População arruma alternativas para se livrar do trânsito caótico de BH

09/09/2013 09:00 - Estado de Minas

Leia: Moradores aderem o uso de bicicletas para fugir do trânsito de BH

Estresse, ansiedade, raiva, tempo perdido, compromissos atrasados. O drama de quem depende do trânsito no dia a dia não tem fim. Enquanto o transporte rápido por ônibus (BRT, na sigla em inglês), promessa para melhorar a qualidade do transporte em Belo Horizonte, não passa de um canteiro de obras e a polêmica implantação de rodízio de veículos e pedágio ainda está em discussão, muita gente se vira como pode e busca alternativas, como mudar horário e até o próprio estilo de vida para fugir do trânsito cada vez mais congestionado.

O analista financeiro Amaro Francisco do Nascimento Júnior, de 35 anos, se cansou de ficar parado em longas filas de carros no trajeto de ida e volta de casa, no Barreiro, para o trabalho, na Região Centro-Sul, e resolveu fazer parte do percurso de bicicleta. Há um ano, ele leva a mulher ao emprego, na Avenida Raja Gabaglia, no Bairro Luxemburgo, deixa o carro em uma rua sem estacionamento rotativo, no Bairro Cidade Jardim, e segue de bike para o Bairro Santa Efigênia. A empresa onde Amaro trabalha fica no cruzamento das avenidas Brasil e Francisco Sales, região com grande movimento de pessoas e veículos. "Gastava tanto tempo para conseguir uma vaga no rotativo e parado no trânsito que decidi dividir o percurso usando a bicicleta”, conta.

Segundo Amaro, para estacionar eram quase 40 minutos e, no mínimo, mais 40 para chegar ao local onde hoje deixa o carro, após o expediente. "Em dias de chuva, a situação era ainda pior. Agora consigo fazer o percurso sempre no mesmo horário, com 15 minutos para ir e o mesmo tempo para voltar”, diz. Ele apoia quem pretende usar a bicicleta.

A estudante de farmácia Tâmara Souza, de 25, também teve que mudar a rotina para sobreviver ao trânsito em BH. A solução foi madrugar no ponto de ônibus para fugir dos congestionamentos das avenidas Portugal, Dom Pedro I e Antônio Carlos, no caminho para a UFMG: "Há um ano e meio, eu saía às 7h e conseguia chegar às 7h30 na faculdade. Agora, pego o ônibus às 6h20 para chegar a tempo. Com as obras, as pistas se afunilam e confundem as pessoas”.

A servidora pública Érika Dorze, que trabalha como assessora no Tribuna de Justiça, no Centro, ainda não abriu mão do carro, mas mudou sua rotina. Há um ano ela trabalhava das 8h às 18h e usava o intervalo para almoçar em casa, no Bairro Cidade Nova, Região Nordeste, e frequentar academia. "Começou a ficar muito corrido e estressante, porque o trânsito está cada vez pior. Agora faço tudo durante a manhã, entro no trabalho às 13h e vou até a noite”, afirma.

Outra mudança foi o estacionamento. Depois de esperar vagas por até duas horas e meia no rotativo na Avenida Álvares Cabral, passou a pagar estacionamento particular. "Entrar e sair do Centro é muito difícil. Estacionar, então, é praticamente impossível. Até nos locais pagos é preciso esperar quase um ano para conseguir vaga”, garante. Érika é contra o pedágio e defende o rodízio de veículos, mas cobra mais investimento no transporte público. " O ônibus seria a melhor solução para mim, mas não o uso por falta de segurança na rua e porque está sempre cheio e atrasado.”

Quem também teve de abrir mão de almoçar em casa foi o advogado Thiago Monteiro, de 30 anos, que mora no Bairro Itapoã e trabalha no Planalto, ambos na região da Pampulha. Pelo menor quatro vezes por semana ele vai a audiências no Tribunal de Justiça, no Centro, ou no Fórum Lafayette, no Barro Preto, quando não pode almoçar com a família.

"Muitas vezes tenho até três horas de intervalo entre uma audiência e outra, mas ir em casa e voltar fica inviável, por causa do trânsito. Sem contar que a gente nunca sabe se vai ser tranquilo ou um verdadeiro transtorno”, diz. Ele é contrário ao pedágio e ao rodízio, "Não adianta restringir o uso do carro particular, porque não temos transporte de qualidade. Se o rodízio for implantado nas atuais condições, por exemplo, as pessoas vão revezar o carro entre familiares ou amigos e até mesmo comprar outro carro”, avalia.

BHTrans culpa excesso de carros como a causa da lentidão no trânsito

A empresa municipal diz que as vias de acesso ao Centro são as mais congestionadas

A BHTrans considera o aumento da frota de veículos particulares na capital a maior causa da lentidão no trânsito, principalmente diante da constatação de que maioria circula apenas com o motorista. cc. Pela manhã, o problema maior é o Complexo da Lagoinha e as avenidas Amazonas, Nossa Senhora do Carmo e Raja Gabaglia. Além delas, à tarde, a Avenida Tereza Cristina também apresenta lentidão.

Apesar da combinação do aumento da frota com as obras espalhadas pela capital, a BHTrans informa que a implantação do BRT, no ano que vem, deve amenizar a lentidão no tráfego. O sistema será operado de forma semelhante ao metrô e deve facilitar a mobilidade urbana, pois tem maior capacidade para passageiros e percorrerá a cidade por corredores exclusivos.

Além de investir no transporte público, na tentativa de convencer os cidadãos a deixar os carros em casa, a BHTrans informa que tem um planejamento de operações em conjunto com a Unidade Integrada de Trânsito (UIT), formada também pela Polícia Militar e pela Guarda Municipal. Agentes fazem fiscalização permanente, segundo a empresa, especialmente nos trechos mais congestionados, e contam com a ajuda também de monitoramento por câmeras.

Para que os motoristas gastem menos tempo parados no trânsito, a empresa aconselha que sigam desvios sinalizados em pontos onde há interdições em função de obras. Já a Sudecap informou que o volume de obras em andamento em BH é "normal”. Segundo a superintendência, as obras em execução para a Copa do Mundo – BRTs nas avenidas Antônio Carlos/Pedro I, Cristiano Machado e no Centro, reforma do Bulevar Arrudas e da Avenida Tereza Cristina e implantação da Via 210 – são as que mais afetam a mobilidade urbana, pois exigem mudanças no trânsito.

BH tem quase 80 obras pelo caminho

Intervenções espalhadas por toda a BH, sete delas em grandes corredores viários, associadas à explosão da frota obrigam cidadãos a optar até pela caminhada para cumprir obrigações

Andar pelo canteiro de obras em que se transformou Belo Horizonte e correr riscos no trânsito caótico é uma maratona diária para quem precisa se locomover nos horários de pico. Segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), 79 obras – sete delas em importantes corredores – estão em andamento na cidade, onde a frota não para de crescer. O último levantamento do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), de julho, aponta 1.565.535 veículos circulando na capital. O número quase dobrou nos últimos 10 anos – em julho de 2004 eram 795,6 mil veículos – e continua avançando: a cada dia cerca de 290 carros são emplacados em BH. Não é à toa que chegar e sair do trabalho se tornou um tormento.

Samuel Sales, de 22 anos, encara esse desafio diariamente, mas foi obrigado a mudar a rotina e abrir mão de parte de sua qualidade de vida. O jovem passou o último ano se desdobrando para ir do estágio, em um centro de saúde em Venda Nova, para o restaurante em que trabalha como garçom à noite, no Bairro Sion, Centro-Sul. Ele pegava dois ônibus para casa, no Bairro Ouro Preto, na Pampulha, apenas para tomar um banho. Em seguida, gastava duas horas em outros dois coletivos para chegar ao emprego, onde passou a jantar. "O trânsito parava tanto que eu descia do ônibus e ia até a Avenida João Pinheiro andando. O trajeto que eu fazia em 30 minutos o ônibus demorava uma hora para percorrer”, conta. A situação só melhorou quando Sales passou a trabalhar no Hospital Risoleta Neves, também em Venda Nova, e começou a usar o metrô.

O mestre em engenharia de transportes Paulo Rogério da Silva Monteiro explica que toda obra exige atenção redobrada do motorista. "O congestionamento é fruto de uma demanda maior do que a capacidade. Com as obras, o fluxo é mais lento, porque o motorista fica receoso”, afirma. Apesar disso, segundo ele, a lentidão é causada, na maioria dos casos, pela grande quantidade de carros.

Uma demora que atrapalha o trabalho do taxista Humberto Antônio Agenor, já que as corridas ficaram mais caras devido aos engarrafamentos, o que afugentou passageiros. "Complica para a gente, mas as obras são necessárias para melhorar o trânsito”, diz.

Na tentativa de fugir dos transtornos, a dona de casa Patrícia Santos trocou o volante pela caminhada. "Faço tudo a pé. Só levou minha filha de carro à escola porque não tem jeito. Às 18h, o trânsito nas avenidas Getúlio Vargas, Contorno e Amazonas não anda”, reclama.