego e estacionamento de veículos na rua.

Em outros bairros, o pedestre precisa compartilhar o espaço com lixo, buracos, postes, jardins e árvores. Em todos esses casos, as pessoas optam por sair da calçada e disputar a rua com os carros.

De acordo com lei municipal, as calçadas de imóveis privados são de responsabilidade dos proprietários, algo criticado pelo arquiteto e urbanista Ciro Pirondi, diretor da Escola da Cidade. "Temos calçadas que são o retrato do atraso da cidade. Elas não podem ser feitas por um particular. Ele vai fazer do interesse dele e não do coletivo", diz.

Atualmente, a fiscalização cabe às prefeituras regionais. A multa para passeio inexistente ou em mau estado de conservação, por exemplo, é de R$ 427,07 por metro quadrado linear.

RESTRIÇÃO A CARROS
Outra proposta de Pirondi para aumentar a segurança de pedestres é a de proibir o estacionamento de carros em ruas de grande fluxo de pessoas —o espaço seria usado para alargar as calçadas. "O automóvel não para. Só passa. Isso poderia ser feito em toda a região central de São Paulo. Quem quer ir com seu carrinho para o centro paga caro. Se não, vai de metrô".

"É o que se faz na prática em todas as cidades que visam a mobilidade urbana. Reduzir o tamanho das ruas para os veículos individuais e ampliar a via para pedestre e as faixas de transporte público", diz o especialista em mobilidade urbana Luiz Mello Filho, do Mackenzie.

A Prefeitura de São Paulo diz que vai implantar até o fim do semestre um programa voltado aos pedestres para intensificar a fiscalização nos principais cruzamentos da cidade. Também estuda aumentar em até 20% o tempo de travessia dos semáforos nas principais vias.

Para Mello Filho, ações como essas são importantes, mas é necessário que sejam integradas e adaptadas para cada rua. "Se for feita uma análise de risco nos locais onde houve acidente, a tendência é reduzir rapidamente o número de conflitos entre ciclistas, pedestres e veículos automotores", diz ele, que defende também uma separação clara do espaço de quem anda, pedala ou dirige.

Editoria de Arte/Folhapress