Prefeitura anuncia mais uma ação contra flanelinhas

13/08/2013 08:05 - O Globo

Flanelinha usa antigo colete, na cor cáqui, do Rio Rotativo para explorar o serviço nos arredores da Praça Saens Peña, na Tijuca - Gustavo Miranda

RIO - Noite da última quarta-feira, por volta das 20h30m, com jogos de futebol na TV e de bares e restaurantes do Baixo Gávea cheios. Quem chegava de carro deparava-se com uma verdadeira barreira na entrada da Praça Santos Dumont. Mas não era da operação Lei Seca ou fiscalização da Ordem Pública. A trincheira era de velhos conhecidos dos frequentadores locais, os flanelinhas. Seis no total, que se revezavam para se lançar à frente dos veículos e coagir motoristas a pagarem até R$ 5 pelo estacionamento — mais do que o dobro do valor oficial, R$ 2 —, numa demonstração de que no Rio, apesar da sucessão de promessas e estratégias para combatê-los, os guardadores irregulares continuam disputando espaço com os legalizados do Rio Rotativo e da empresa Embrapark nas cerca de 44 mil vagas de rua existentes na cidade. De novo, pela segunda vez, em dois anos, a prefeitura promete resolver o problema e amanhã publica no Diário Oficial a contratação de uma empresa para fazer um diagnóstico da situação, que vai orientar uma licitação até dezembro.

Em dois dias da semana passada, terça e quarta-feira, uma equipe do GLOBO contabilizou 42 flanelinhas agindo, além da Gávea, em vias de Leblon, Ipanema, Copacabana, Jardim Botânico, Centro, Vila Isabel, Tijuca e Barra (Jardim Oceânico). Alguns estavam descaradamente próximos a agentes públicos que deveriam inibir sua ação, como policiais militares e guardas municipais. Outros, dissimuladamente, usavam uniformes antigos de guardadores do Rio Rotativo, na cor cáqui.

Os da Praça Santos Dumont eram flanelinhas clássicos, sem qualquer identificação. Eles abordavam os motoristas aos gritos, sem cerimônia, apesar de uma patrulha da PM estar estacionada na esquina da Rua Quintino Cunha e de o ponto ser atendido por dois guardadores da Embrapark.

— Fala logo que esse é seu! — gritava um guardador da Embrapark para outro, ao ver um carro.

— Esse é meu! Esse é meu! — bradou o guardador, mas perdeu a contenda para um flanelinha.

Minutos depois, uma motorista era abordada por outro flanelinha, que pediu pagamento adiantado. A mulher se negou, mas não sem olhar para trás assim que se distanciou do carro.

— Virei para ver se estava tudo bem — disse ela, que temia algum dano ao veículo. — Evito pagar flanelinhas, mas me sinto coagida. Eles não prestam serviço algum, são uma máfia.

Flanelinha usa até áreas proibidas

À noite, flanelinhas agem mais intensamente em outros pontos da Zona Sul, como as ruas Ministro Viveiros de Castro e Aires Brito, em Copacabana, ou Farme de Amoedo e Jangadeiros, em Ipanema. Na Rua Conde de Bernadotte, no Leblon, por exemplo, por volta das 13h de terça-feira, havia apenas guardadores da Embrapark. Mas, no mesmo local, perto das 22h de quarta-feira, só flanelinhas: quatro num único quarteirão.

Situação semelhante à da Rua Dias Ferreira, no mesmo bairro. Terça-feira, na hora do almoço, um guardador disse que se um flanelinha chegasse ali arrumaria encrenca. Mas admitia: à noite, alguns apareciam. Dito e feito. Na quarta-feira, com os restaurantes da rua lotados para o jantar, lá estavam os guardadores bandalhas.

No Centro, na manhã de terça-feira, um flanelinha oferecia uma vaga, guardada com um cone, em frente a uma placa indicando que a área era reservada a carros do Tribunal de Contas do Município, na Avenida Calógeras. Na quarta-feira, na Praça Mahatma Gandhi, um homem fazia sinal para que motoristas estacionassem em vagas da Justiça Federal. E, sem saber que se tratava de um carro de reportagem, um flanelinha indicou uma vaga de carga e descarga na Rua do Passeio para ser ocupada. Ao ser indagado se não era proibido parar ali, respondeu:

— Fica tranquilo. Trabalho aqui há 30 anos.

"Experiência” no ponto também era a alegação do guardador irregular na Rua Pereira Nunes, em Vila Isabel, para convencer os repórteres do GLOBO a estacionarem em uma vaga. Com colete do Rio Rotativo antigo, ele foi questionado se tinha talonário e respondeu que não. Mas garantiu:

— Fique seguro de que, quando o senhor voltar, eu estarei aqui, e o carro também.

O diálogo aconteceu no fim da tarde de terça-feira. Na quarta, à noite, ele estava no mesmo local. A estratégia de vestir um colete antigo do Rio Rotativo para impressionar a clientela é comum. Flagrantes foram feitos na Avenida Ministro Ivan Lins, perto do número 340, na Barra; no Boulevard 28 de Setembro, em Vila Isabel; e na Rua General Roca, junto à Praça Saens Peña e à Unidade de Ordem Pública da Tijuca, ao lado de guardadores do Rio Rotativo.

Gerente geral da Embrapark, Márcio Vieira nega a rivalidade entre flanelinhas e guardadores da empresa. Ele garante que seu efetivo só atua nas áreas licitadas, de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h, e aos sábados e domingos, até as 13h. E afirma que a Embrapark tem contrato com a prefeitura para administrar as 9 mil vagas de parte da Zona Sul (Leme, Copacabana, Gávea, Ipanema, Leblon, Lagoa, Jardim Botânico e um trecho de São Conrado) até 2019.

— O flanelinha atua onde não podemos administrar. Muitas vezes, também param os carros, ao nosso lado, em áreas de carga e descarga e em cima da calçada — reconheceu Vieira, acrescentando que a empresa já pediu para estender seu horário nos sábados, domingos e feriados até as 19h.

Já o presidente do Sindicato dos Guardadores Autônomos, Jorge Justino, diz que a disputa entre flanelinhas e o pessoal do Rio Rotativo — serviço do município operado por guardadores autônomos —existe. Para ele, falta repressão:

— A fiscalização está mais relaxada. Hoje, os estacionamentos estão entregues à própria sorte — diz ele, cujo sindicato reúne cerca de 5 mil guardadores registrados, exceto os da Embrapark.

Por nota, a Secretaria da Ordem Pública (Seop) informou que a ação de flanelinhas envolve contravenção penal e crimes como exercício ilegal da profissão, extorsão e ameaça. Desde janeiro de 2009 até o mês passado, 1.471 flanelinhas foram detidos pela Seop. Ontem, agentes da secretaria detiveram dois flanelinhas nas avenidas Chile e Beira-Mar, no Centro. Foram encontradas cerca de 30 chaves com guardadores irregulares, 22 veículos foram rebocados e 54, multados por estacionar em local proibido. Apenas este ano, a Guarda Municipal levou 93 flanelinhas a delegacias. A PM esclareceu que só atua quando há acusação de extorsão, ameaça e dano à propriedade pública ou privada. A Polícia Civil explicou que, geralmente, os acusados são autuados por exercício ilegal da profissão e podem responder em liberdade.

Estudo para fazer novo diagnóstico

Depois de repetidas promessas de melhorias no sistema de estacionamento do Rio, o secretário municipal da Casa Civil, Pedro Paulo, afirma agora que a prefeitura vai rescindir o contrato com a Embrapark no fim deste ano. A ideia, segundo ele, é abrir licitação para um novo concessionário assumir as 44 mil vagas da cidade. Nesta quarta-feira, deve ser publicado no Diário Oficial do município o nome da empresa vencedora da Proposta de Manifestação de Interesse, que será responsável pelos estudos para o projeto de administração das vagas públicas nas ruas. Esse trabalho deverá ser entregue à prefeitura em 60 dias.

Ainda conforme Pedro Paulo, uma vez escolhida a proposta técnica, a prefeitura irá preparar uma licitação, que deverá ser feita até dezembro. Não estão descartados a implantação de parquímetros e o uso de aplicativos para celulares, que poderão ser uma alternativa para a localização de vagas ou para facilitar o pagamento do estacionamento. Porém, a modelagem a ser adotada ainda precisa ser avaliada.

— A ideia é dividir a cidade em lotes. Queremos proporcionar melhorias para o usuário com a lógica da mobilidade e tecnologia — adianta o secretário.

Em 10 novembro de 2008, a estreia da Embrapark já foi marcada por confusão. O consórcio havia vencido licitação feita pela prefeitura, mas os operadores foram impedidos de trabalhar por guardadores do sistema Rio Rotativo. Houve denúncias de intimidação, furto de talão e agressão. Dois dias depois, o Tribunal de Contas do Município (TCM) determinou que a prefeitura sustasse o contrato, o que foi feito no dia 2 de dezembro. Em 21 de janeiro de 2009, o TCM aceitou uma solicitação da Embrapark e, em sessão plenária, considerou a contratação do consórcio regular.

Em maio de 2010, o prefeito Eduardo Paes, irritado com o descumprimento de algumas cláusulas contratuais, inclusive com a falta de guardadores nas ruas, ameaçou romper com a Embrapark, o que não aconteceu. Na época, logo após ter sido reeleito, o prefeito prometeu: "Quero licitar as vagas de estacionamento. Provavelmente, vou começar pela Zona Sul. A ideia é rescindir o contrato com a Embrapark. Mas não quero rescindir o contrato até termos o modelo adequado”, afirmou, acrescentando: "o que temos é uma vergonha”.

Três anos depois dessa declaração, a prefeitura anuncia que a modelagem do prometido novo sistema ainda precisa ser feita.