10/03/2015 08:25 - Estado de Minas
É preciso fôlego, coragem e boa sorte para vencer a pé os
limites entre Belo Horizonte e Nova Lima, na região metropolitana. O traçado de
asfalto em ponto dos mais nobres dos dois municípios – entre os bairros
Belvedere e Vila da Serra – é desafio diário para centenas de pedestres que se
arriscam na Via Stael Mary Bicalho Motta Magalhães. Não há passeio, faixa de
segurança ou qualquer outro cuidado aparente com quem não está motorizado. O
Estado de Minas esteve no trecho e flagrou cenas seguidas de risco iminente de
atropelamento. Para os cidadãos, passantes do lugar, um total desrespeito à
vida.
O caminho perigoso é o trajeto mais curto para muitos dos
trabalhadores do Bairro Vila da Serra, que dependem das linhas de ônibus com
ponto de embarque e desembarque no BH Shopping. Caso de Valéria Cássia da
Silva, de 43 anos, moradora do Nova Suíça, na capital. Há dois anos e meio a
analista se vê obrigada a "caminhar entre os carros” para ir e voltar do
trabalho em Nova Lima. "Temos que contar com a boa vontade e com o bom senso
dos motoristas, que passam colados na gente. Não tem faixa de segurança,
calçada… não tem nada”, critica.
O passeio estreito, que vem de Nova Lima, termina do nada,
ao avançar em Belo Horizonte, sob elevado de trilhos de linha férrea
desativada. No asfalto, sem acostamento, mal cabe uma pessoa entre a faixa de
sinalização e os veículos maiores na pista apertada. O homem de azul,
apressado, quase é atropelado ao atravessar a Alça Sul. Paulo Otávio Peixoto,
de 26, é estudante de engenharia. "O trânsito na região é péssimo. Deixo o
carro em casa e ganho mais de uma hora a pé. Mas tenho que encarar isso”, diz.
Fernanda Mazala também deixa o carro em casa por causa do
tráfego difícil no Vila da Serra e no Belvedere. A analista sênior não
considera cruzar o trecho de ônibus porque, segundo ela, as duas linhas
disponíveis – 4110 e 2104 – ficam presas em engarrafamentos frequentes e
"chegam a demorar uma hora e meia para atravessar uma distância muito curta.
Sem falar nos 30, 40 minutos entre um horário e outro”. Para Fernanda, ainda
que seja complicado, caminhar é a melhor opção.
Belchior Eduardo, de 20, auxiliar administrativo, reclama da
sinalização, iluminação e faixa de pedestre. "Quando chove é mais complicado. O
barro se espalha. É difícil. Escorrega e não tem lugar pra gente passar”,
comenta. Revoltado, emenda: "Isso é o Brasil. Brasileiro aceita tudo calado,
né!? É só ver o que acontece com a corrupção… É o país da tolerância. Os
políticos perderam o respeito. Já tem muito tempo que isso tá desse jeito e ninguém
faz nada”, lamenta.
Maria Auxiliadora e Vaneça Francisca encaram juntas a
travessia. Uma na frente, a outra atrás, porque elas não cabem lado a lado na
maior parte do caminho. Para as duas amigas, a construção da Alça Sul – que faz
a ligação da BR-356 à Via Stael Mary Bicalho Motta Magalhães – "ajudou um
pouco”. "Os carros têm que parar. Ficou menos perigoso. Antes, era muito mais
difícil”, diz Maria, que há nove anos corta o pedaço a pé. Vaneça chama a
atenção para o entulho jogado às margens da via. "Olha só o tanto de lixo que
eles jogam”, aponta.
INTERVENÇÕES
APROVADAS
Procurada, a Prefeitura de Nova Lima, por meio da Secretaria
de Comunicação, reconhece o absurdo da falta de estrutura na Via Stael Mary
Bicalho Motta Magalhães, explica que o ponto em questão está além de seus
limites e se oferece para, "em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte”,
ajudar a resolver o trecho pela segurança dos pedestres. Já a BHTrans enviou
nota esclarecendo que "o trecho indicado se trata de rodovia e todas as
intervenções no local foram aprovadas, implantadas e supervisionadas pelo DNIT
(Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e pelo DER-MG
(Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais)”.
Ameaça continua em
trilha alternativa
Não muito longe do trecho do perigo – na Via Stael Mary
Bicalho Motta Magalhães –, há uma trilha via propriedade particular.
Alternativa, mas não menos perigosa. Na parte alta, entre a Rua da Passagem, em
Nova Lima, e a Rua Rodrigo Otávio Coutinho, em Belo Horizonte, os desafios são
outros: mato, barro, pedras, escuridão e bandidagem. O trajeto é uma aventura
e, além de coragem e preparo físico, exige roupa apropriada. Para muitos, é
preciso também companhia. Izabela Prado Gomes, de 25, só encara o caminho
acompanhada de algum colega de trabalho.
Para a enfermeira, sozinha, melhor enfrentar os carros da
Via Stael Mary Bicalho Motta Magalhães. Izabela e o colega Daniel Arthur Sales
de Oliveira, de 32, mostraram ao EM os pontos mais críticos da trilha nas
costas do Hospital Vila da Serra. Logo depois dos trilhos da linha férrea
desativada, entre cercas de arame farpado, vem a parte mais complexa da
travessia: uma descida em abertura estreita de barro e mato. "À noite é ainda
mais perigoso. Quando a gente trabalha até as 20h fica complicado. Não tem luz
nenhuma. Temos que usar a luz do celular”, conta Izabela.
Santa Aparecida Rodrigues, de 35, diz que o atalho para a
Rua Rodrigo Otávio Coutinho é a única alternativa para que ela possa chegar a
tempo em sala de aula. "Se não passar por este caminho não consigo pegar o
ônibus a tempo para chegar à escola. Tenho medo, mas não tem outro jeito.
Quando dá, procuro descer acompanhada. O outro caminho, pelo asfalto, nem
pensar”, diz Santa, que para chegar na trilha alternativa encara até buraco no
barranco próximo à Rua da Passagem.
DROGAS
Lauro William de Souza, de 26, comenta que "a quebrada”,
além de perigosa, é ponto para usuários de drogas. "Depois do estacionamento,
tá tudo abandonado. Todo dia vejo gente fumando maconha aqui. Só passo nessa
quebrada quando está claro. Tem o ônibus 2104, mas ninguém aguenta esperar. Na
firma, ninguém tem coragem de cortar o caminho por aqui. Doido lá, só eu
mesmo”, diverte-se.